Aposentada denuncia falso policial por roubo de carro e ameaças

Motorista de delegado, suspeito ouviu depoimento de vítima e passou a chantageá-la

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  • Bruno Wendel

Publicado em 24 de janeiro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Lúcia Helena prestou queixa em delegacia e foi chantageada por falso agente (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) A funcionária pública aposentada Lúcia Helena Neves Caldeira, 54 anos, coleciona amargamente 11 multas que somam 48 pontos em sua carteira de habilitação e, como consequência, o sério risco de perder a licença para dirigir. Ela estaria até conformada se realmente tivesse cometido as infrações. O que acontece é que o carro dela, um Toyota Corolla, lhe foi tomado há quase um ano pelo motorista de um delegado, que se passa por policial civil.

Lúcia Helena acusa Lázaro José Barbosa Santos Silva, o Barbosinha, de ter ido em sua casa, em Lauro de Freitas, e levado o seu carro – ano 2006, modelo automático. Segundo ela, Lázaro se apresentou como policial civil da 23ª Delegacia (Lauro de Freitas), onde o delegado Antônio Cardoso dava plantão, e tomou-lhe o veículo, que tinha restrição por conta de uma dívida trabalhista. 

A aposentada disse que foi ameaçada pelo falso policial e o denunciou à Corregedoria da Polícia Civil no intuito também de que a investigação esclareça que as infrações de trânsito não foram cometidas por ela. Após contato do CORREIO, a Corregedoria informou que Lázaro não é policial civil e determinou apreensão do veículo e "demais providências cabíveis".

O CORREIO solicitou à Secretaria da Administração do Estado (Saeb) uma busca do quadro de funcionários e foi constatado que Lázaro nunca foi servidor estadual. Atualmente, ele é visto circulando nas dependências da 25ª Delegacia (Dias D'Ávila), onde Antônio Cardoso trabalha como plantonista duas vezes na semana. Foto: Evandro Veiga/CORREIO Joias Tudo começou quando Lúcia Helena prestou queixa de furto de algumas joias de família de dentro de sua casa, onde morava sozinha. Ela residia em Minas Gerais e há pouco mais de seis anos está na Bahia. No dia 18 de novembro de 2016 ela foi à 23ª Delegacia e acusou o ex-companheiro do crime.

Durante uma espécie de acareação, o acusado revelou que a aposentada tinha um Corolla, que estava com restrição referente a uma causa trabalhista em Minas Gerais, onde era sócia de empresa.

A aposentada disse que, durante todo o momento em que era interrogada por Antônio Cardoso, Lázaro estava na sala.“Pra mim ele era mais que o motorista do delegado, um policial da unidade, porque foi ele quem me levou à sala do delegado e ainda disse: ‘aguarde um pouco que o doutor já está vindo para ouvi-la’. Ele agia com tanta propriedade, de quem estava trabalhando, que nunca passou pela minha cabeça que ele não era lotado na unidade”, contou.Quando saía da delegacia, Lúcia foi abordada por Lázaro, que perguntou: “O carro da senhora está aí? A senhora está com o carro?”

Sem responder, a aposentada seguiu para o estacionamento, momento em que o motorista do delegado a seguiu e, logo depois, lhe disse que ela não podia ficar com o Corolla com restrição, que era melhor que o veículo ficasse com um policial - nesse caso, ele. “Eu vou entrar em contato com a senhora para a gente resolver”, disse ele, segundo Lúcia, antes de ela entrar no carro e seguir para casa.

Ameaças  Passados dez dias, Lúcia Helena disse que começou a receber ligações de Lázaro. “Foram várias ligações me colocando contra a parede em relação à situação do carro. Teve momentos, inclusive, que ele se propôs a pegar a pessoa que furtou [as joias] e dar um corretivo, que ela ia ficar um ano sem sair de casa. Ele me perguntou se isso me traria tranquilidade e eu disse que não, que não queria que batesse em ninguém. Disse que confiava na Justiça”, relatou Lúcia ao CORREIO. Diante da resposta, o falso policial ameaçou Lúcia Helena.

“Aí ele me disse: ‘isso pode acontecer com a senhora também. Alguém também pode dar um corretivo na senhora. Eu conheço essas pessoas e elas fazem quando é necessário fazer. E a senhora corre um grande risco de sair e passar por um corretivo desse’. Me senti muito ameaçada, pois ele sabia que eu morava sozinha”, relatou. Foto: Evandro Veiga/CORREIO Cheque No dia 20 de janeiro do ano passado, Lázaro foi à casa de Lúcia Helena. Ela disse que ele alegou que, como investigava o furto, precisava ver o local onde as joias eram guardadas.

