20 de novembro, data de reflexão

Luciana Onety, coordenadora da licenciatura em História do Centro Universitário Jorge Amado é coordenadora do Núcleo de Estudos Históricos da Unijorge

Publicado em 20 de novembro de 2017 às 16:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

O dia 20 de novembro entrou para o calendário nacional como uma data destinada às comemorações e mobilizações em torno da Consciência Negra. A data escolhida homenageia Zumbi, morto em 1695 e considerado por alguns historiadores um dos grandes líderes da resistência negra, no Quilombo dos Palmares. 

Francisco, nome cristão de batismo, foi criado por padres que lhe ensinaram os rudimentos da leitura e escrita e quando tinha cerca de 15 anos, fugiu para o Quilombo de Palmares, passando a adotar o nome de Zumbi. Após disputas internas, Zumbi tornou-se líder do Quilombo no lugar de Ganga Zumba, assassinado, e manteve-se firme contra os avanços de tropas militares portuguesas e bandeirantes sedentos de ouro, que investiram em inúmeras ocasiões contra os quilombolas. No ano de 1694, o Quilombo de Palmares foi invadido e Zumbi ferido, porém, escapou e se manteve foragido por algum tempo, até ser delatado, capturado e morto no dia 20 de novembro. Sua cabeça, salgada, ficou exposta em praça pública para servir de exemplo para os negros que considerassem uma sublevação contra o sistema vigente. 

No Brasil, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi decretada a lei 10639/03, que determinou que o calendário escolar deveria considerar o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira. Durante a gestão de Dilma Rousseff, oficializou-se pela lei 12519/11 o Dia da Consciência Negra. Mais de mil cidades em território nacional aderiram à comemoração e decretaram feriado neste dia. Salvador, que segundo o IBGE (2011) é a capital mais negra do Brasil (cerca de 80%), não aderiu ao feriado. 

Além de ser uma data em homenagem ao papel desempenhado por Zumbi, símbolo da luta negra, o 20 de novembro é dedicado especialmente à reflexão nacional sobre a situação social, política e econômica da população negra, sua participação fundamental na história e cultura brasileira e um convite à reflexão acerca do processo de escravidão que imprimiu um legado de injustiças e vergonha em nossa história. Não podemos esquecer a escravidão nem negar suas consequências: racismo, preconceito, discriminação racial e negação de direitos e de representatividade, para citar apenas algumas. Independente da matriz racial em que estejamos inseridos, o Dia da Consciência Negra é de repensarmos a formação da sociedade brasileira e todas as formas de crueldades praticadas contra aqueles que tanto colaboraram para a construção de nossa identidade nacional. 

Ainda vivemos num país que nega o racismo e grita a pluralidade cultural como um apanágio dos intelectuais, mas na prática, nos confrontamos com comentários infelizes como o que veio recentemente à tona, vindo de um dos maiores comunicadores do Brasil, William Waack. Este senhor, formado em ciências políticas, sociologia e jornalismo, destilou todo o seu racismo ao afirmar sobre um buzinaço ocorrido em 2016 nos USA: “Tá buzinando por que, seu m.... do c....? Não vou nem falar, que eu sei quem é. Sabe quem é, né? Preto, né!? Isso é coisa de preto, com certeza”. Postura deplorável de alguém que exerce um cargo importante como formador de opinião. Ao assistir seu vídeo, senti a chamada vergonha alheia, o constrangimento de viver debaixo do mesmo Sol e respirar o mesmo ar que esse indivíduo. 

Sou uma sonhadora e acredito que um dia conseguiremos viver num mundo em que não precisemos mais de datas específicas para lembrarmos de fazer jus àqueles que tanto fizeram por nossa sociedade. Almejo alcançar um dia em aqueles que foram obrigados a deixar para trás suas famílias, sonhos, histórias para literalmente darem seu sangue para edificar nossa nação sejam reconhecidos por seu valor e que o legado nefasto da escravidão caia por terra. Faço minhas as palavras do grande historiador baiano João José Reis que tanto tem feito para dar visibilidade aos negros através das linhas tênues da História: “Desejo, desejamos um país onde não seja preciso uma jovem negra empunhar, numa recente manifestação de rua, cartaz que dizia: ‘A casa grande surta quando a senzala aprende a ler’”.  

Eu desejo um feliz e reflexivo Dia da Consciência Negra para todos nós! E, que neste e todos os outros dias, tomemos consciência de nossas verdadeiras negras raízes.