Clarisse Linke: ‘As cidades precisam ser repensadas a partir de uma escala mais humana’

No Agenda Bahia 2017, especialista vai mostrar como recriar cidades mais compactas e humanizadas

  • Foto do(a) author(a) Andreia Santana
  • Andreia Santana

Publicado em 28 de agosto de 2017 às 00:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

A diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Clarisse Linke, vai apresentar o tema A mobilidade e o futuro das cidades, durante a programação matutina do seminário Cidades, no Fórum Agenda Bahia 2017. A conferência é aberta ao público e acontece nesta quarta-feira, dia 30, no auditório da Fieb (Federação das Indústrias da Bahia). Para participar, as inscrições são feitas no site: www.correio24horas.com.br/agendabahia.

Antes de desembarcar em Salvador, a especialista conversou com o CORREIO, via e-mail, direto da Dinamarca, para onde viajou no começo deste mês. Ela foi participar de um laboratório de inovação. Nesta entrevista, falou sobre mobilidade urbana, cidades mais verdes e humanizadas e DOTS – Desenvolvimento Orientado para o Transporte Sustentável. Também explicou sobre seu laboratório no país nórdico, considerado um dos mais sustentáveis do mundo, e citou exemplos de como criar projetos nos centros urbanos que impactem de forma positiva na vida dos cidadãos e no meio ambiente. 

O sonho dela é ter cidades brasileiras orientadas pelo transporte e com um sistema intermodal. Com esse conceito, os bairros teriam emprego, educação e diversão, evitando grandes deslocamentos e recuperando a relação do morador com o espaço público, devolvendo ao cidadão um sentimento de bem-estar com o lugar onde ele vive.

Clarisse Linke é mestre em Políticas Sociais, Ongs e Desenvolvimento, pela London School of Economics and Political Sciente; e pós-graduada em Terceiro Setor, pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2001, trabalha com planejamento e implementação de políticas e programas sociais no Brasil, Moçambique e Namíbia. 

O Fórum Agenda Bahia 2017 é uma realização do CORREIO, com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; patrocínio da Coelba e da Odebrecht; e apoio da Revita.

Confira a entrevista:

No seminário Cidades você vai falar sobre mobilidade e o futuro das cidades. Do ponto de vista da mobilidade, qual seria a cidade ideal?

Uma cidade com desenvolvimento urbano compacto, denso, com uso misto do solo. Caminhável, ciclável, com transporte público de qualidade. Onde temos acesso a trabalho, moradia, lazer sem ter que fazer deslocamentos de longa distância. Com espaços públicos verdes e de qualidade. Uma cidade onde não precisemos nos preocupar com a qualidade do ar, da água, da comida. Uma cidade que respeita pessoas de diferentes idades, raças, renda, gênero...


Como é possível criar centros urbanos mais acolhedoras para os moradores já que essas áreas não param de crescer?

O crescimento dos centros urbanos vem acompanhado de uma deterioração do espaço público, da comida, da água, do ar. É fundamental entendermos onde está a origem destes problemas. Uma delas está no aumento contínuo da taxa de motorização - o veículo motorizado particular se tornando a principal escolha de transporte para a população. Precisamos mudar este foco, diminuir o espaço dedicado ao carro, rever a distribuição do viário (um dos mais importantes ativos das cidades) com outros modos - o transporte público coletivo, a bicicleta, a mobilidade a pé. As cidades precisam ser repensadas a partir de uma escala mais humana - com velocidades mais baixas, com mais espaços verdes, com infraestruturas adaptadas às mudanças climáticas. É possível ter cidades densas com boa qualidade urbana, Barcelona é um bom exemplo disso.
 
De que forma o DOTS impacta positivamente na qualidade de vida de quem vive em grandes centros urbanos?   DOTS é um conceito que promove o desenvolvimento mais humanizado das cidades, que possa estimular a mobilidade sustentável e prover maior equidade social no acesso às oportunidades urbanas. Além da infraestrutura voltada ao transporte sustentável (ativo ou coletivo) de qualidade, é importante estimular o desenvolvimento urbano compacto, orientado pela oferta de transporte coletivo, com a distribuição mais equilibrada das oportunidades urbanas no território e a mistura de atividades complementares (habitação, comércio e serviços, por exemplo) no interior dos bairros. Estas medidas podem reduzir a necessidade de grandes deslocamentos pendulares diários pela população, facilitar o acesso às oportunidades urbanas (emprego e educação, por exemplo) e aumentar a adesão ao transporte sustentável, o que gera impactos positivos do ponto de vista ambiental, econômico e social para as cidades e regiões metropolitanas. 
A Dinamarca é um dos países mais sustentáveis do mundo e você está no país para fazer um laboratório. Sobre o que é o encontro?

Estou aqui em um laboratório de inovação chamado Unleash Lab 2017, que está discutindo soluções inovadoras para conseguirmos atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Eu faço parte do grupo de sustentabilidade urbana, mais especificamente com foco em mobilidade. Estamos destrinchando o objetivo 11, de cidades, e pensando a partir daí nas soluções necessárias. São 1.000 participantes de 129 países, a maior parte jovens. Claro que a Dinamarca oferece inspirações fantásticas, temos feito visitas de campo para aprender com os processos em andamento aqui. 
 
Pode enumerar experiências positivas alinhadas com o DOTS que já existam em cidades brasileiras? 

Alguns dos principais exemplos no mundo de políticas urbanas conceitualmente alinhadas aos princípios de DOTS estão presentes no Brasil. Curitiba-PR, na região sul do país, ainda hoje é reconhecida internacionalmente pela implementação na década de 1970, sob a liderança do então prefeito Jaime Lerner, de uma política urbana que buscou de forma pioneira orientar o desenvolvimento da cidade pela localização da rede de transporte público. Mais recentemente, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo-SP (2014), premiado em 2016 pela ONU-Habitat, é um exemplo de boas práticas na integração de agendas setoriais no marco regulatório da política urbana municipal, sendo este bastante alinhado aos princípios de DOTS.

E o que de mais urgente ainda é preciso modificar?

Apesar dos avanços conceituais no contexto brasileiro relacionados aos exemplos citados, a implementação dos instrumentos de política urbana nas cidades ainda é muito desafiadora. Dentre os principais desafios, podemos citar: governança para integração de políticas setoriais e a gestão metropolitana; disponibilidade de financiamento para projetos estratégicos voltados à promoção do DOTS; familiaridade e capacitação técnica de gestores públicos para promoção de políticas e projetos de DOTS; qualificação do debate público sobre a importância do transporte sustentável para a vida nas cidades; e promoção da função social da propriedade urbana, conforme previsto no Estatuto da Cidade, para criação de maior equidade no acesso ao transporte e as oportunidades urbanas.