CORREIO flagra série de roubos de materiais do Centro de Convenções

Um dia após PMs liberarem suspeitos, grupos continuaram saques. Desta vez, 3 foram detidos. Picape foi carregada com material furtado. Repórter entrou no local para mostrar abandono

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  • Bruno Wendel

Publicado em 22 de agosto de 2017 às 02:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO
Polícia aborda homem com carrinho de mão carregado de material por Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Os dois carrinhos de compras estavam estrategicamente posicionados, só aguardando os produtos que seriam transportados. Até então, nada de anormal, se o local de “compras” não fosse o moribundo Centro de Convenções da Bahia, no bairro de Armação, que desabou parcialmente em setembro do ano passado. Um dia após ladrões serem flagrados - e liberados - pela polícia, em posse de aparelhos de ar-condicionado do local, o CORREIO presenciou uma série de saques, na manhã desta segunda-feira (21).  Veículo com carroceria cheia de materiais, a exemplo de fios de cobre, retirados do Centro de Convenções (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Desta vez, três pessoas foram encaminhadas por policiais militares para a 9ª Delegacia (Boca do Rio). Os furtos aconteceram em momentos distintos - um dos suspeitos chegou a impedir que funcionários da Secretaria do Turismo do Estado da Bahia (Setur) trabalhassem na retirada de móveis que ainda se encontravam no prédio. Até uma picape foi usada pelos ladrões, conforme flagrante feito pelo CORREIO.

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De acordo com a delegada Rogéria Araújo, titular da 9ª Delegacia, dois dos três suspeitos foram autuados em flagrante e permaneceram detidos. Eles carregavam dois sacos cheios de fios de cobre retirados do local. 

"Eles vão ser apresentados amanhã (terça) na audiência de custódia e a Polícia Técnica irá pesar o produto do roubo", informou a delegada ao CORREIO. O terceiro rapaz, que não estava com a dupla, foi liberado. "O terceiro pegou apenas um pedaço", justificou. Policiais flagram jovens de 18 e 21 anos com sacos cheios de fios de cobre retirados do local (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Ainda de acordo com a delegada, os rapazes flagrados roubando os fios de cobre ainda se apresentaram como menores de idade e poderão responder pelo crime de fornecimento de identidade falsa. "Os dois são maiores: um acabou de completar 18 e o outro tem 21 anos", disse a delegada.

Vieram de longe Segundo a delegada, diversas situações de furto têm ocorrido no Centro de Convenções e muitas pessoas que vão até o local não são moradores da região. Os suspeitos detidos nesta segunda-feira (21), por exemplo, vieram do bairro de São Marcos."A fama de que o espaço está abandonado e com fácil acesso já se espalhou pela cidade e, por isso, está havendo uma mobilização de pessoas se dirigindo pra lá", afirmou a delegada Rogéria.Ainda segundo ela, os detidos desta segunda "tomaram conhecimento por outras pessoas de que lá havia muito cobre".

Atuação de PMs Em nota, a Polícia Militar informou que após a veiculação das imagens de policiais militares liberando três pessoas que carregavam sucatas de aparelhos de ar condicionado no domingo (20), em Armação, o comando da 39ª CIPM apresentou os PMs à Corregedoria Geral da Corporação, onde foi aberto um procedimento administrativo para apurar o fato.

Como a ocorrência foi registrada na delegacia da área, a Polícia Civil também investigará o crime de furto. Os policiais que liberaram os suspeitos continuam trabalhando.

Procurado pelo CORREIO, o governador Rui Costa afirmou que não sabia dos saques. "Não temos conhecimentos sobre os roubos, mas vamos procurar saber sobre essa situação. Aquele centro ele vai ser desmontado e nós estamos publicando nos próximos dias um edital e formalizamos para convidar e haver uma manifestação formal do empresários para a construção de um novo centro que não será mais naquele local e sim no Parque de Exposições”, declarou.

Flagrantes em série Era por volta das 11h, quando um dos grupos se concentrava em frente à entrada principal do Centro de Convenções, que dá para a Avenida Octávio Mangabeira: seis pessoas – quatro homens e duas mulheres, sendo que alguns vestiam fardas.

Eles estavam preparados para entrar no local e encher os dois carrinhos de supermercado mas, inicialmente, desistiram ao perceberem que eram acompanhados e registrados pela equipe do CORREIO.

Rapidamente eles se espalharam. Em nenhum momento a equipe de reportagem presenciou a movimentação de seguranças nos arredores da entrada principal. Uma empresa foi contratada para fazer a segurança patrimonial.

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Cinco minutos depois, uma picape estaciona de ré entre um jardim do Edifício Belavista e o Centro de Convenções. Em seguida, uma movimentação de gente torna-se intensa. O vai e vem por cima dos muros do prédio abastecia a carroceria do veículo. Umas cinco pessoas recolhiam fios de cobre.

A ação foi rápida. Não durou menos que cinco minutos e a caminhonete saiu com a carroceria cheia de cobre furtado. O veículo saiu às pressas e os ladrões desapareceram – mais acima do Centro de Convenções existe uma extensa área de preservação florestal que facilita a fuga. 

