A impunidade vista do camarote

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  • Da Redação

Publicado em 25 de novembro de 2017 às 03:30

- Atualizado há um ano

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Há exatos dez anos, como bem lembra esta edição do CORREIO, uma partida que seria de festa foi engolida pela tragédia.

Empatando sem gols com o Vila Nova (GO), o Bahia deixava a Série C pra trás, mas nem foi possível comemorar. Enquanto a torcida tomava o campo da velha Fonte Nova e, do lado de fora, um trio elétrico dava o tom de mais uma efêmera folia, torcedores do tricolor caíam, literalmente, no abismo da arquibancada. Sete mortes, mais de 50 feridos, famílias destroçadas e ninguém punido. Ninguém.

Dez anos depois, ainda há quem trate aquele episódio como acidente, mas todos sabemos a triste verdade: Djalma Santos, Anísio Marques, Midiã Andrade, Joselito Lima, Jadson Celestino, Márcia Cruz e Milena Palmeira foram vítimas de homicídio. Os responsáveis, que estavam bem longe da arquibancada condenada, gozam da impunidade do camarote.

Então diretor-geral da Superintendência dos Desportos da Bahia (Sudesb), Raimundo Nonato Tavares da Silva, o popular Bobô, foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público pelos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa, juntamente com o então diretor de operações da Sudesb, Nilo dos Santos Júnior.

Graças a uma dessas sentenças que só podem ser compreendidas no contexto da Justiça (?) brasileira - e mais especificamente no labirinto do poder Judiciário baiano -, ambos foram absolvidos. Bobô, veja só, é deputado estadual. Não é piada.

Mais de um ano antes do acidente, os mandatários da Sudesb já sabiam que a arquibancada da Fonte Nova estava imprestável. Receberam laudos, fotos e informações de empresas privadas e entes públicos, como a Vigilância Sanitária Municipal e a Polícia Militar. Deram de ombros. 

Em vez de fechar o equipamento, optaram por gastar R$ 49 mil numa reforma de meia tigela, mesmo sabendo que pequenos reparos não sanariam os problemas estruturais explícitos. Ao fim e ao cabo, liberaram o estádio para 60 mil pessoas: sete mortes foi até pouco, com o perdão da falta de sensibilidade. A isso, dá-se o nome de assassinato.

Passados dez anos, quem deveria ter sido condenado flana como se nada tivesse acontecido. O Ministério Público, talvez embaraçado pela própria tibieza, quer o assunto bem longe dos seus gabinetes.

Aproximadamente três anos depois do homicídio de sete pessoas, a velha Fonte Nova virou pó. Demolida, deu lugar a uma arena erguida com dinheiro público que enche o cofre de um consórcio privado - o negócio ideal.

Nos novos corredores, a impressão que fica é de que querem soterrar a memória dos mortos sob os pilares de concreto, já que a lembrança de uma tragédia não orna muito bem com luzes coloridas e cadeiras enfileiradas. Com a invisibilidade, mata-se também um pouco do respeito às vítimas e seus familiares.

Se os gestores do estádio fingem não lembrar da tragédia, o Bahia segue o rastro. Nunca tendo realizado uma ação minimamente efetiva em memória dos seus torcedores mortos, o clube agarra-se à omissão e ergue a bandeira do esquecimento. Vergonha.

No jogo de amanhã, se a tragédia passar batida de novo, podemos tentar adivinhar o motivo: no camarote, é sempre mais fácil esquecer de uma dor que não é nossa.

Victor Uchôa é jornalista e escreve aos sábados.