Área de 5 milhões de m² é invadida em Arembepe; donos apontam ameaças

Basta se aproximar um pouco para ver que várias pessoas trabalham nas áreas

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  • Da Redação

Publicado em 26 de novembro de 2016 às 07:48

- Atualizado há um ano

“Acelera! Acelera! Mete o pé!”. Era o desespero de uma equipe de reportagem em fuga. Na semana passada, o carro do CORREIO, um Fiat Palio 1.0, foi perseguido por uma caminhonete Ford Ranger branca quando deixava a localidade de Arembepe, em Camaçari. A denúncia era de que “invasores perigosos” estariam loteando terrenos no Litoral Norte. Após apuração e flagrantes fotográficos, não só se confirmou a denúncia das invasões como também a periculosidade dos forasteiros. O carro da reportagem foi “escoltado” de forma ameaçadora na BA-099 até as proximidades do pedágio.Tudo porque, em plena Área de Preservação Ambiental (APA) do Rio Capivara, no limite entre Arembepe e Barra do Jacuípe, o CORREIO registrou um cenário devastador. Desde o final do primeiro semestre, boa parte de uma área de 5 milhões de m² (equivalente a 500 campos de futebol) foi invadida. Fontes ligadas à prefeitura de Camaçari apontam que 2 mil pessoas ocupam as terras – a maioria delas faria parte de uma associação falsa, forjada pelos líderes das invasões e criada para atrair interessados nas terras. Uma das placas colocadas em terreno com nome de invasor (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Além dos lotes improvisados com cercas de arame farpado, fitas e estacas, o que se vê é o desmatamento, em muitos casos através de queimadas, de uma imensa área protegida por leis ambientais. Da beira da pista, em frente à Estrada da Cetrel, próximo ao emissário submarino, é possível enxergar ao longe os carrões no meio do nada, dentro dos terrenos.Basta se aproximar um pouco para ver que várias pessoas trabalham nas áreas. Em alguns dos lotes, chama a atenção as placas improvisadas fincadas no chão com os nomes que seriam dos proprietários, mas na verdade são invasores. “Edson. Não entrar”, avisa uma delas. “Barros”, indica outra. “Elias”, avisa uma ao lado. A APA tem, ao todo, 18 milhões de m². Ameaças de morte Muitos invasores se reúnem com seus carros em um ponto na beira da pista, onde isopor com bebidas e churrasquinhos garante o lanche. Quem tenta dificultar a ação dos invasores acaba correndo risco. “Fui ameaçado de morte três vezes. Cercaram nosso carro com foices e facões. Mesmo com as escrituras em mãos, eles não aceitam aproximação”, diz Mário Araújo, representante de um dos quatro proprietários das terras, um pedaço que chega a quase um milhão de m². “Pior que as invasões não são de sem-terra. São de gente sem vergonha mesmo. O que está acontecendo ali é um crime sem precedentes”, define. Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIOTambém proprietária de uma terra de um milhão de metros quadrados, herdada do seu bisavô, a funcionária pública Eliene Cunha está inconformada. “São pessoas com poder aquisitivo que querem fazer suas casas de praia na marra, no terreno dos outros. Para realizar um sonho eu não posso acabar com o sonho dos outros”, afirma ela, que é nativa da região.FiscalizaçãoA prefeitura de Camaçari está ciente do problema, mas tem dificuldade para combatê-lo. “Ali são invasões de ‘colarinho branco’. É gente endinheirada que paga outras pessoas para fazer queimadas e lotear a área. Você vê que só tem os carrões, né? O Litoral Norte está em pânico”, afirma o secretário de Desenvolvimento Urbano de Camaçari, Djalma Machado. “Tem muitas invasões com esse mesmo perfil. Tentamos monitorar, mas é complicado. A situação está insustentável”.O Ministério Público do Estado  (MP) enxerga três crimes sendo cometidos: formação de quadrilha, crime ambiental com desmatamento e loteamento de área de preservação. Ainda conforme o MP, há pelo menos 40 invasões em Camaçari, a maioria delas em terrenos valorizados, em áreas que são alvo de forte especulação imobiliária. “Ali é mais uma das invasões que Camaçari e o Litoral Norte sofrem. Camaçari hoje tem cerca de 40 invasões em andamento. São muitas áreas valorizadas sofrendo com a especulação imobiliária. Não só a especulação de empresários e construtoras, mas também a especulação clandestina”, confirma Luciano Pitta, promotor do Meio Ambiente e Urbanismo.Invasão com piscinaDentro de Arembepe, próximo à Aldeia Hippie, está uma dessas invasões, porém, num estágio mais avançado. Na localidade de Sangradouro, dezenas de casas em construção mostram que os terrenos estão tomados. Muitos continuam a ser demarcados e outros já têm imóveis construídos, inclusive casas de praia com piscinas. Tudo em Área de Proteção Permanente (APP). “Isso é um crime ambiental sem precedentes”, diz um ambientalista da região, com medo.  Isso porque, tanto no Sangradouro quanto às margens da BA-093, as pessoas são unânimes em dizer que os invasores são perigosos e apontam a participação de policiais. “Tem polícia ali. Se valem disso para intimidar. Se eu fosse você, nem chegava perto”, alertou um morador. “Comentam que têm policiais. O fato é que tem gente grande no meio”, diz Mário Araújo, um dos proprietários.Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIOSituação está descontrolada, diz prefeitura; MP criticaCiente da situação, a prefeitura admite não ter condições de, sozinha, combater e remover as invasões. A assessoria da prefeitura afirma que 15 forças-tarefas já foram realizadas para expulsar os invasores, mas eles deixam o local em um dia e voltam no seguinte. “Precisamos que a Polícia Militar e a Justiça entrem forte conosco nisso. Fizemos um relatório com o Ministério Público. Informamos para todos os órgãos estaduais ligados ao meio ambiente, à Casa Civil, à Casa Militar, ao juiz da Fazenda Pública de Camaçari”, enumera o secretário de Desenvolvimento Urbano, Djalma Machado.

Já o promotor critica a “inércia” da prefeitura e dos donos das terras. “A prefeitura está jogando a toalha? O que eu enxergo aí é uma inércia da prefeitura e dos proprietários. Recomendei à prefeitura que faça a desocupação. O interesse de um grupo não pode estar acima da lei. Senão é anarquia”, afirma Luciano Pitta, que ameaça acionar os proprietários e o poder público.

“O curioso é que não se trata de gente necessitada. São invasões clandestinas orquestradas, que têm o objetivo claro do proveito econômico. Uma área de muita valorização”, analisa o promotor. “Se eles estão partindo para o enfrentamento, eles têm que ser enfrentados”, sugere.

Além de tudo, a área invadida é particular. A maior parte dos 5 milhões de m² pertence a quatro grupos de empresários dispostos a investir na região. O MP disse que ainda tenta localizar os proprietários das terras para que expliquem por que não protegem os terrenos. O único dono que o MP localizou foi a Liz Construções. “Notifiquei e eles não compareceram”, comentou.

Nenhum invasor foi ouvido. Até porque o CORREIO foi desaconselhado por moradores e até por autoridades a entrar nas terras e interpelá-los. Ao que parece, os conselhos estavam certos. Tanto que, na única vez que o fotógrafo do CORREIO saiu do carro para fazer um flagrante, a caminhonete branca passou a perseguir o carro do jornal. O que restou foi acelerar e deixar o local.