Blitz no mar: Marinha tem média de 15 militares para fiscalizar 20 mil embarcações

Os números são referentes ao trecho entre Camamu, no Sul do estado, e Mangue Seco, no Nordeste baiano

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  • Thais Borges

Publicado em 13 de setembro de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: SSP/Divulgação

Imagine uma blitz no mar. A diferença é que, em vez de carros, motos ou ônibus, são usados lanchas, navios e jet-skis. No lugar de órgãos de trânsito, militares da Marinha do Brasil. É o que acontece diariamente em águas brasileiras, só que num universo muito grande: para fiscalizar os 20 mil veículos aquáticos registrados por aqui, em média, apenas 15 militares se deslocam por uma costa de quase 500 quilômetros de extensão.

Entre Camamu, no Sul, e Mangue Seco, na cidade de Jandaíra, no Nordeste do estado, são 20.803 veículos aquáticos inscritos no Comando do 2º Distrito Naval. Os militares – entre os cerca de 200 que atuam na região – dividem-se em duas ou três equipes e, de acordo com a própria Capitania dos Portos, nos últimos dois anos, realizaram, em média, 36 abordagens diárias.

“Nós fiscalizamos, mas não somos onipresentes e oniscientes. Não temos como ter 20 mil militares nas 20 mil embarcações da Baía de Todos os Santos (BTS). É preciso que os civis prestem as queixas dentro das competências de cada autoridade”, afirmou o capitão-de-fragata Flávio Almeida, chefe da assessoria do Comando do 2º Distrito Naval, em entrevista exclusiva ao CORREIO.

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Em caso de emergência ou mesmo de uma denúncia, a Marinha pode ser contatada através do número 3507-7777 ou através do número 185 - os dois canais funcionam 24 horas por dia. "Se não houver coletes ou o local onde os coletes ficam estiver trancado, por exemplo, e a Capitania dos Portos receber a denúncia, a embarcação será punida". Ele reforça, ainda, que a responsabilidade de navegação é dos condutores da embarcação - é como nos casos em que a Capitania dos Portos emite avisos de mau tempo. 

Além dos militares, a Capitania tem cinco vistoriadores navais e há nove fiscais da Agerba, agência do governo do estado responsável por fiscalizar a travessia de Salvador para Mar Grande, Itaparica e Morro de São Paulo.

Foi por uma dessas abordagens de militares que a lancha Cavalo Marinho I passou, sem problemas, no dia 20 de agosto. Quatro dias depois, um acidente com o barco deixou pelo menos 19 pessoas mortas. Ontem, familiares das vítimas se reuniram em uma audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia.

Só este ano, a lancha passou por 32 inspeções. Uma vistoria tinha sido feita em abril pela Marinha, que observou rádio, buzina e motores.

A próxima seria em outubro e deveria observar o casco - a estrutura da embarcação. Antes disso, o casco havia sido vistoriado  em janeiro de 2016. Procurada pelo CORREIO, a assessoria da CL Transportes Marítimos, dona da Cavalo Marinho I, reforçou que, em 20 de agosto, última vistoria, nada foi apontado.

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Notificação “Acidentes acontecem inclusive com veículos que têm tudo em dia, é como na estrada. Um acidente não quer dizer que a embarcação estava com tudo errado”, disse o comandante Almeida. 

Nessas inspeções, é preciso observar se a embarcação está com a documentação em dia, se os tripulantes são habilitados à navegação e se não há excesso de passageiros. Em 2016, de acordo com a Capitania dos Portos, a Cavalo Marinho I recebeu uma notificação depois de um problema numa inspeção.“Na época (ano passado), a Cavalo Marinho foi notificada por falha no preenchimento do rol de equipagem que é o que registra quem são os tripulantes da embarcação”, explicou o comandante. Apreensões  Há uma equipe específica que promove as vistorias – que podem ser tanto de equipamentos quanto do casco. Se a embarcação não estiver com tudo em dia, deve ser apreendida. Até o fim de agosto, foram 32 apreensões. A maioria de jet-skis, segundo o comandante Almeida, devido à falta de habilitação de condutores.

Em todo o ano passado, foram 46 apreensões. Ao todo, este ano, 606 embarcações foram notificadas por não cumprir alguma das obrigações. Ele destaca, ainda, que a fiscalização da Marinha não é sobre o serviço prestado, nem sobre os terminais marítimos. A Marinha analisa a segurança da navegação em geral.

“Obviamente, temos uma atenção especial com o transporte de passageiros, mas a responsabilidade é de fiscalizar a segurança como um todo”, disse Almeida.

Coletes Por falar em segurança, um dos procedimentos comuns em viagens aéreas é a demonstração de como usar equipamentos de segurança em caso de emergência. Mas, nas embarcações marítimas, isso é raro, embora a instrução seja obrigatória antes de todas as travessias, segundo o Comando do 2º Distrito Naval.

Se a empresa não cumprir com a determinação, pode ser notificada e pagar uma multa de até R$ 4,2 mil. A empresa CL Transporte Marítimo disse que não foi informada pela Marinha dessa determinação. Já o presidente da Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), Jacinto Chagas, disse que a demonstração é feita.“É para fazer (a demonstração de como usar o colete). Se elas não fazem, é para fazer. A norma prevê isso aí, tanto é que existe um vídeo da própria Marinha para as embarcações que têm televisão”, afirma Jacinto.A contadora Carolina Calado, 30, no entanto, ficou supresa quando entrou nesta terça na lancha Catarina Paraguaçu. “Eu achei que eles iam nos orientar a colocar o colete, mas isso não aconteceu em nenhum momento”, contou. Questionado novamente, Chagas disse que vai verificar o motivo da falta de orientação.

Laudo Quando uma embarcação é registrada na Capitania dos Portos, o certificado de segurança de navegação deve ser assinado por um engenheiro naval registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA).

No caso da Cavalo Marinho I, a nota de responsabilidade técnica tem pelo menos 40 anos – o que coincide com a idade da embarcação, de 1973. Segundo a Agerba, não há limite para a idade das embarcações na travessia. De acordo com a assessoria do Crea, a entidade não tem o documento e não dá para saber quem foi o engenheiro na época.

*Colaboraram Milena Teixeira e Júlia Vigné