A Concha, os biscoitos finos e a massa

Por Sergio Sobreira

  • D
  • Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2017 às 19:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Tentei comprar ingressos para o show de Paulinho e Marisa mas não consegui. Hoje, acordei conformado quando amigos queridos me chamaram, tinham um convite a mais e eu fui, feliz e animado, afinal ia conhecer também a nova concha.

Porém, o que deveria ser a experiência de encantamento com o show de dois artistas maravilhosos virou um desconforto em doses cavalares que decidi converter em “análise de campo”... vamos lá:

- Quando vai aparecer alguém com coragem para RESOLVER o inferno do “senta, senta, senta” da Concha? Ou libera pra cada um ficar como quiser ou decreta todo mundo sentado de vez porque é vergonhosamente desrespeitoso e constrangedor ver um artista da importância de Paulinho da Viola, com a majestade de seus 74 anos, se ver impedido de cantar após a primeira música porque a balbúrdia da plateia, confrontando seus desejos de ver sentado ou em pé, não permitiam o show continuar!!!!

- Fazer show na Concha é bom pro caixa da produção: afinal são 5.000 lugares à venda mas... pera lá, que tal os produtores pensarem só um pouquinho sobre a adequação do show e suas características estéticas ao espaço???? A plasticidade sonora de Paulinho da Viola com sua voz baixa, quase sussurrante, e seu samba com jeito de oração NÃO SERVE para as condições espaciais da Concha. NÃO SERVE, simples assim. Não cabe. Não combina. Não funciona. Não sei se o som estava propositadamente baixo, mas do lugar de onde eu via o show eu mal ouvia Paulinho e Marisa (melhorou um pouco com ela pq ela domina essa relação com multidões). Paulinho da Viola pede a atmosfera de um teatro, sua música sofisticada não pode ser jogada como pérolas aos porcos...

- SIM, o público da Concha pensa e age como se estivesse numa pocilga. Passei metade do show advertindo um grupelho que estava atrás de mim e insistia em conversar, tagarelando sobre assuntos em nada relacionados ao show, como se eles não tivessem vindo a um show, mas a uma feira livre, enquanto saía um som qualquer dos auto falantes. Pergunto: porque esse rebanho de desgraça compra um ingresso caro e vai? Pra menosprezar o artista e seu público? Aliás, porque pessoas assim saem de casa? Porque elas não vão para outro lugar?

- Falando ainda do comportamento de suínos, quando foi que as pessoas deixaram de assistir ao show ou espetáculo e passaram a se preocupar APENAS em filmar, fotografar e fazer selfies????? O que elas estão fazendo ali????? Qual a finalidade de registrar com péssima qualidade uma experiência que está ali para ser desfrutada como uma comunhão. As artes do espetáculo - shows, musicais, peças de teatro, balés, óperas, concertos, recitais, etc - são artes AO VIVO, então está firmado implicitamente que plateia e palco tem a possibilidade de criarem uma sinergia, entrarem em comunhão e até fazerem a catarse, como preconiza a poética da encenação... mas em tempos ruidosos e mal educados de exibicionismo vulgar em redes sociais, as pessoas estão cag...esvaziando seus intestinos e andando para o que está em cena. Elas é que são protagonistas, o show é delas registrando cada momento e compartilhando em redes sociais a procura de likes. 

Que miséria humana esse estágio de vaidade que chegamos. Estou consternado com o que vi e vivi hoje. Dois artistas de minha mais profunda admiração, o sambista genial e a maior cantora surgida depois de Elis, biscoitos finíssimos desperdiçados por uma massa fuleira, ignorante, vulgar, para a qual não há diferença entre um sequilho delicado e uma bolacha pocazoi. Ah Brasil, que triste tua sina de ter um enorme passado pela frente.

Texto originalmente publicado no Facebook