A inutilidade dos jornais

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras

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  • Nelson Cadena

Publicado em 15 de dezembro de 2017 às 04:35

- Atualizado há um ano

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Divagações de fim de ano, quase isso: os jornais têm, mesmo, alguma utilidade? O mundo seria melhor sem eles? Não é fácil responder essas questões, embora tenha a sensação de que inúteis com certeza são os jornais do Ano-Novo, ou seja, as edições que circulam entre o Natal e a Festa de Reis. Nesse período, o mundo está em recesso, incluindo os três poderes legitimados pelas democracias. Então, por que o dito quarto poder tem de ficar na ativa? Melhor seria avisar o leitor - o problema é que jornal é hábito - que “por falta de assunto, estaremos em recesso durante duas semanas, voltaremos logo mais”.

Nos primórdios de nossa imprensa, não tinha essa de fazer de conta: fingir que há notícias e o leitor fingir que tem informação. A Gazeta do Rio de Janeiro, na sua edição de 1º de janeiro de 1812, por exemplo, não se constrangia em avisar aos leitores que “Chegou esta manhã uma mala de Anholt, a qual não trouxe notícias de muita importância”. Isso que é informação relevante, pois se o redator do jornal está dizendo que a notícia não vale a pena, quem somos nós para duvidar dele? Perder o nosso valioso tempo com matéria fria.

Melhor assim, a verdade crua e nua, do que ficar enchendo páginas com os releases de véspera, que nos informam de dois milhões de pessoas no Réveillon de Copacabana, 18 minutos de fogos de artifício e outras tantas comemorações mundo afora que já estamos carecas de saber:  “A multidão desafiou o frio abaixo de zero grau” no Time Square, La Fontana di Trevi, Champs-Elysées, ou no Trafalgar Square, você escolhe. Pior é o enchimento de linguiça com a retrospectiva do ano findo e as perspectivas do ano vindouro. Nisso, a turma que escrevia há 200 anos  era mais pragmática. A retrospectiva da Gazeta em 1909 era mês a mês e tinha o original nome de “Tábua cronológica dos acontecimentos mais notáveis de 1808”.

Mas, como ia dizendo, o nosso jornal pioneiro não tinha papas na língua, nem se constrangia em sonegar informação que o redator considerava, ou julgava inadequada, para o leitor. Fazia-lhe um favor, sem nenhuma ironia. Na edição extraordinária da Gazeta de 27/8/1809, por exemplo, o jornal publicava os 12  boletins da guerra entre a Áustria e a França, justificava assim o seu caráter de circulação adicional fora das datas de rotina.  Lá no final do documento, após reproduzir, um a um, os textos, informa ao leitor: “O undécimo boletim nada mais contém do que injúrias as mais grosseiras contra Chastelar” e prossegue reproduzindo o décimo segundo e último, na íntegra. Estava errado o redator? Acho que não, poupava os leitores de fofoca. Afinal, que diabos a gente tinha a ver com as injúrias contra Chastelar?

Retomando o fio da meada, nestas divagações de fim de ano, a questão é saber da utilidade ou não dos jornais. Você decide. Pense no noticiário da corrida de São Silvestre, sempre seletiva, foca nos que sobem no pódio e apenas isso, uma cobertura que pode ser assim entendida: “Se querem saber a classificação dos cem melhores atletas, ou dos dez do Brasil, vão tomar banho”. Ou seja, “você, leitor não tem nada a ver com isso”. O mesmo raciocínio da Gazeta do Rio de Janeiro, naqueles idos bicentenários aqui referidos. Mais sensato seria escrever: “Não vamos publicar a classificação a partir do 5º colocado para você não se aborrecer leitor. Não vale a pena. É um bando de pernas de pau”.

 Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras