'A palavra é que pode tecer a paz', diz Elisa Lucinda

Atriz e poeta capixaba foi uma seis mulheres que destacou a palavra como arma de combate ao racismo durante a Flica, neste sábado (7)

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  • Laura Fernades

Publicado em 7 de outubro de 2017 às 21:55

- Atualizado há um ano

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A escritora moçambicana Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um romance eu seu país por Foto: Paolo Paes/Divulgação

A palavra como ferramenta de poder da negritude e do feminismo e como arma de combate ao racismo marcou a Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), neste sábado (7), em duas mesas compostas por seis mulheres poderosas: Minna Salami, Cidinha da Silva, Denise Carrascosa, Paulina Chiziane, Elisa Lucinda e Lívia Natália.

“A potência das palavras de uma mulher negra, ou branca, qual seja for a sua raça, é capaz de construir novos mundos e uma sociedade mais humanizada”, defendeu a escritora moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher a publicar um romance em seu país. “É o que sinto, um bocadinho, aqui no meu coração. Eu própria sou produto desta potência que a palavra tem”, completou com doçura.

Convidada da Flica para a mesa A Máxima Potência que Habita as Palavras, ao lado da atriz e poeta capixaba Elisa Lucinda, com mediação da poeta baiana Lívia Natália, Paulina defendeu que a palavra é capaz de construir uma nova identidade, “uma identidade mais humana”. Diante da platéia que a recebeu de pé com aplausos, Paulina agradeceu o carinho: “vocês não imaginam a minha emoção de vir de tão longe, chegar aqui e encontrar essa humanidade”.

Provocada por Lívia Natália a falar sobre o que é ser mulher, artista e negra, Elisa Lucinda não hesitou na resposta: “a situação é critica, porque é um acúmulo de minorias”. A poeta e atriz completou dizendo que é preciso ser muito forte. “Qualquer negro vitorioso teve um trabalho hercúleo triplicado. É um bullying eterno. O fato de ser negra me deu mais força ainda. A palavra é que pode tecer a paz. Ela tem poder de ação e é ela que vai fazer a inversão do jogo”, defendeu Elisa.

Quando o assunto foi a solidão da mulher negra, Paulina disse que a questão do amor para uma mulher negra, africana, é complexa. “Vieram os invasores, levaram nossos filhos e deixaram as mulheres sozinhas. Vieram os invasores, usaram e abusaram das mulheres. O que é o amor em uma sociedade de poligamia? O que é o amor quando as mulheres casam na mais tenra idade, com 11, 12 anos? Falar de amor para a mulher negra é muito complicado. Esse sentimento nobre, não encontra espaço”, refletiu.

A escritora, então, acrescentou que diante disso faz-se necessário que as mulheres tenham armas para encarar a solidão. “A luta continua. Nós temos a palavra e vamos colocar a potência máxima na palavra para desconstruir as mentiras que foram sendo ditas ao longo do século”, completou arrancando aplausos do público.

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Racismo Mais cedo na Flica, a escritora e dramaturga mineira Cidinha da Silva destacou que “o racismo é um sistema estrutural que atinge a todos nós”. Durante a mesa Escrita de Resistência Contra os que Desejam Sufocar a Nossa Voz, que também contou com participação de Minna Salami, escritora de origens nigeriana, filandesa e sueca, Cidinha afirmou que o que mais a interessa é promover a humanidade negra a partir da sua escrita, seja suave ou combativa.

“Busco refletir a humanidade na minha escrita. Eu enfrento a opressão racista também ao produzir o riso e ao me permitir escrever textos que são leves e fluidos. Ao fazer isso, eu exercito a minha humanidade. O racismo quer achatar e diminuir a humanidade das pessoas que são alvo. Com isso amplio a minha noção de humanidade, da mesma forma que exercito também nos textos mais combativos”, afirmou Cidinha, na mesa mediada pela professora Denise Carrascosa.

Colunista do The Guardian e do blog feminista MsAfropolitan, Minna Salami contou que começou a escrever em seu blog em 2006, para poder mostrar o que acredita e poder engajar as mulheres “sem censura”. “Quero que a minha escrita tenha essa característica de humanidade em diferentes aspectos. Essa é uma forma de resistir ao status quo”, defendeu a escritora radicada em Londres e criada na África.

Questionada sobre como o afrocentrismo impacta na sua escrita de resistência, Minna destacou que é um processo automático e que se preocupa em pensar como responder ao eurocentrismo. “Por que o imperialismo e o racismo têm sempre tentado tirar nosso afrocentrismo? Nós gastamos muito tempo tentando entender por que o opressor está oprimindo. Sim, ele está. Mas o que é muito importante para nós negros e negras é pensar como podemos resistir a essas ferramentas de opressão”, alertou.