A maior farra da terra e do mar

Por Rogério Menezes

Publicado em 26 de novembro de 2017 às 06:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Vi o mar pela primeira vez aos 10 anos – e o mar m’arrebatou. Era a coisa mais linda que os meus olhos já tinham visto. Aquela imensidão de água azul que se estendia até linha reta que me disseram chamar horizonte me abduziu. Perguntei: - É tudo água até aquela linha reta? Alguém, talvez pai, respondeu: 

- Não é linha reta, enxergamos assim porque olhamos de longe. O mar não acaba ali, há muito mar além-mar. Todo dia sentava sozinho na areia da Praia de Tiririca – hoje paraíso de surfistas do mundo inteiro no balneário multinacional de Itacaré-Bahia. Então testemunhava: o mar quando quebrava na praia era bonito, era bonito – e me perguntava à Caymmi:  seria doce – ou + provável, salgado – morrer no mar?

Meus pais não eram ricos – mas decidiram levar durante três anos a família (mulher e quatro filhos) + primos + primas + amigas de minhas irmãs + aderentes nessa aventurosa temporada na praia. Ainda não possuíamos automóvel – mas em qual carro caberia tanta gente + peças de cozinha + farnéis de comida e outras traquitanas? Pensou caminhão?  Acertou.

Fevereiro chegava, pé na estrada. Na boleia do caminhão, motorista contratado para a empreitada + mãe + pai. Na carroceria, misturavam-se o resto da tropa, caixas de comida, malas com roupas e panelas que se desgarravam das caixas que as guardavam: caos.

Estrada asfaltada? Porra nenhuma. Terra amolecida pelas chuvas de verão nos obrigava a viagem nervosa. Uma vez o caminhão afundou-se no barro movediço, e empacou. Pai ordenou: tudo o que não fosse o motorista teria que chafurdar na lama para facilitar a operação de desatolar a, digamos, embarcação. [Desembarcamos e, com lama nos joelhos, carregamos teréns das mais variadas dimensões nas costas até região mais seca].

Pai alugava casa barata e sem móvel algum. Colchões vagabas e malas com roupas eram jogados no chão dos quartos, sala e corredor. Na cozinha sagrada, não. Lá tudo era muito  arrumado. Fogão a gás trazido de casa, muitos pratos, muitas xícaras e muita comida eram separados, arrumados e bem lavados. Todo dia mãe cozinhava peixes e crustáceos feito compusesse sambas de Cartola.

A intenção era hedonista: com pouco dinheiro vivermos os momentos mais inesquecíveis do ano, quiçá, de nossas vidas. Passávamos o fim da tarde e o começo da noite de pernas para o ar a rir e a falar bobagens – e todas as manhãs e parte das tardes, nós e o mar fazíamos a maior farra da terra – e do mar.

Não tínhamos a menor ideia de que o sol em excesso pudesse provocar câncer de pele, e nos torrávamos ao sol sem proteção alguma. Nos primeiros dias do veraneio minha pele se cobria de bolhas d´agua de ardores infernais que, quando pipocavam, liberavam secreção malcheirosa.

[Valia a pena enfrentar essa provação. Voltava superbronzeado para Jequié-Bahia e àquela época todo mundo queria ficar superbronzeado. Mas o tempo passava e eu desbotava e voltava a ser o branquelo de sempre]. [Era delicioso ouvir por algum tempo: - Como você tá ‘queimado’, Roge!]