Cuidado de mãe que virou negócio milionário; marca baiana surgiu em garagem

Alimentos Tia Sônia é uma 'das pequenas que mais crescem' no Brasil

Publicado em 16 de outubro de 2017 às 07:43

- Atualizado há um ano

No Verão de 1996, o empresário Marcos Fenício Dias era um naturalista recém-formado em agronomia que vivia na pindaíba. Hoje, aos 49 anos, é dono de uma empresa que fatura R$ 32,6 milhões ao ano e que está entre as 100 pequenas e médias empresas do Brasil que mais cresceram entre 2014 e 2016, segundo pesquisa da consultoria Delloite divulgada este mês.

É de Vitória da Conquista, Sudoeste da Bahia, que vem o exemplo para outros empresários – a Alimentos Tia Sônia é uma das cinco representantes baianas no ranking – junto com a GertecBrasil – do segmento de máquinas, equipamentos e ferramenta - a construtora MA Almeida, a CiberianTI e a Morais de Castro Produtos Químicos.

Com o pouco dinheiro que Marcos ganhava investia em alimentos saudáveis e algumas poucas viagens. Numa delas, para Machu Picchu, no Peru, recebeu de presente da mãe, Sônia Maria Lopes Dias, seis quilos de granola caseira - alimento que há décadas é consumido tradicionalmente pela família, de origem portuguesa. (Foto: Acervo Pessoal) A granola tinha aveia, castanha de caju, tapioca, melaço de cana, gergelim, manteiga, uva-passa, coco e amendoim. Sem ter como levar sozinho a quantidade do lanche materno, Marcos dividiu com os amigos – que na volta da viagem, o incentivaram a produzir a granola para venda.

“Peguei R$ 40 emprestado da minha mãe e comprei os produtos da granola. Na cozinha da casa dela, fiz pacotinhos de 200 gramas, vendi tudo em uma semana e as pessoas querendo mais. Daí em diante passei a procurar mercados e aperfeiçoar o produto”, conta Marcos, que logo no início retirou o amendoim da receita. (Foto: Arthur Garcia/Divulgação) Fábrica na cozinha A cozinha de casa serviu como fábrica nos primeiros meses. Mas ficou apertada. Mãe e filho passaram então a produzir a granola na garagem, com a ajuda de mais dois funcionários, um deles Wagner Amorim, 36, hoje o responsável pela manutenção das cerca de 130 máquinas da empresa, que desde 1999 está no bairro Jardim Guanabara.

O terreno de 900 metros quadrados iniciais logo foi ampliado para 4.000 metros quadrados em 2002. “Mas já está pequeno, nem conseguimos mais respirar direito. Por isso, estamos já planejando a nossa mudança para outro espaço bem maior e com capacidade para triplicar a produção”, disse Marcos, que preferiu manter segredo sobre a produção da empresa onde trabalham cerca de 120 pessoas.

O destino é um terreno no Distrito Industrial dos Imborés, onde inicialmente será possível aumentar em 30% a produção da granola, que atualmente está presente em mais de 5 mil pontos de venda do Nordeste, em mercados de todas as capitais da região. O alimento é composta por flocos de aveia, rapadura, coco, tapioca, uva-passa, castanha de caju, gérmen de trigo, melaço de cana, manteiga, gergelim e sal marinho.

Tia Sônia, como os amigos de Marcos chamavam a mãe dele, é a marca da empresa, uma das maiores do Nordeste em fabricação de granolas e que aparece na pesquisa anual da consultoria Delloite - mesmo no período de recessão econômica no país. Sônia e o filho na garagem de casa (Foto: Acervo Pessoal) Para conseguir o feito, além de 40 demissões, a empresa investiu R$ 1,5 milhão em equipamentos mais modernos para a fábrica, terceirizou o serviço de logística, ampliou o prazo de pagamento junto aos fornecedores, reviu o plano tributário e fechou a divisão de beneficiamento de coco, que não era rentável.

Inovação A empresa que aparece na pesquisa em 59ª colocada no ranking nacional conseguiu ter crescimento de 19,29% entre 2014 e 2016. “É quase a média de crescimento anual que viemos tendo em outros anos, com exceção de 2015, nosso pior ano”, disse Marcos Fenício. Segundo ele, a empresa vem trabalhando constantemente em inovação de produtos.

