De engodo em engodo

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às sextas-feiras

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  • Nelson Cadena

Publicado em 11 de agosto de 2017 às 14:21

- Atualizado há um ano

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A mentira, ou engodo se você preferir uma palavra menos carregada, passou a ser um ingrediente da comunicação de certos produtos, sempre no intuito de engabelar, enrolar o consumidor e aqui não se trata de marca, é de categoria de produto mesmo. Quer ver um exemplo? Os secadores de mãos dos banheiros de shopping centers, aeroporto, cinemas e outros lugares públicos. O fabricante tem o desplante de lhe informar que bastam 10 segundos para secar as mãos. Nem mãos de bebê o aparelho do vaporzinho, barulhento que só ele, consegue secar nesse tempo estimado. O tempo certo é entre 25 e 30 segundos, todo mundo sabe e todo mundo ignora a recomendação escrita.

E já que estamos no banheiro, o que dizer das toalhas de papel que secam as mãos? Outro engodo. O fabricante diz que bastam duas unidades e pronto. Eu já testei as duas unidades de todo jeito, enxugando dedo por dedo, reaproveitando a toalha molhada, sacodindo a mão antes para facilitar, enfim, não há como secar corretamente as mãos com duas folhas de papel. Quatro ou cinco é o recomendável e mesmo isso não chega a ser 100% eficiente. E o melhor é o texto cara de pau que lhe sugere economizar e colaborar com o meio ambiente. Economizar para quem?

Mudando de assunto, mas, dentro do mesmo espírito de meias-verdades na comunicação, faça uma visita a essas lojas especializadas apenas e unicamente em produtos naturais, preconizados como panaceias para a boa saúde, fiz isso outro dia numa grande loja de shopping e quebrei a cara. Dependendo do ponto de vista quem quebrou a cara foi ele, o dono do negócio, que perdeu um cliente em potencial. Com bastante tempo disponível, li um a um os rótulos de mais de 100 produtos “naturais” vendidos na loja. Todos, sem exceção alguma, continham acidulantes, conservantes e outros antes e outros sufixos da mesma procedência de laboratório.

É claro que não há como não se questionar: qual a vantagem de se substituir um produto industrializado comum por um industrializado “natural”? Menos sódio nesse, ou naquele, ou menos conservantes, mas em todo caso, químicos. O que nos propõem é substituir a química do “mal” pela química do “bem”. Grande troca! Se você olhar direito nas lojas do ramo, de natural somente o pão, e olhe lá. A questão é que não existe milagre e ninguém desenvolveu ainda a tecnologia que permita conservar os produtos engarrafados, ou enlatados, ou em embalagens cartonadas, sem química. Nem o dito suco de uva “natural” que é um concentrado conseguiu. É só você preparar um suco de uva mesmo, da fruta, e beber que aí você percebe a diferença. E o de coco? Esse é química pura, nem o cheiro consegue manter, que dirá o sabor. 

E quanto mais gelado mais disfarça o gosto. Foi assim que a Coca Cola “refrescante” conquistou o mundo porque ela ao natural, quente, provocava náuseas; os mais velhos contam isso. O marketing conseguiu tornar agradável uma das bebidas mais asquerosas já fabricadas pelo homem, um xarope no sentido estrito da palavra, e no figurado também. E assim vamos levando a vida consumindo gato por lebre e gato por gato e lebre por lebre e nos iludindo com chocolates sem açúcar e sem lactose e com queijos e iogurtes ditos naturais, melhor ler a fórmula antes de consumir.

Ou, então, cabe resignar-nos. Admitirmos a ideia de que somos descendentes, mesmo, do macaco e nos entupirmos de bananas. Cuidado! Mesmo assim. Podem ter quilos de agrotóxico. O problema não é o que comemos, que a civilização já nos condenou. O problema é o que nos dizem que devermos comer. A mentira de que o produto natural X preparado com substâncias químicas é melhor que o produto industrializado Y preparado com outras dosagens de química. Tudo farinha do mesmo saco e, no meu entendimento, farinha com gorgulho.