De como Renato Aragão sobreviveu a uma queda de avião e outras boas histórias

Fartamente ilustrada, a boa biografia do comediante chega amanhã às livrarias

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  • Hagamenon Brito

Publicado em 3 de dezembro de 2017 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Ô, psit! Você sabia que a música Jeito de Corpo, que Caetano Veloso compôs e gravou no álbum Outras Palavras (1981), foi feita para o ator Renato Aragão? “Eu sou Renato Aragão, santo trapalhão/Eu sou Mussum, sou Dedé/Sou Zacarias, carinho/ Pássaro no ninho/ Qual tu me vê na tevê”, diz a letra. Gênio da comédia brasileira, Renato Aragão, 22 anos, o Didi, lança biografia onde conta sua fantástica trajetória (foto/Lilian Aragão/Divulgação) “A gente ía no nosso ônibus, numa viagem pelo interior de São Paulo para fazer um show, e cruzamos com Caetano e sua banda em plena estrada. Ele havia se apresentado na cidade para onde íamos. Nos reconhecemos e nos falamos pelas janelas. Desejamos boa sorte um pro outro e ele disse que iria uma fazer uma música para mim”, conta o gênio da comédia do cinema e da TV do Brasil.

Tempos depois, num restaurante do Rio, o criador do impagável personagem Didi Mocó escutou, no som ambiente do local, os versos falando dele e dos seus companheiros Trapalhões. “Saí de fininho emocionado. Não acreditei que um artista grande como Caetano havia feito uma música mesmo para mim. Agradeço muito a ele que, assim como Chico Buarque e Roberto Carlos, são amigos e estão na minha vida para sempre”, afirma ao CORREIO em um hotel na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.  

Escapando da morte - Essa e outras muitas e boas histórias envolvendo o artista estão na biografia Renato Aragão: Do Ceará Para o Coração do Brasil (Estação Brasil-Sextante | 304 páginas | R$ 49,90/impresso e R$ 29,90/e-book), escrita pelo jornalista, crítico de cinema e roteirista carioca Rodrigo Fonseca.

“Pesquiso sobre Renato e sua importância no cinema brasileiro, em especial, há 17 anos, e tive liberdade total para fazer a biografia. Foi a minha condição. Só deixei de fora coisas que não me pareceram interessantes, como aspectos religiosos dele que poderiam soar carola, já que não era um livro do Padre Marcelo. Não que ele seja um carola”, explica Fonseca.  Renato Aragão, 5 anos, com os cabelos grandes devido a uma promessa de que só poderia cortar as madeixas aos 7 anos (foto/div.) “Não poderia ser outro biógrafo”, elogia Renato, 82 anos, que durante seis meses teve encontros semanais, aos sábados e domingos, com o jornalista. A intenção de ambos era fazer uma biografia que se assemelhasse a um almanaque pop, mas que não perdesse de vista a riqueza informativa sobre a vida cheia de aventuras do ator. 

E o objetivo foi alcançado, porque o livro, numa narrativa ágil e pop, é uma das melhores biografias artísticas recentes editadas no Brasil. Empolga logo na página 56, no capítulo A Vida Por Um Fio, que narra o grave acidente aéreo sofrido por Renato Aragão na juventude, em 1958.

Voltando dos Jogos Universitários Brasileiros, em Belo Horizonte, para o Ceará, Renato pegou um voo em Recife e o avião Curtiss C-46 Commando do Lóide Aéreo Nacional se chocou com a mata da Serra do Bodocongó, na Paraíba. Treze das 40 pessoas a bordo morreram.

Ele fica tocado emocionalmente até hoje ao relembrar a tragédia que não lhe deixou sequelas físicas. “Apenas uns parafusozinhos na cabeça que até melhoraram meu cérebro”, brinca o amor de Lilian Aragão e pai da atriz Lívian Aragão, 18  anos (ele tem mais quatro filhos, do primeiro casamento). 

Importância do cinema - Embora a força da TV na popularização do grupo Os Trapalhões seja indiscutível, Renato Aragão é, em essência, mais um artista da telona do que da telinha. Aliás, um campeão de bilheteria nacional durante anos consecutivos. Os Saltimbancos Trapalhões, de 1981, é considerado pela crítica como o melhor filme de Didi, Mussum, Zacarias e Dedé Santana (div.) Os seus 50 filmes venderam 130 milhões de ingressos, sendo que algumas fontes citam 173 milhões. “Desde os tempos militares do CPOR e da Faculdade de Direiro, em Fortaleza, sempre soube que eu queria fazer o que Oscarito fazia no cinema. Minha obsessão era essa, mas como eu iria fazer isso no Ceará? Aí, quando inaugurou a primeira televisão em Fortaleza, eu fui me oferecer para trabalhar. Era a chance”, explica Renato, cujos três maiores ídolos no cinema são Oscarito (1906-1970), Charles Chaplin (1889-1977) e Carmen Miranda (1909-1955).

Outro aspecto importante na biografia, lembra Rodrigo Fonseca, é mostrar que Renato é um escritor, autor de todos os argumentos dos seus filmes. Muitas dessas ideias, inclusive, ele escrevia a qualquer hora e guardava em preciosos caderninhos. 

Politicamente Correto - Muito se questiona se, nos dias de hoje, haveria pressão dos defensores do conceito do politicamente correto contra o humor dos Trapalhões, especialmente sobre frases e diálogos de Mussum, que bebia muito e fazia piadas com a sua própria cor de pele negra.

“Para mim não mudaria nada, pois o objetivo do meu humor nunca foi o de ofender ninguém, é algo lúdico. A gente tem que respeitar sempre os outros. Hoje em dia, todo mundo conquistou seu lugar e tem que ser respeitado”, argumenta o embaixador do Unicef e representante especial para a criança brasileira desde 1991.

Esse tipo de humor lúdico, diz o comediante, também esteve presente na recente versão dos Trapalhões, com 9 episódios exibidos no Canal Viva (e depois na Globo) e que pode ganhar uma segunda temporada. “Foi emocionante, porque nas gravações eu lembrava do Zacarias e do Mussum. Foi uma homenagem, porque Os Trapalhões são insubstituíveis”,  diz.

* O jornalista viajou a convite da editora Sextante

10 CURIOSIDADES SOBRE RENATO ARAGÃO

1 - Desastre aéreo - Em 5 de setembro 1958, o ator sobreviveu a um desastre na região do Bodocongó, na Paraíba, quando o avião em que viajava chocou-se com a mata densa da serra. Das 40 pessoas que estavam no avião, 13 morreram. O comediante se emociona até hoje ao falar sobre o assunto.

2 - Advogado - Renato Aragão formou-se na Faculdade de Direito em 1961, mas nunca teve a intenção de advogar. O objetivo era facilitar sua ascensão no Banco do Nordeste, para o qual foi aprovado num concurso público onde participaram quase 2 mil candidatos.

3 - O maior e o menor show dos Trapalhões - O maior show dos Trapalhões foi para 200 mil pessoas em Esteio (RS), quando o palanque foi derrubado. O menor foi para 7 crianças, numa rica festa particular, em Belo Horizonte. O grupo só soube na hora.

 4 - Pagador de promessa - Para pagar uma promessa, já que perdeu e achou o filho Paulo, de 3 anos, na Praia do Flamengo, no Rio, Renato Aragão subiu os 382 famosos degraus da Igreja da Penha carregando a criança nas costas.

5 -  Tião Macalé - Menino órfão criado pela Irmã Dulce, o baiano Tião Macalé (1926-1993) será sempre o quinto Trapalhão para Renato.  Macalé foi contratado por causa da sua indefectível risada e do bordão “Ih! nojento! Tchan!”. Nos bastidores, ele, que era Flu, implicava com o flamenguista Mussum.

6 - Não usa roupa preta - O ator só usa camiseta preta se for uma exigência do figurino para o personagem Didi. Suas cores de roupas preferidas são azul e branco. Essa mania foi desenvolvida há aproximadamente 20 anos.

7 - Fã de Tarantino -  Poucos filmes impressionaram tanto Renato nas últimas décadas quanto Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino. Ele adora o tom cartunesco e vingativo da história contra os nazistas. E também adora os atores Christoph Waltz e Diane Kruger, que atuam no filme.

8 - Timidez - Didi é uma alegre e eterna criança, mas Renato Aragão é um homem sério, tímido e educado. Ri com moderação, fala baixinho. Na infância e adolescência, ele era muito mais tímido, mas mudou quando viu Oscarito, seu maior ídolo, no cinema e se inspirou nele para fazer humor.

9 - Quase foi jogador - Atacante que chutava bem com a perna direita, Renato Aragão chegou a fazer teste para o time profissional do Ceará, em Fortaleza, mas optou pela segurança financeira da carreira bancária. Vascaíno, foi companheiro de pelada, no Rio, de Chico Buarque e seu time, o Polytheama.

10 - Sobrenome de Didi - O personagem Didi nasceu e se tornou popular primeiro no Ceará, mas só ganhou o seu hilário sobrenome numa cena de improviso no programa A,E,I,O... Urca, na TV Tupi, no Rio, nos anos 60. Tornou-se Didi Mocó Sonrisépio (que, às vezes, vira Sonrisal) Colesterol Novalgino Mufumbo.