“Estamos sempre preocupados em lançar algo novo, bom, que venda muito. Por isso, eu e alguns funcionários estamos sempre indo a feiras de alimentos e de outros setores – como de saúde e bem-estar – para ver quais são as demandas atuais de alimentação. Nosso lema é fazer as pessoas serem felizes se alimentando, que é uma coisa que todo mundo gosta”, contou o ex-naturalista, adepto hoje de um “churrasquinho de leve”. “Não estou tão radical quanto antes”.

Outra frente de atuação da empresa é com relação aos funcionários – eles recebem cursos de aperfeiçoamento dentro e fora da Bahia. “Trabalhamos com processos de treinamentos em diversas áreas de conhecimento, baseados nas demandas dos setores. Existem valores anuais destinados para cursos, mas se surge alguma demanda a mais avaliamos a importância para o aumento do valor destinado. Promovemos diversos treinamentos internos também”, disse a gerente Recursos Humanos Jamaica Cabral.

Valorização das habilidades Trabalhar as habilidades pessoais também é uma meta da empresa, como ocorreu com o chefe de manutenção de máquinas Wagner Amorin. “Chegaram a me colocar como supervisor de produção, que foi onde comecei e fiquei por cerca de 6 a 7 anos. Mas gostei mesmo de trabalhar com máquinas e a empresa me bancou um curso de eletrotécnico, que é a minha profissão. Muito do que vi no curso já sabia na prática, o que fiz foi aperfeiçoar”, contou Amorin.

Hoje, vendo o crescimento da empresa, a matriarca da família Sônia Maria Lopes Dias, se diz orgulhosa da ideia que teve o filho de produzir granola para venda. “Foi um alimento que sempre fizemos em casa, uma mistura. Meus avós, que eram portugueses, faziam, e eu aprendi com eles”, disse a mulher de 78 anos que hoje vai apenas três vezes à fábrica “só para dar uns palpites”.

“Mas antes, eu chegava às 7h e saia às 19h, eram doze horas de trabalho diário”, ela lembra, informando depois que o marido Otávio da Silveira Dias, 86 anos, ainda continua firme na empresa, sendo um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. “É o grande patrimônio da família, construído com muito trabalho e dedicação”, comentou.

Maioria das PMEs lançaram novos produtos A pesquisa da Delloite, realizada em parceria com a editora Abril, teve como objetivo mostrar as estratégias de cada empresa para o reposicionamento no mercado em tempos de crise. Além da Tia Sônia, outras pequenas e médias empresas baianas que aparecem no ranking das 100 que mais cresceram no Brasil entre 2014 e 2016 são a Gertec Brasil (18ª), a MA. Almeida Engenharia (30ª), a Ciberian T.I (58ª) e a Morais de Castro Produtos Químicos (64ª).

Entre as empresas do ranking das 100 que mais cresceram, a mediana do número de funcionários se manteve em 2016 em um patamar similar ao do ano anterior. Já a divisão da receita líquida por funcionário, aumentou em 23% no mesmo período, o que indica que essas empresas obtiveram maior eficiência.  Realizada desde 2006, a pesquisa, pela primeira vez, além das pequenas e médias empresas, envolveu também outras de maior porte na premiação “Best Managed Companies – Brasil”, com o objetivo de valorizar as melhores práticas de gestão que podem inspirar gestores e empreendedores. O estudo sublinha que “o mercado brasileiro se mobiliza em torno de soluções para a retomada da atividade econômica no País”, e que, “as pequenas e micro empresas têm muito a contribuir.”

Quase 90% das PMEs do ranking lançaram novos produtos e serviços em 2016, refletindo um esforço dessas organizações de se reposicionar no mercado. Um grupo importante de empresas entre as PMEs classificadas para o ranking está engajado em práticas de fomento à inovação, como investimento em tecnologia, formação de profissionais para lidar com desafios diversos e disseminação de uma cultura aberta a novas perspectivas na solução de problemas. Quase 70% das empresas contam com uma equipe dedicada (integral ou parcialmente) para a gestão e o desenvolvimento da inovação. Segundo a pesquisa, parte das PMEs que mais cresceram revelou considerar um desafio prioritário o equilíbrio entre a volatilidade da demanda – intensificada no atual cenário econômico – e os custos com fornecedores.