Barbeiro e amigos distribuem 500 cestas básicas em Canabrava

Morador do bairro, que passou fome na infância, promove ação no Natal há 12 anos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 25 de dezembro de 2017 às 17:20

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Betto Jr./CORREIO

Faz 12 anos que o barbeiro Cosme Filho Cardoso, 40 anos, decidiu pensar no que poderia fazer para ajudar alguns de seus vizinhos, moradores do final de linha do bairro de Canabrava, comunidade pobre de Salvador, a colocar comida na mesa. Foi quando ele teve a ideia de reunir os amigos e pedir doações de alimentos não perecíveis para distribuir na vizinhança durante o Natal. 

O grupo, que começou com a doação de cinco cestas básicas, na manhã desta segunda-feira (25), fez a alegria de centenas de famílias. Ao todo, 500 cestas básicas foram distribuídas por Cosme e outros 30 voluntários do Grupo Natal Sem Fome, sendo todos moradores de Canabrava. A entrega dos alimentos começou às 8h e só terminou por volta de 13h. Além de comida, também teve roupas e brinquedos para as crianças da comunidade.  O barbeiro Cosme Filho Cardoso, 40, que comanda o Natal Sem Fome em Canabrava (Foto: Betto Jr./CORREIO) Heroísmo Mais velho de cinco irmãos, Cosme contou que a infância difícil fez com que ele, que sobrevive apenas do que ganha em sua barbearia, se articulasse para ajudar aquelas famílias."Para mim, é a maior gratidão do mundo. Porque, no final das contas, é como se fôssemos todos da mesma família. Quando eu vejo essas crianças, muitas delas sem ter o que comer, é como se eu me visse quando criança. Solidariedade é importante", relata o barbeiro, que nasceu e se criou no bairro.O que, para Cosme, é apenas um ato de solidariedade, para a dona de casa Maria de Lourdes é um ato de heroísmo. "Cosme é um ser iluminado. Ele é um rapaz simples, trabalhador, mas que ajuda muito a gente. Não fosse essa cesta, eu nem sei o que seria de mim", disse ela ao CORREIO.

Mãe de cinco filhos, sendo duas meninas e três meninos - de 9, 16, 18, 20 e 21 anos -, a dona de casa sobrevive com uma renda mensal de R$ 150, que consegue com o trabalho de catadora de materiais recicláveis.

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Sem pensar duas vezes, Maria afirma que a principal dificuldade para uma mãe de família é colocar comida na mesa. "É muito duro ver um filho com fome. Não tem nada mais difícil que isso. Esse tipo de ajuda é muito bem vinda, ajuda demais, porque a gente quando não tem um emprego fixo, não tem o que esperar e de onde tirar. Meu ex-marido nunca pagou pensão", contou ela, que se separou do pai de seus filhos há 21 anos.

Assim como Maria, a dona de casa Carine dos Santos Lima, 33, vivencia a mesma dificuldade. Ela, que é mãe de seis filhos, que têm idade entre 3 e 16 anos, relata que a situação piorou muito depois que se separou do pai das crianças, há quatro anos. "Me viro de todos os jeitos. Corro de um lado, corro do outro, vendo cachorro-quente, vendo fruta, faço qualquer correria para colocar comida na mesa, mas acontece de não conseguir", confessa.

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Segundo Carine, que foi beneficiada com as cestas desde a primeira edição do Natal Sem Fome, a doação sempre vem na melhor hora. "Alguns têm tanto, outros não têm nada. É um alívio quando vai se aproximando a data, porque todo mundo já espera. Só temos a agradecer a ele [Cosme] e toda equipe", comenta. Assim como a mãe, quem também esbanjou felicidade foi o pequeno Miguel, filho da dona de casa, ao ganhar uma bola de presente. 

Mãe do pequeno Denilson, de 1 ano e 10 meses, a dona de casa Léa Santos Santana, 25, confessa que não escolhe comida para alimentar o filho."Ele come tudo. O que eu comer, ele também come. Pior é ficar com fome. Essa cesta é uma bênção em nossas vidas, de verdade", relatou Léa. E completou: "comer é uma dificuldade muito grande, porque todas as outras coisas esperam - as contas esperam -, mas comer não espera. A gente come todos os dias". Léa ganha R$ 150 do programa Bolsa Família - dinheiro que usa para sustentar a casa. "Meu marido é catador de latinha, mas ele não sai todos os dias. Quando vai, vem com R$ 50, R$ 60. Quando não vai, a gente pede a Deus", conta ela, que recebeu a cesta básica pela segunda vez. 

Sem saber ler nem escrever, a dona de casa Cristiane Pereira, 39, contou que nunca trabalhou e, por isso, passa por tantas dificuldades. Mãe de cinco filhos, ela comentou sobre os desafios de criar a meninada com pouca renda."Muito, muito difícil mesmo. Eu não sei ler, não tive a oportunidade de estudar e, hoje, tenho medo de não conseguir oferecer isso a meus filhos. Mas o alimento é a prioridade todos os dias, não tem jeito", afirma ela.Cristiane recebe cerca de R$ 630 por mês, sendo R$ 300 de pensão alimentícia e R$ 330 do Bolsa Família. "A gente acaba se apegando a Deus. E pedindo a ele que continue iluminando pessoas boas como Cosme, que a ajuda tanta gente que precisa".

Arrecadações Com toda boa intenção, Cosme admite, porém, que a arrecadação é um processo longo e que requer planejamento e dedicação de toda a equipe. "Desde fevereiro eu já começo a falar com meus clientes, pedir mesmo, porque sei que todos acabam participando. Mas a arrecadação, em si, eu só começo a fazer em outubro. E aí, em seguida, vem a montagem das cestas, pois são 12 itens, entre feijão, arroz, açúcar, enfim, o grosso do mercado", conta ele.

"Não precisa de muito. Ver essas crianças felizes, para mim, é a maior recompensa do mundo", pontua o barbeiro, que é pai de duas filhas, de 5 e 22 anos. Cosme costuma acompanhar toda a distribuição de cestas, brinquedos e roupas que, religiosamente - em todo Natal - movimenta a Rua dos Azulões.