Cerca de meia hora depois, um novo grupo se aproximou do local. Desta vez, em número bem maior. Umas 15 pessoas, entre homens, mulheres e, aparentemente, adolescentes.

Uma parte se concentrava sentada na Rua Anquises Reis, a cerca de 200 metros de distância, e chegou a ser abordada por uma guarnição da 39ª CIPM que passava na hora. “Apenas revistamos. Como não havia nenhum produto de furto ou roubo, foram liberados”, contou um dos policiais militares, que pertence à mesma companhia de polícia que flagrou saques na véspera, mas decidiu liberar os criminosos, na ocasião.

Bastou a guarnição sair do local e os furtos voltaram a acontecer, desenfreadamente. Em alguns casos, uma pessoa apenas arrastava metros de fio.

Após receberem um chamado do Centro Integrado de Comunicação (Cicom) da Secretaria da Segurança Pública, a guarnição se deslocou para o fundo do Centro de Convenções. Lá, havia dois seguranças que liberaram o acesso dos PMs. Eles foram recebidos por Geovane Luiz, um preposto da Setur.“Fomos impedidos por causa da presença deles. Viemos buscar móveis que ainda estão aqui, como mesas e cadeiras, mas preferimos não arriscar e, por isso, chamamos a polícia”, contou Geovane. Enquanto conversavam, novos furtos eram realizados nas imediações da entrada principal. “Olha lá, olha lá eles”, gritou um policial para o outro, e ambos entraram na viatura e foram às pressas à caça dos saqueadores. O CORREIO acompanhou tudo.

Os policiais desembarcaram numa rotatória e surpreenderam dois jovens, ambos com sacolas cheias de cobre. 

“Ia vender para o ferro-velho. Estou só fazendo um ‘corre’. Não tenho trabalho”, justificou um dos rapazes, com as mãos levadas à cabeça. “É melhor estar fazendo isso, do que estar envolvido no tráfico (de drogas). Coloquei vários currículos em supermercados, mas todos exigiam o primeiro grau completo e eu ainda estudo”, disse o outro rapaz, que teve o argumento rebatido por um dos policiais: “Furto é furto. Já pensou se todo mundo fosse furtar, roubar e matar porque está sem trabalhar? Isso não justifica. Vender água na rua é trabalho digno”. Os dois suspeitos são moradores do Lobato, no Subúrbio ferroviário.

Ferro velho Enquanto a guarnição conduzia os jovens para a 9ª Delegacia (Boca do Rio), outra equipe de policiais da 39ª CIPM fez mais um flagrante: Ubiraci da Silva Paixão, 40 anos, foi pego com um carrinho de mão cheio de metais e cobres. “Ele pegou materiais do Centro de Convenções. São carcaças, mas são do imóvel”, disse o major Edson Lima.

Ubiraci foi detido quando passava pela Rua Baltazar Sodré, em frente à localidade conhecida como Baixa Fria, onde há pontos de compra e venda de ferro velho. 

Moradores da região disseram que os furtos são diários. “Como vocês constataram, isso é toda hora. A gente fica besta. Da minha janela vejo tudo. Eles furtam na maior cara dura”, disse uma moradora, sem se identificar. “Eles sabem que a polícia não pode ficar 24 horas num local. Basta a viatura sair para tudo acontecer novamente”, relatou outro morador.

Acesso fácil  Qualquer um pode entrar no Centro de Convenções, basta querer. O CORREIO teve acesso a um dos caminhos usado por pessoas para retirar materiais. A equipe ultrapassou uma fresta das barreiras e teve acesso a um dos estacionamentos. No local, encontrou um carro depenado. A única coisa que restou foi a carcaça e os pneus.

Mais à frente, um salão. A entrada tem vidros quebrados, sujeira e resto de fiações à mostra para todos os lados – indícios de que os ladrões de cobre passaram por ali também.

O governo do estado informou, em nota, que irá reforçar a segurança patrimonial do Centro de Convenções, ampliando o efetivo de vigilantes. "É importante lembrar que a área está interditada pelos riscos de desabamentos da estrutura, oferecendo grave perigo a quem tentar ingressar no local", alerta o comunicado.

MP e imbróglio trabalhista  De acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), as situações de furto ocorridas no Centro de Convenções serão analisadas pela promotora Isabel Adelaide. Ao tomar conhecimento, através da imprensa, ela decidiu instaurar procedimento para apurar se houve crime ou improbidade administrativa por parte do governo.

Além disso, o imóvel onde funcionou o Centro de Convenções está penhorado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) por conta de um imbróglio com ex-funcionários da Bahiatursa. De acordo com a 34ª Vara do TRT, onde corre o processo, os reclamantes entraram na justiça após serem demitidos e não terem as verbas rescisórias pagas. Ainda de acordo com a 34ª Vara, o valor total da dívida ainda não foi calculado.

Na tarde desta terça-feira (22), será realizada uma audiência pública presidida pela juíza titular da vara, Ana Paola Machado Diniz,para tratar sobre o levantamento da dívida trabalhista e marcada a perícia do Centro de Convenções, que deverá acontecer já na primeira semana de setembro.

De acordo com o governo do estado, a questão trabalhista depende do fim do embargo da obra, que será avaliada por uma comissão de peritos da Justiça do Trabalho no próximo dia 6.