De Brasília ao Rio de Janeiro, pelo litoral

por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2017 às 09:11

- Atualizado há um ano

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Os meus lugares preferidos para caminhar e  conectar ideias com a intenção de escrever quaisquer tipos de textos e refletir sobre o ser e o nada – são:  1. O Parque da Cidade, em Brasília. 2. O Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. [A partir de 1997, quando troquei São Paulo por Brasília, e entre 2008 e 2013, quando morei no Rio, foram testemunhas oculares de minha história].

São dois dos lugares mais bonitos do mundo. No Aterro do Flamengo, batizei cada curva. A das Gêmeas Louras ganhou tal nome porque era nesse lugar que sempre as encontrava. Usavam rabo de cavalo, se vestiam diferentemente, mas mantinham o mesmo trotar.

Entre a multidão de árvores do Aterro, me apaixonei por colossal carvalho, à beira da pista de alta velocidade que liga o Botafogo ao centro do Rio. Batizei-a Árvore Sagrada. Queria que fosse minha, somente minha. [Aos domingos, quando dezenas de famílias cariocas usavam os galhos de ‘minha’ árvore sagrada à guisa de balanço, roía-me de ciúmes].

Elegia personagens preferidos. A ‘absolutíssima’, mulher entre 60 e 70 anos, fizesse sol ou chovesse canivete, desfilava com minibiquíni que deixava as camadas adiposas que lhe inflavam em inexorável exposição pública. Admirava-a pela nonchalance. Quando passava por mim, tinha vontade de aplaudi-la.

No Parque da Cidade, em Brasília, também tenho quatro árvores-xodós. No auge da seca exibem galhos tortos e chinfrins. Mas quando chega outubro, meu sinhô, ganham viço e vigor que me arrebatam. [Batizei o quarteto de o viúvo e as três filhas].

Entre a paisagem humana, tinha certo chamego por homem que corria todos os dias a repetir o seguinte mantra: - O tempo todo/Deus é bom/Deus é bom o tempo todo. No final de 2007, o beato-corredor desapareceu. [Entristeci-me: teria o homem deixado de crer que Deus era bom o tempo todo porque Deus o sacaneara?]. Qual nada! Certo dia o homem  que repetia o tempo todo que Deus é bom voltou. Entoava o mantra de sempre.

No Rio de Janeiro, na fronteira entre Botafogo e Flamengo, fazia parada técnica diária para beber água de coco na barraquinha de ‘Seu’ Cícero, cearense do Crato. Sentava-me nas cadeiras de plástico e esperava aparecer alguém para conversar. Certo dia de Rio violento – era a saga  da ocupação do Morro do Alemão, em 2010 – sentou-se ao meu lado senhora magrinha, octogenária. Perguntei-lhe:  - Não sente medo de morar em cidade tão violenta? Ela:  - Sou fatalista. A gente só morre na hora que tem de morrer.   Na volta para casa, parava sempre na banca de revistas do começo da Rua Voluntários da Pátria, já em Botafogo. Gostava de prosear com o dono. o ‘seu’ Santo, italiano de Bassano del Grappa, morador do Rio havia décadas. Ele ouvia ópera todos os domingos. Neste dia de ‘guerra’ no Rio me atendeu ouvindo os Três Tenores (Pavarotti, Carreiras e Domingo cantando La Donna é Mobile, de Verdi. [No caminho curto até o pequeno apartamento no qual eu morava e que eu amava tanto na Rua General Polidoro 69-ap-409, murmurava: - Io sono mobile, la vita é mobile, tutto é mobile – até, claro, deixar de ser. Fato].