Conheça 3 pessoas que largaram tudo e vieram morar na Bahia

Eles tinham estilos de vida completamente diferentes, mas se apaixonaram pelo estado

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  • Rafaela Fleur

Publicado em 9 de novembro de 2017 às 08:00

- Atualizado há um ano

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A caminho de Mangue Seco Newton Ximenes Junior, 53, é formado em Geografia. Mas, no caminho de uma viagem para Mangue Seco, na divisa entre Bahia e Sergipe, foi parar em Praia do Forte. E ficou. “Cheguei lá sem nem saber que existia o Projeto Tamar. No segundo dia já procurei casa para alugar. A vida é curta, a gente tem que fazer acontecer!”, conta. Ele largou a vida de designer de interiores e dono de uma galeria de arte na Itália para viver na Bahia. O empresário fez a parada estratégica antes de chegar na cidade de Tieta por recomendação de um amigo e se encantou com a beleza e a calma do lugar. Isso depois de 26 anos morando em países como Canadá, Estados Unidos e Itália, onde trabalhou ainda como pesquisador de antiguidades. O que deu o estalo da mudança? A cura de um câncer e o fim de um relacionamento de 22 anos.  Reviravolta  “Em 2011, tive um câncer ligado a estresse prolongado, coisa de uns 10 anos. Meu médico falou que não era normal um homem ter aquele tipo de câncer naquela idade. Só fumantes ou pessoas altamente estressadas”, explica. A retirada dos tumores foi através de técnicas pouco invasivas, o tratamento foi localizado, não houve perda de cabelos e depois da cura ele se programou para o retorno ao Brasil. Newton em frente ao seu restaurante em Praia do Forte (Reprodução: Instagram) “Não voltei pra ter vida de turista. Ainda estou numa idade de fazer coisas. Queria um lugar com infraestrutura”, diz. Por infraestrutura entenda-se: cartório, supermercado com produtos importados e uma farmácia com cosméticos da marca francesa La Roche Posay. Praia do Forte pareceu o cenário da realização de um sonho para o qual Newton se atentou ainda quando trabalhava como designer de interiores, na Itália. “Desenhei a cozinha de uma escola de gastronomia e isso me despertou a vontade de ter um restaurante, entrar num mundo que eu nunca tinha entrado”, relembra. Em 2014 nasceu o Vino Bar. Hoje, ele tem também uma pizzaria e uma pousada. Quarto da pousada de Newton, Vino Bar, em Praia do Forte (Divulgação) Café da manhã do Vinobar, restaurante número 1 da Praia do Forte no Trip Advisor (Divulgação) “Deixei a profissão porque ficaria muito difícil recomeçar do zero no Brasil, com 53 anos, num mercado onde existem muitos bons profissionais. Não vi espaço nem porta de acesso ao mercado. Aí pensei: vou ganhar o povo é pelo estômago. Sempre fui homem de cozinha, uma paixão que vem da infância”, pondera. Hoje, o Vinobar é o restaurante número 1 da Praia do Forte no Trip Advisor e reflete o repertório e o espírito de Newton na decoração e na cozinha. “Gastei 3,5 km de tábuas de pinho. E a comida é muito honesta. Não tem salsa daquilo com espuma de não sei o que. Mas a gente só usa bons ingredientes”, explica. A pousada, que tem apenas 10 quartos inspirados em cabines de barco, segue no mesmo caminho.  Rodado Essa não foi a primeira vez que Newton largou tudo e foi parar noutro canto do mundo. Aos 22 anos, o carioca trocou o Rio de Janeiro por Nova Iorque (EUA). Geógrafo de formação, ele não queria saber de dar aulas. “Estagiei um ano como professor de geografia no Colégio de Aplicação da UFRJ e ví que aquilo realmente não era pra mim”, relembra. No fundo, Newton, aos 22, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (Reprodução: Facebook) Na Big Apple por três anos, trabalhou como secretário particular de Marina Sturdza, que era vice-presidente da grife Oscar de La Renta e princesa da Romênia (!) - com a deposição da monarquia, parte da ex-família real se radicou nos Estados Unidos.  Ela lhe foi apresentada pelo então namorado, o empresário Albert Cummings, companheiro de Newton por 22 anos e dono da editora de livros Madison Press Books. Ainda em Nova Iorque, fez um curso sobre antiguidades e começou a trabalhar numa galeria de arte. Newton com Luciana Menezes, da Maison International, em função social em NYC (Reprodução: Facebook) Em 91, se mudou para Toronto, maior cidade do Canadá. Lá, trabalhou na Associação Canadense de Antiquários. “Não existia internet. O máximo era a (câmera instantânea) Polaroid. A gente pesquisava sobre as peças e avaliava o valor de mercado”, pontua. A sala de jantar do casal recebeu amigos como o cineasta James Cameron (diretor do filme Titanic). “Por conta do trabalho de Albert, ia muita gente importante lá em casa. Por via das dúvidas, eu sempre cozinhava moqueca. Moqueca faz um sucesso...! Arrumava bem colorida e botava só um perfuminho de dendê”, lembra. A vivência no mundo da arte o levou para o design de interiores. Depois de um trabalho com o arquiteto Tom Sparling e da restauração de muitas casas históricas, ele pegou o primeiro projeto fora da América do Norte. O destino foi Veneza, na Itália.   “O trabalho durou três anos. Era uma casa nos pés dos alpes... Toda a pedra usada na obra foi escavada e talhada à mão”. Em 94, ele decidiu tirar um período sabático e viajou um bocado: “Índia, a Europa toda, China, sudeste asiático...”. Em 2000, resolveu voltar para a Itália e abrir uma galeria de arte. A cidade escolhida foi Asolo, na região de Vêneto. “Era pequeniníssima, toda murada e com apenas cinco portas. Fica em cima de um morro, com montanhas ao fundo e não foi bombardeada durante a Segunda Guerra por conta dos ingleses ilustres que moravam lá, como os escritores Robert Browning e Freya Stark e a atriz Eleonora Duse”, diz ele. Em Asolo, comuna italiana da região de Veneto, em 2004, Newton preparava sua coleção para a X Collection (Reprodução: Facebook) Além da vida de galerista, Newton voltou também para o design de interiores. Pouco depois, assinou uma fábrica da grife norte-americana Tommy Hilfiger na região, o que rendeu outros clientes estadunidenses.

