A volta do filho tornado duplo

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de agosto de 2017 às 06:29

- Atualizado há um ano

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Fazer mesmo o quê no Maringá, Bairro Joaquim Romão neste frio amanhecer de 8 de agosto? Ah, sim. Perscrutar a Rua Siqueira Campos para descobrir algo que me resgate alguma memória daquele lugar. (A casa de  número 21 me interessará. Nesse endereço  teria morado meu provável duplo quando criança).

Chego à Siqueira Campos, às 6h10. É mais feia do que me lembrava. Vou em frente, mas nada  haverá em frente que me interesse. Não há casa  21. A rua começa no número 243. O lugar onde teria vivido clone meu quando criança não existe. Ou não existe mais. Ou nunca existiu. A Coluna Vertebral terá todos os domingos uma ilustração de Carybé  Imagem do Instituto Carybé Sigo até o fim da via que tem + ou - 500 metros. Nada familiar ao meu tempo de criança, bar, padaria, vendedor de quebra-queixo, pipoca-lírio-do-vale, cachorros dormindo na sarjeta, nada. (Essa excursão matinal ilógica quis dar algum  cabimento a descoberta realizada logo que voltei a morar em Jequié, em junho de 2016. Levantava documentos para me tornar  microempresário individual.  Donde se pode concluir: afundava-me no lodaçal burocrático ao qual se submete quem pretende se ‘recidadanizar’).

Em manhã inglória, no interior de sala que fedia a éter, mocetona ossuda a bordo de óculos que pareciam lhes querer fugir das fuças, perguntou: - Qual homem o senhor é?

Prossegue a mocetona: - Temos aqui dois Rogérios Reis de Souza Menezes. Ambos têm mesma data e local de nascimento, mesmo sexo, mesma mãe, e números de CPFs diferentes. Como o senhor explica isso?

Catatônico, balbuciei: - Tenho 62 anos [era 2016], esgotei três passaportes, atravessei fronteiras nas quais agentes da lei me enfiaram a mão na bunda para checar se eu transportava algum tipo de droga, abri e fechei contas bancárias, fui interrogado e liberado pela Polícia Federal nos meus tempos de comunista, como posso ter dois números de CPF e nunca terem se dado conta disso?  A mocetona sussurrou, à boca chiusa: - Acontece.

Diante de minha catatonia, a mocetona amenizou: - Vou fazer do senhor uma só pessoa. Esse CPF ‘extra’  eu deletarei do sistema. Agora só haverá um Rogério Reis de Souza Menezes, filho de Águida Souza Menezes, e nascido a 6 de janeiro de 1954, na cidade de Mutuípe-Bahia. Confere? [Conferia.]

Submerso da catatonia, perguntei:  - Você pode me fornecer comprovante de que durante toda a minha vida eu vivi em pleno delito? [A mocetona apertou tecla do computador e folha de papel sulfite voou da impressora para o meu colo].

Então li os dados do meu duplo:  Nome: ROGÉRIO REIS DE SOUZA MENEZES .  DT NASC. 6/1/1954. MÃE: ÁGUIDA SOUZA MENEZES.  SEXO: M. ESTRANGEIRO: N.   Estas informações verídicas eram seguidas de dados falsos: ENDEREÇO: RUA SIQUEIRA CAMPOS, 21 – BAIRRO JOAQUIM ROMÃO – JEQUIÉ.  NI_CPF: 076.658.655-34.]

[Para amenizar o meu susto, ao lado desse CPF falso fora acrescentada a frase:  CANCELADA POR MULTIPLICIDADE] [Devo crer, caro leitor? Ou haverá sempre mundo afora, duplo meu cagando e andando?].