Aprenda a se proteger da epidemia nacional

Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 18 de novembro de 2017 às 14:45

- Atualizado há um ano

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Metade das mulheres mortas por agressões no Brasil, entre 2009 e 2014, foi assassinada dentro da própria casa". Leia isto e você vai ver que pensar em feminicídio como uma epidemia nacional não é exagero, viagem nem "papo de feminista". Leia outras coisas, pesquise na internet, olhe ao redor. Pense.

Sim, estamos diante de uma epidemia. E, como em todas as epidemias, há atitudes que precisam ser tomadas. Poder público precisa se manifestar, campanhas precisam sensibilizar a população, redes de apoio precisam funcionar. Sobretudo, cada mulher precisa saber como se proteger, individualmente, dessa praga. 

Não há vacina possível além de autoestima e do rompimento definitivo com o conceito de "feminino" ultrapassado que só nos vulnerabiliza. Não funcionou. A gente se deu mal. Estamos morrendo como moscas, de todas as maneiras. Simbolicamente, em relações tóxicas. Fisicamente, esganadas, esfaqueadas, espancadas todos os dias. Porque ainda obedecemos a uma hierarquia falida que nos diz que homens são "chefes de família". Mesmo que já seja sustentada por nós quase a metade de todas as famílias brasileiras. Acabou!

Morremos porque eles nos agridem e ainda reagimos com acolhimento e perdão. Porque "respeitamos" a mão que nos machuca. Porque ainda seguimos a cartilha de que "depende da mulher", de que "mulheres sabem como conduzir as coisas", de que "mulheres são fortes e conseguem suportar". Ainda temos vergonha do mal que eles nos fazem, numa perversa contradição.

Ainda achamos que parte da culpa é nossa. Ainda morremos porque eles nos matam (e, em algumas situações, matariam de qualquer maneira), mas também porque ainda não sabemos nos defender. Porque ainda vivemos imersas num conjunto de crenças que favorece a atuação dos nossos agressores.

Precisamos traduzir a teoria das universidades. Da mesma maneira que complexos estudos sobre mosquitos são traduzidos em "não deixe água parada, use repelente, instale mosquiteiros", precisamos saber o que fazer, em nossas relações pessoais. Quais são as medidas necessárias? Quando uma relação começa a ficar perigosa? Como devemos agir?Sobretudo, precisamos entender: somos alvo, estamos vulneráveis e precisamos reagir. Coletivamente. Individualmente. Em todos os âmbitos e espaços.

Nenhuma de nós gosta de apanhar. Nenhuma de nós quer virar estatística. Mas ainda são poucas as que conseguem identificar, na privacidade de uma relação, os primeiros indícios de violência, os sinais amarelos, as pistas que nos dizem: "vai dar merda". E pular fora. Isso, em todas as classes sociais e diferentes níveis educacionais. Apanhar de marido, dormir com o inimigo não é coisa de pobre e ignorante. Taí um preconceito que, como todos os outros, precisa acabar.

Não é preciso "suportar" nada. Não precisamos "aguentar" homem nenhum. Não é pra perdoar quem nos agride, quem nos fere, quem não faz questão de nos ver felizes. Não pode agredir uma única vez. Nem de leve. Nem um pouquinho. Em nenhuma situação. Tenho minha lista, minhas regras básicas e nenhum medo de ficar sozinha. Adoro viver. Ótimo, quando tenho um amor. Mas tô falando de AMOR e não de qualquer migalha jogada pra mim. Sozinha também é bom. Não se morre por estar solteira. Por estar mal casada, sim.

Com o tempo, aprendi a parar antes. A farejar violência no ar. O cara que tentou me bater, me contou que batia no próprio cachorro, trancado no banheiro, quando era criança. Hoje em dia, essa seria a nossa última conversa. Um maluco desse, quem quer? Um dia, a "cachorra" seria eu. Ele tentou, claro. O óbvio que, aos vinte e poucos anos eu não soube ver. Mas o tempo passou, felizmente, e a gente aprende a se proteger (ou deveria) dessa imensa ameaça disfarçada de dengo, carinho e parceria.

Portanto, minha amiga, esqueça o romantismo tolo se quiser continuar a viver. Abra os olhos. Tome providências, mande pastar. Grite alto, procure ajuda. Aprenda a se mandar ANTES do primeiro tapa, mesmo que o mundo diga que você precisa de um homem, que sozinha será pior. É mentira, saiba. Não precisamos mais.

Todo mundo é "qualquer um" até que prove ser merecedor de passar da salinha de visita. E todo dia precisa provar que merece a nossa intimidade. Amor não machuca ninguém. Machismo mata. Machismo mata. Machismo MATA. Entendeu? Na prática, vou te contar como é pra mim:

1. Levantou a voz? Acabou. (Ninguém pode gritar comigo)

2. Bebeu e ficou nervosinho? Acabou. (Um dia, sobra pra mim)

3. Fez cena de ciúmes? Acabou. (Não sou propriedade de ninguém) 4. Deu uma de dono/chefe cagando regra? Acabou. (Não há hierarquia no amor) 5. Bateu pezinho pra transar comigo como se fosse um "direito" dele? Acabou. (O corpo é meu) 6. Foi violento com outra pessoa e eu fiquei sabendo? Acabou. (Não serei exceção, mas a próxima, se insistir) 7. Resolveu patrulhar minha roupa e comportamento? Acabou. (Não curtiu? Vá embora) 8. Entrou em competição com meu filho? Acabou. (Sou mãe do meu filho e de marmanjo nenhum) 9. Desrespeitou, de qualquer forma, a FAMÍLIA que eu e meu filho somos? Acabou. (Chegue manso ou não precisa vir) 10. Começou qualquer frase com "mulher minha" para determinar comportamentos admitidos ou não? Acabou. (Não sou "mulher de" ninguém)

(Complete a lista com a sua experiência, passe adiante, converse com mulheres) E nem precisa explicar os motivos. E vale terminar por telefone, pra não se expor. E vale terminar por qualquer aplicativo de comunicação instantânea, pelo mesmo motivo. Não precisa nem encontrar. Avise aos amigos, fale sobre seus motivos, não precisa ser discreta. Visibilidade protege! VOCÊ FOI DESRESPEITADA e não deve qualquer satisfação.

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