COP 23 tem a missão de fazer Acordo de Paris avançar sem EUA

O CORREIO Sustentabilidade conversou com o coordenador do Greenpeace no Brasil sobre os desafios do ovo encontro mundial sobre o clima

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  • Murilo Gitel

Publicado em 7 de novembro de 2017 às 12:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: divulgação)

Promover os objetivos do Acordo de Paris, estabelecido há cerca de dois anos, e alcançar progressos em sua implementação são alguns dos principais objetivos da 23ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, aberta ontem (6/11) em Bonn, na Alemanha. Até o dia 17 deste mês, representantes de mais de 190 países estarão reunidos para debater temas como redução de emissões de CO2, financiamento para o cumprimento do acrdo climático e adaptação das metas de cada país estabelecidas pelo acordo.

De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), o intuito é fazer progressos em todas essas áreas para que as orientações possam ser completadas até a COP24, na Polônia, em 2018. A COP23 é a primeira a ser presidida por uma nação insular do Pacífico, Fiji, cuja própria existência é ameaçada pelo aumento do nível do mar em decorrência do aquecimento global.

Também é a primeira COP sobre o clima realizada depois do anúncio da saída dos Estados Unidos – segundo maior poluidor do planeta, atrás apenas da China – do Acordo de Paris (fechado na COP 21, em 2015), o que na prática só passa a valer a partir de 2019. “Estarão todos de olho nos EUA para saber qual será o comportamento, porque se já anunciou que vai sair, mas manda para cá uma delegação, o que ela irá fazer, atrapalhar as negociações? ”, questiona o coordenador do Greenpeace no Brasil Marcio Astrini, que conversou com o CORREIO Sustentabilidade direto de Bonn, por telefone.

Para Astrini, a tendência é que os Estados Unidos sigam nas negociações como se não tivessem anunciado a saída do Acordo de Paris. “Ao mesmo tempo, esse discurso americano tem impactos muito severos. O primeiro é de imagem, uma vez que é o segundo maior poluidor do mundo dizendo que não vai fazer nada. O discurso de quem é contra ter medidas climáticas se fortalece com esse tipo de ação. O segundo ponto diz respeito ao financiamento para os países mais pobres, que é algo fundamental, levando-se em conta que é a nação mais rica do mundo”, observa.

Insuficiente

No fim de outubro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou um novo relatório, o qual afirma que as promessas nacionais feitas pelos países no Acordo de Paris representam apenas um terço da ação necessária para alcançar metas relacionadas ao clima e evitar os piores impactos da mudança climática.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou ontem, na abertura da COP23, um relatório que projeta 2017 como um dos três anos mais quentes já registrados, com muitos eventos extremos, incluindo furacões catastróficos e inundações, ondas de calor debilitantes e seca. Os indicadores de longo prazo das mudanças climáticas, como o aumento das concentrações de dióxido de carbono, a elevação do nível do mar e a acidificação dos oceanos continuam inalterados. Segundo o estudo, a cobertura do gelo do mar do Ártico permanece abaixo da média e a extensão do gelo do mar da Antártica, previamente estável, está perto de uma baixa recorde.

Brasil

Sétimo maior poluidor do mundo, responsável por 3,4% das emissões mundiais de CO2, o Brasil chega à COP23 com dupla personalidade: progressista do ponto de vista da negociação, com seus diplomatas dispostos a sair dela com um desenho do manual de implementação do acordo; mas regressivo do ponto de vista da política interna, e com a maior alta em suas emissões em 13 anos.

Na avaliação do Observatório do Clima, rede da sociedade civil que reúne 43 ONGs, “o Brasil tentará vender a redução de 16% na taxa de desmatamento em 2017 como uma grande conquista e um sinal de que o país está no rumo certo do Acordo de Paris”, mas esse discurso é fragilizado por conta de fatores como a distância que o País se encontra em relação às suas metas domésticas – o desmate de 6.624 km2 na Amazônia neste ano é 70% maior do que o que determina a lei nacional do clima.

Os ambientalistas também citam o Plano Decenal de Energia 2026, o qual prevê que 70,5% de todo o investimento em energia na próxima década vá para combustíveis fósseis, em especial para a exploração do pré-sal. Além disso, mencionam a aliança entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista, que produz uma série de medidas que tendem a aumentar os conflitos no campo, o desmatamento e as emissões.

O desmatamento zero, uma das principais bandeiras do Greenpeace, também estará em pauta em Bonn. “Faremos o lançamento de um paper na segunda semana, composto por vários estudos de diversas ONGs, onde demonstraremos que o desmatamento zero é possível, apresentando quais ações devem ser prioritárias para que ele possa ocorrer”, adianta Marcio Astrini.

Confira os 4 desafios que a  COP23 precisa resolver:

• O rascunho do manual - Apesar de já estar em vigor há um ano, o Acordo de Paris ainda não teve definidas as regras de sua implementação. Como as metas nacionais (NDCs) serão monitoradas e reportadas? O complexo manual de aplicação do acordo precisa ficar pronto no ano que vem. Se a COP 3 conseguir rascunhar o texto, aumentam as chances de que Paris passe a funcionar efetivamente mais cedo.

• Um plano para 2018 – O Pnuma publicou a nova edição de seu relatório Emissions Gap sobre a dívida climática da humanidade. O documento alerta que o período de 2018 a 2020 é a última chance de embicar o mundo no rumo da estabilização do aquecimento global em menos de 2 °C ou, idealmente, em 1,5 °C, aumentando a ambição das NDCs hoje propostas. Para isso, será fundamental o chamado Diálogo Talanoa (chamado formalmente de “Diálogo Facilitativo”), que acontecerá em 2018 e reunirá os países para discutir como ampliar a ambição, tanto das metas de corte de emissões quando das de financiamento. Fiji-Bonn precisa entregar uma proposta para a realização desse diálogo que tenha amplo apoio dos países.

• O “pacote de solidariedade” – Espera-se que a presidência de Fiji faça a COP 23 avançar em elementos cruciais para os países vulneráveis: o mecanismo de perdas e danos, pelo qual nações possam receber ajuda pelos danos das mudanças climáticas aos quais seja impossível se adaptar, como superfuracões; e o financiamento à adaptação nos países pobres, por meio do fundo de adaptação. Sem isso, qualquer conversa sobre aumento de ambição em 2018 e 2020 ficará prejudicada.

• Um sinal político claro aos EUA – Os Estados Unidos tendem a dominar o noticiário da COP 23 após o anúncio feito por Donald Trump de que o país se retiraria do Acordo de Paris. É incerto se a diplomacia americana tentará bloquear o progresso em Bonn ou terá uma atuação discreta. Mas o comportamento de Trump tende a provocar um ressurgimento das antigas divisões entre países ricos e pobres, em especial no que diz respeito a financiamentos. A COP 23 precisa dar um recado claro de que o Acordo de Paris não é renegociável e de que o buraco deixado pelos EUA no Fundo Verde do Clima será preenchido por outros países.