A vulva ideal

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  • Malu Fontes

Publicado em 16 de outubro de 2017 às 03:07

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO

Depois de décadas convivendo com o jornalismo e respirando informação, alguma coisa a gente aprende. Uma delas é que pode existir – e como existe! -, inexatidão e erros nas notícias, mas quase nunca inocência. Ninguém à frente da edição de um veículo noticioso escolhe propor uma pauta e veicular uma informação se essa não existe como fenômeno da porta para fora das redações, se isso não tiver interesse público ou se não interessar aos donos do veículo. As notícias giram mais ou menos em torno desse tripé.   Outro dia, numa conversa, alguém me dizia que sempre que presta atenção a uma notícia fica se perguntando por que interessa a alguém noticiar aquilo: respondi, por ser da área: bem, um bom começo para obter a reposta é começar lembrando que aquele fato existiu, a não ser que estejamos falando das fake news que circulam hoje sem timidez alguma nos grupos de aplicativos de conversação de família. Mas, nos veículos, se está lá, o fato aconteceu, mesmo que não esteja ali narrado como cada leitor ou espectador gostaria. E o jornalismo não existe para agradar todo mundo e cada um.

Privada de posto Desde que as redes sociais se tornaram parte da rotina de praticamente todo mundo que consome informação, a interseção entre as notícias e as tretas nas bolhas digitais é inevitável. Na semana passada a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem anunciando uma carrada de procedimentos médicos, estéticos e cosméticos que as mulheres estão usando para tornar suas vaginas mais emperiquitadas e, consequentemente, segundo as entrevistadas, para fazer com que elas deem um up em sua feminilidade.   A terra tremeu nos feeds e nas linhas do tempo das redes sociais digitais, com a maioria querendo comer o cérebro de quem, no jornal, teve a ideia de propor uma pauta tão esdrúxula, segundo as críticas, e de quem a escreveu e publicou. Ora, mas embora seja dantesco e ridículo imaginar mulheres pagando os olhos da cara para fazer uma vagina nova e até recompor um hímen para dar de presente a um marmanjo que se orgulha do pênis torto, da pança de chopp, da bunda flácida, e das horas de cama- e isso quando desconhece que seu hálito perde para o aroma de privada de posto de gasolina de beira de estrada, vamos concordar que a Folha não inventou esse fenômeno.  Pornô asséptico Se o jornal fez e publicou a matéria, o fato existe, há uma demanda, há um mercado e há homens e mulheres alimentando essa indústria do clareamento, do corte ou do inchaço estético de grandes lábios, pequenos lábios e seja lá o que da anatomia de quem se submete a isso porque, assim, acreditando, que se torna um brinquedinho mais famoso na cama do marmanjo, fortalece a feminilidade ou a relação.   E, assim como o jornalismo não é inocente e sabe muito bem o que noticia, me perdoem as mulheres, mas nesse caso não cola como argumento a tal alienação das pobres moçoilas vítimas do sistema opressor mantido pelo patriarcado macho. Se alguém corta a vagina para deixá-la mais aprazível ao uso do macho ao lado, é por sua conta e risco. Tiremos a inocência desse filminho pornô asséptico. Quem quer cortar suas coisas tem todo o direito de fazê-lo. Só não vale depois bancar a vítima e dizer que o sistema machista a obrigou. Se a vagina ideal não é a sua, algo está muito errado. E não é com ela. É com você, amada.

Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom/UFBA.