Aí vieram o fim do casamento e o câncer... “Vendi casa, fechei CNPJ e só fiquei lá até resolver todas as pendências burocráticas”, conta. No retorno, preferiu a tranquilidade da Bahia à agitação do Rio. “Um amigo italiano que tem um restaurante em Itapuã, o Stefano Bof (da Casa di Vina), me chamou para passar um tempo na casa dele, em Salvador. Vim em 2013. Ele me falou de Mangue Seco e eu fiquei doido pra conhecer. Me recomendou também que, no caminho, parassem em Praia do Forte”, diz Newton, que acabou nunca pisando na lendária vila de Tieta.  Newton na cozinha do Vinobar, em Praia do Forte (Reprodução: Instagram) Do Vaticano à Arembepe  Restauradora, a italiana Cláudia Kusch, de 58 anos, liderava toda a equipe responsável pela conservação do Vaticano. Isso mesmo, a sede da Igreja Católica que fica na cidade Roma, na Itália. Segundo ela, esse era o melhor trabalho que alguém da sua área poderia ter. Esse alguém não era Cláudia. Há 10 anos, a italiana trocou a companhia do Papa João Paulo II pela orla de Arembepe, praia localizada a 42km de Salvador. E não se arrepende. “É o meu lugar, faço parte da flora nativa”, relata. Cláudia atualmente mora em Arembepe, de frente para o mar (Foto: Angeluci Figueiredo) A afirmação faz todo sentido: ela hoje tem nome de flor. Conhecida como Alfazema, quem chegar em Arembepe procurando por Cláudia dificilmente vai conseguir alguma referência. A não ser, claro, que a pessoa diga que está procurando pela pousada Alfazema Cultural, aí fica fácil. Dona do lugar, a moça oferece hospedagem de 24h e café da manhã, que é feito por ela. A especialidade são os pães de farinha orgânica e as geléias, que, além de servir na pousada, comercializa. E ela não faz todo esse trabalho sozinha. “Sou apaixonada por cozinha, mas meu amor me ajuda em tudo”, explica. Café da manhã produzido por Cláudia na Alfazema Cultural (Divulgação) Apaixonada pela vida que construiu na Bahia, ela não se arrepende das escolhas que fez e nem pensa em encurtar os 8 mil quilômetros que a distanciam da Itália. “Não voltaria para lá nunca. Minha relação com Arembepe é de coração e alma”, admite. Aliás, o único desejo que Alfazema ainda tem é melhorar a vida das pessoas que moram lá, através de projetos sociais. “Fora isso, não me falta nada”, finaliza. O amor em questão é seu marido, o capoeirista Luiz Cláudio de Santana, mais conhecido como Mestre Orelha. Juntos desde 2006, os dois compartilham o amor pela expressão cultural e foi através dela que se conheceram. “Estava no Pelourinho, na Fundação Mestre Bimba, quando o vi pela primeira vez”, comenta. Mestre Orelha dando aula de capoeira para os hóspedes na Alfazema Cultural (Reprodução/Instagram) Apesar de praticar capoeira durante 4 anos, foi na Yoga que Alfazema realmente se encontrou. Hoje, ela é professora e ensina a arte meditativa no centro cultural que fundou com o companheiro. Apesar de nunca ter engravidado, filhos não faltam na vida do casal: são 8 bichos de estimação, 6 gatos e 2 cachorros.

Bonjour, tem farofa? Alguns vêm ao Brasil para trabalhar, outros para passear. No caso do francês Bruno Guinard, 58, o objetivo era outro: fugir. Com 21 anos e apaixonado por bichos, o rapaz queria estudar Zoologia. Entre macacos e aves - suas espécies favoritas - não havia espaço para serviço militar. Porém, na época, servir ao exército era obrigação. Avesso às regras, ele não se rendeu. Em 1981, saiu ilegalmente do subúrbio de Paris e desembarcou no Brasil, em terras cariocas. “Precisava saber do que eu era capaz, me jogar no mundo”, conta. Bruno é diretor do Villa Bahia, hotel localizado no Pelourinho há mais de 10 anos (Foto: Angeluci Figueiredo) Apesar de não falar uma palavra sequer em português, Bruno logo aprendeu a se virar. E o aprendizado veio através do ensino: ele começou a dar aulas de francês e fazer traduções. Logo depois, foi contratado por uma agência de turismo. “Me especializei na América do Sul, viajava muito”, relata. E aí as coisas começaram a melhorar. Bruno participou de toda a decoração do hotel Villa Bahia (Divulgação) Em 1986, 5 anos depois, Bruno finalmente foi anistiado. Com a liberdade garantida, o ex-foragido podia circular com tranquilidade. Entre idas e vindas por várias partes do mundo, a Bahia só apareceu no mapa do rapaz em 1995. “Eu encontrei em Salvador o Brasil que tinha dentro de mim. O Pelourinho fervia”, relata. Foi amor ao primeiro drink e ele nunca mais saiu. 

Com o português afiado e muita história para contar, em 2004, Bruno abandonou as agências de turismo e colocou, literalmente, a mão na massa: construiu o hotel Villa Bahia, lá no Pelourinho. “Eu sei de onde vem cada coisa que está aqui, até os pregos foram feitos manualmente. Tudo foi pensado”, explica ele, que hoje é diretor do hotel inaugurado em 2006. Bruno confessa que largaria tudo se fosse convidado para trabalhar em um Zoológico (Foto: Angeluci Figueiredo) Apelidado de ‘Francês do Paraguai’, Bruno confessa que não come pão, odeia queijo e não bebe vinho. No entanto, nutre uma paixão intensa pela farofa brasileira. Se for de banana, então, ele não resiste. “Como todo santo dia”, confessa. Voltar para a França? Jamé! Aliás, só se for para trabalhar no zoológico, sonho antigo que ele nunca realizou. “Se me chamarem eu largo tudo e vou, pode ser em qualquer país”, admite.