Carnaval X Obras

Nelson Cadena é publicitário e jornalista

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  • Nelson Cadena

Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A construção da Avenida Sete e a ampliação da Rua Chile, no período entre 1913 e 1916, trouxe duas consequências para o Carnaval da Bahia: a primeira, o malestar de alguns blocos e cordões que inconformados com as obras solicitavam do poder público celeridade na remoção de pedras, areia, entulho para não atrapalhar os desfiles; a segunda a criação de um bloco carnavalesco denominado “Os Remodeladores da Cidade” que como o nome sugere desfilava com um tema-enredo focado em críticas maliciosas em torno das obras. Tema, este, de grande aceitação popular, diante do empenho de setores da mídia em desqualificar o esforço de J.J Seabra em modernizar a cidade.

Em 04/02/1914 a Gazeta de Noticias publicou uma carta assinada por um grupo de carnavalescos com o seguinte teor: “Nos, os amantes do Carnaval, vimos pedir a V. Sa a fineza de intervirem junto ao ilustríssimo senhor, Dr. Álvaro Pereira Barbosa, sócio da respeitável firma Lafayette & Cia, para que este digno cavaleiro que se acha atualmente tão identificado com o povo baiano, empregue os meios de terminar a demolição da igreja de São Pedro e dos prédios circunvizinhos, remova toda a caliça e prepare o terreno do melhor modo possível, ainda mesmo sem asfaltá-lo, contanto que fique o espaço desimpedido para que posamos ver posto ali um coreto com música e podermos também dar as nossas pernadas à vontade”. O ofício prosseguia solicitando providências da Companhia Telefônica e da Light para a retirada dos fios.

A carta serviu como desabafo, mas não funcionou como mecanismo de pressão por uma razão muito simples: o trecho de São Pedro foi um dos mais complicados de concluir de todo o projeto da Avenida Sete. A remoção da igreja resultou numa cratera e os engenheiros quebraram a cabeça por alguns meses até encontrar uma solução para preencher o buraco. Criaram duas pracinhas, ou jardins, acima do nível do aterro realizado, para no local serem instalados um relógio público francês e a estátua do Barão do Rio Branco. Essas duas praças ficaram prontas em meados de 1915 sem os equipamentos previstos, o relógio seria inaugurado no ano seguinte e o monumento somente em 1919. Nenhum espaço ficou para o coreto sugerido pelos amantes do Carnaval. 

O empecilho das obras na cidade não impediu os blocos de desfilarem e se não houve o coreto de São Pedro, outros foram montados na cidade e além da rua várias pensões requereram da polícia autorização para realizarem bailes de mascarados a exemplo dos já tradicionais do Teatro São João e do Politeama. Nos salões o popular maxixe, ritmo da moda, corria solto e nas ruas as pranchas de bonde, carrocerias do veículo enfeitadas com flores e portando uma banda em cima, e entre 50 a 60 foliões, faziam grande sucesso pela sua característica de camarotes sobre trilhos. Na prática eram espaços de exclusividade, assim como os corsos (desfile de carros ornamentados com foliões jogando serpentinas e esguichos de lança-perfume).

O público que brincava na rua aguardava com expectativa o desfile de pranchas e corsos, mas, em especial a passagem dos préstitos do Cruz Vermelha, Inocentes em Progresso e Fantoches da Euterpe. Divertia-se também com as agremiações de menor porte, marcadas pela irreverência, dentre outras daquela época, como “As Baratas em Progresso”, da Mouraria, composto exclusivamente por uma centena de mulheres; “As Fumecas” formado por acadêmicos e caixeiros; “O Pessoal da Encrenca” dos rapazes do Bonfim; “União das Cozinheiras” do Garcia e o já referido aqui “Os Remodeladores da Cidade” com seus carros de críticas alusivos às obras de revitalização do centro. 

*Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras