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Apresentação no Campo Grande marca abertura do Filte


 

Peça baseada em texto de Hilda Hilst marcou abertura do Festival Latinoamericano de Teatro, que vai até 6 de setembro em Salvador

  • Roberto Midlej

Publicado em 29/08/2017 às 06:10:00
Atualizado em 17/04/2023 às 16:12:06
. Crédito: Fotos: Arisson Marinho

Alunos da Universidade Livre de Teatro apresentaram Auto da Barca de Camiri, de Hilda Hilst O teatro foi ao encontro do povo ontem à tarde, no Campo Grande. A apresentação da peça Auto da Barca de Camiri, que marcou a abertura do Festival Latinoamericano de Teatro (FilteBahia), reuniu cerca de 200 pessoas na plateia.

Alguns chegaram mais cedo e se sentaram nos bancos da praça, enquanto outros preferiram acomodar-se muito à vontade, no chão mesmo.

O músico Francisco Gui, 24 anos, estava passeando e resolveu assitir à montagem baseada no texto de Hilda Hilst (1930-2004), encenada pelos alunos da Universidade Livre do Teatro Vila Velha.

“Moro na Federação e estava de passagem por aqui. Aí, vi o cenário montado, me chamou a atenção e resolvi esperar para assistir. Este contato com o teatro é muito importante, porque muita gente não está acostumada, às vezes não pode pagar o ingresso. E a arte é muito importante para estimular o pensamento”, diz o músico natural de São Gabriel, cidade da região de Irecê, no interior da Bahia.

O Auto da Barca de Camiri foi escrito em 1968, durante a ditadura militar e foi um dos poucos textos de Hilda Hilst escritos para o teatro. A montagem voltará a ser apresentada hoje e amanhã na Praça do Campo Grande, às 17h. 

Veja a programação do Filte

Pouco antes, às 16h, os mesmo artistas que integram o elenco  apresentam um ato poético ao redor da Praça, também com textos de Hilda Hilst. Nos dias 4, 5 e 6 de setembro, a montagem será encenada no Passeio Público.

Na peça, dois juízes da capital chegam a uma cidade do interior para a elaboração do auto de um processo investigativo sobre um misterioso homem que muitos declaram ter poderes milagrosos.

Para isso, recebem testemunhas que se dividem: enquanto algumas asseguram ter presenciado milagres realizados pelo tal homem, outros, céticos, duvidam dos seus poderes. A criação da peça foi, segundo a própria Hilst, inspirada na morte do revolucionário  Che Guevara (1928-1967). Camiri é uma cidade da Bolívia, país onde Guevara foi morto por tropas locais.

Direção A direção da montagem é dividida entre Erick Saboya e Vinicius Bustani, ambos de 30 anos. Erick é cenógrafo e já fez alguns trabalhos para a Universidade Livre, grupo teatral nascido no Teatro Vila Velha. Vinicius é ex-aluno da Universidade Livre e, como Erick, está estreando na direção.

“Erick havia me falado sobre o desejo dele de dirigir uma peça. Pedi a ele que buscasse um texto e fizesse como eu, que aprendi a fazer teatro fazendo mesmo”, diz Marcio Meirelles, que é diretor da Universidade Livre, criada por ele em 2013.

O texto de Hilda Hilst foi apresentado a Erick por Edson Migracielo, estudioso da escritora. “O texto me chamou muito a atenção porque está muito ligado a esse momento do Brasil, em que o Judiciário norteia as decisões do país. Além disso, há um diálogo entre um juiz jovem e um juiz velho e isso representa o nosso sistema judiciário enferrujado. Mas o jovem, que teoricamente teria uma postura de mudar e avançar, acaba se corrompendo”, diz Erick.

Erick observa que Hilda escreveu todas suas peças apenas no fim da década de 1960, durante a ditadura militar: “Ela saiu de São Paulo e foi para um resguardo (em Campinas), onde passou três anos escrevendo peças e depois, nunca mais fez. E o teatro dela é muito político”.

A escolha de apresentar O Auto da Barca de Camiri ao ar livre não aconteceu por acaso, segundo o codiretor: “Ir para a rua é uma decisão política também. O teatro vive uma crise em Salvador e temos este desafio de levar as pessoas ao teatro. Precisamos convencer as pessoas que aquilo que fazemos é interessante e merece a atenção dele”. 

No fim da montagem, por volta de 18h, foi a vez de passar o chapéu, literalmente, para recolher o merecido cachê. “Nós não temos patrocinadores e lembramos que, sem público, não há teatro. Vocês devem ser nossos patrocinadores” disse um dos atores, num megafone, logo após a apresentação. “Quanto valeu esse espetáculo?”, perguntou mais alguém do elenco.

Para Erick, ocupar as ruas faz parte da essência do espetáculo e, por isso, O Auto da Barca de Camiri não deve ser apresentado nas salas tradicionais. Marcio Meirelles observa que a apresentação nas ruas é uma forma de homenagear a história do Vila Velha, já que no final da década de 1970 aquele teatro multiplicou-se em diversos núcleos.  Um daqueles grupos era o de teatro de rua, que tinha o ator Bemvindo Siqueira entre seus integrantes. “Aquele núcleo foi importante porque pegou o cordel e levou para as ruas da cidade”, lembra Marcio.