Adeus, dr. Cuba: médicos cubanos voltam para casa e são substituídos

O programa Mais Médicos completa neste mês quatro anos e passa por renovação

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  • Amanda Palma

Publicado em 17 de julho de 2017 às 05:15

- Atualizado há um ano

Ao chegar à rua da Unidade de Saúde da Família de Parque Petrópolis, em Dias D'Ávila, Região Metropolitana de Salvador, parece que existe um artista famoso lá. Todos param, falam com ele, abraçam, agradecem. O famoso é gringo, usa jaleco branco, é médico e está sempre com o sorriso e os braços abertos. Ele é o “doutor Servilo” Ruiz Arnauld, 58 anos, o cubano que conquistou o coração dos pacientes. 

Mas, três anos após sair de Havana e vir para a Bahia atuar no Mais Médicos, o cubano arruma as malas para voltar para casa, levando o gosto pelo dendê na bagagem. O programa completa quatro anos este mês e passa por renovação. Ainda não se sabe quem vai substituir o médico - mas provavelmente será um profissional brasileiro. "Doutor Servilo” Ruiz Arnauld conquistou corações dos pacientes(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Servilo, um dos 818 médicos cubanos na Bahia, conta que vai levar a experiência internacional mais marcante que teve em 32 anos de carreira - que inclui passagens pela Venezuela e Bolívia. “Nunca vou esquecer essa experiência no Brasil. O fato de ser outro idioma, outros costumes. O povo ficou agradecido aqui, um agradecimento espiritual, de dizer que vai rezar por mim”, conta ele. Em Dias D’Ávila, são quatro cubanos na rede de atenção básica à saúde. E apesar do preconceito inicial com os profissionais estrangeiros, o jeito carismático do doutor “pegou” a população, como ele diz, sem falsa modéstia.“Eles dizem: 'é o médico que fala embolado'. Eu sigo falando embolado. Mas há um amor horizontal. O médico está sempre perto das pessoas”, explica o cubano, cujo contrato acabou, e ele não pediu renovação. Vai voltar a trabalhar em uma policlínica de Cuba.A jovem Stefane Nadja, 18, carregava o filho Ravi, de 6 meses, quando soube que o médico vai embora em agosto. “Já? Ele é muito simpático, faz um ótimo atendimento. É uma pena”, contou a moradora do Parque Petrópolis.O cubano diz que vai carregar na memória os nomes e histórias de todos os pacientes brasileiros, como os casos de gravidez na adolescência, usuários de drogas e alcoolistas. “Tenho certeza de que conheci o Brasil de verdade. A gente já salvou muitas vidas aqui. Lutamos para conseguir mudar a mentalidade e colocar outros procedimentos na unidade.”Yusneidi Ramiz Matos chegou ao Brasil em junho(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Família Servilo foi quem recebeu a conterrânea Yusneidi Ramiz Matos, 27, que chegou ao Brasil junto com 51 profissionais de saúde em junho. O CORREIO acompanhou o primeiro dia de trabalho dela, na última quarta-feira. O maior medo era justamente o idioma, mas... “Eu estou muy (muito) contente, muy 'complacida' (satisfeita, agradecida) de atender os pacientes. Toda gente entendeu tudo”, comemorou Yusneidi, após a primeira manhã de consultas.O montador de andaimes Josué Jesus dos Santos, 24, foi um dos primeiros pacientes atendidos por ela. “Foi legal. Se eu não entendia alguma coisa, pedia pra ela repetir, sem problemas. Percebi que ela olha nos olhos da gente, perguntou o que eu precisava, o que sentia.”Cuba baianaApesar de ter chegado ao Brasil em junho e estar há poucos dias em Dias D'Ávila, a cubana diz se sentir em casa. Ou melhor, no “prédio dos cubanos”, como ficou conhecido um edifício amarelo, que fica no Centro da cidade. Lá, moram os quatro médicos que vieram do país latino pelo Programa Mais Médicos. O lugar, que parece uma vila, se tornou refúgio e um cantinho de Cuba para confraternizar. “Foi tudo muy confortável. O primeiro cubano que conheci foi Dr. Servilo, que me ajudou, deu muitos conselhos para gente e eu espero cumprir todos os conselhos. Eu já tenho uma segunda família aqui”, confessou Yusneidi, que deixou o marido e a mãe em Baracoa, província de Guantánamo, leste cubano.Euclides da CunhaSe em Dias D'Ávila existe só um prédio para os cubanos, a 315 quilômetros dali, existe quase um distrito de Cuba, só que na Bahia. A cidade de Euclides da Cunha, no Nordeste do estado, concentra 19 profissionais cubanos nas 24 equipes de Saúde da Família. A maior parte dos profissionais trabalha na zona rural do município e apenas três atuam no centro da cidade. “É um trabalho muito bom que eles têm desenvolvido no município. Tem aquela parte do acolhimento, eles ficam mais tempo com o paciente, conversam mais”, explica Vanessa da Hora, apoiadora da Rede de Atenção Básica do Município. Um deles é o médico Adniel Perez Guerra, que chegou há quatro meses no povoado Pai João, a 8 km do Centro da cidade. O comportamento do profissional surpreendeu a comunidade. “Ele parece que já nasceu aqui, é simples demais, cuidadoso, atencioso e gentil”, conta a agente comunitária de saúde Rosineide de Jesus Costa, que trabalha com Adniel.Para o médico, a experiência tem sido valiosa. “É experiência muito boa. Gosto da gente, gosto do povo. Estou  aqui para trabalhar e ajudar as pessoas”, resumiu o médico. A comunidade carecia de uma unidade de saúde, devido à dificuldade de deslocamento até a cidade para marcar consultas e fazer exames.“As pessoas tinham que ir na cidade marcar consulta, depois ir outro dia pra consulta, depois ir marcar o exame, fazer o exame, depois ir de novo pra consulta. Entende a dificuldade?”, diz Rosineide, explicando que Adniel consegue dar o diagnóstico e fazer o tratamento do paciente perto de casa mesmo.Segundo o secretário municipal de saúde de Dias D'Ávila, Caio Clécio Silva, o cuidado dos profissionais com os pacientes hoje é reconhecido, depois do receio inicial. “Em um primeiro momento, havia o preconceito de que eles fossem paramédicos. Mas hoje os médicos cubanos têm maior aceitação. Ele toca o paciente e faz o acompanhamento constante”, destaca o secretário.Caio observa que houve uma redução de encaminhamentos das USFs para médicos especialistas. “É um consenso que o programa veio para mudar a perspectiva da atenção à saúde básica”, explicou.