“Quando vi, ele e outro homem que não conheço já estavam na porta de minha casa. A princípio, foi até o meu quarto onde as joias eram guardadas, fez algumas perguntas em relação ao roubo e depois ele pediu os documentos do carro e perguntou sobre a chave reserva e eu falei que não tinha. Depois ele pegou um talão de cheque e disse: ‘Quero que você preencha esse cheque pra mim’. Estava muito nervosa, tremendo muito. Preenchi o cheque de R$ 2.700 e ele disse: ‘esse cheque aqui é para depositar no dia 5 de fevereiro para ajudar a senhora a comprar outro carro’. E tomou meu carro e virou às costas”, contou a aposentada.

Mesmo após ter, segundo ela, tomado o carro, o falso policial continuou ligando para a aposentada, inclusive intimidando-a. “Ele insistia em me ligar. Queria saber como eu estava, se tinha viajado, se estava sozinha, se tinha comentado algo com alguém, até que ligou querendo uma procuração transferindo o meu carro para ele. Foi quando não aguentava mais e contei para um amigo, que me orientou a denunciá-lo à Corregedoria”, afirmou.

Corregedoria No dia 14 de novembro, Lúcia Helena esteve na Corregedoria, onde relatou todo o problema para a delegada Janete Borges Amado de Carvalho. Mas ela saiu da unidade desanimada. “Não senti firmeza na instituição. Fui algumas vezes lá, para saber como estava a investigação, afinal, temo pela minha vida, mas não obtinha respostas. A delegada não me atendia”, declarou.

A aflição da aposentada piorou. Isso porque quando foi ao Departamento de Trânsito de Minas Gerais para renovar sua carteira de habilitação, a surpresa.“Fiquei espantada. Minha CNH tinha 11 multas, que somam 48 pontos. Estou prestes a perder minha habilitação por multas que não cometi. E tem outro agravante: sei lá o que ele, Lázaro, pode estar fazendo com o carro... Temo também que eu possa responder por algo mais grave sem ter culpa alguma”, alegou.

Multas As multas foram emitidas no período de 29 de janeiro a 6 de outubro de 2017. São infrações como transitar em velocidade superior à máxima permitida, estacionar em esquina e a menos de cinco metros do alinhamento da via transversal e estacionar nas vagas reservadas as pessoas com deficiência sem credencial. Duas foram em Lauro de Freitas. As demais em Salvador.

“Preciso resolver isso. Não posso pagar por algo que não fiz. Vim em busca da imprensa porque não aguentava mais essa situação. Alguém precisa fazer alguma coisa”, declarou Lúcia Helena. Ela disse que não tinha esperança de recuperar o veículo e, à época, depositou o cheque de R$ 2.700, assinado por Lázaro.

“Dei como perdido, a partir do momento que ele pegou meu carro. Passaram 15 dias e não tinha mais perspectiva de reaver o veículo e, então, compensei o cheque. Mas estou disposta a devolver o dinheiro”, disse. Ela relatou ainda não ter mais informações sobre o inquérito que apura o roubo das joias, registrado na 23ª Delegacia.

Delegado titular demonstra surpresa ao saber de crime O CORREIO esteve duas vezes, este mês, na 25ª Delegacia (Dias D’Ávila) em busca de Lázaro e do delegado Antônio Cardoso. Ambas as tentativas - em dias de plantões do delegado - sem sucesso. Mas na mais recente, dia 16 – a primeira foi no dia 11 – o CORREIO conversou com o delegado titular da unidade, João Eça.

Ele confirmou que Lázaro frequenta a delegacia. “O delegado Antônio Cardoso disse que não dirige e, por isso, tem um motorista que o traz aqui, Lázaro, toda vez que tem que dar plantão”, afirmou.

Ao saber da denúncia feita à Corregedoria, João Eça mostrou-se surpreso.“Aqui, ele (Lázaro) não desempenha qualquer atividade policial, até porque não pode. Esse caso pra mim é novo. Manterei contato com a Corregedoria”, declarou.O CORREIO procurou a corregedora-chefe da Polícia Civil, delegada Kátia Brasil, que por meio da assessoria da Polícia Civil informou que um documento foi encaminhado no dia 16 à 25ª Delegacia recomendando ao delegado titular a apreensão do veículo a adoção das medidas legais que o caso requer. No entanto, nesta segunda-feira (22), o delegado João Eça informou que ainda não tinha recebido o documento.

A reportagem também procurou o titular da 23ª Delegacia (Lauro de Freitas), delegado Joelson Reis, para saber se ele tinha conhecimento da denúncia contra Lázaro e sobre o andamento do inquérito aberto sobre o furto das joias, mas ele encontra-se de férias. O suspeito não foi localizado para comentar a denúncia.

No dia 16, o delegado João Eça ficou de intermediar um contato entre a equipe do CORREIO e o delegado Antônio Cardoso e o seu motorista Lázaro. Nesta terça-feira (23), Eça informou que Antônio Cardoso entrou de férias e só retornará em fevereiro. "Já estavam programadas. Eu que não lembrei”, disse Eça. Com Antônio Cardoso de férias, mais uma vez não foi possível localizar Lázaro.