De quebrada: conheça Ailton Pitta, pintor da Feira de São Joaquim

O artista, que também pinta as placas da Ladeira do Curuzu, já foi percussionista de Edcity e Igor Kannário

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  • Rafaela Fleur

Publicado em 17 de outubro de 2017 às 10:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Angeluci Figueiredo

Aparentemente, é só mais um jovem andando animado pelas Feira de São Joaquim. Ailton Pitta é figura conhecida por lá e autor de grande parte das placas de lojas e barracas. E não é qualquer plaquinha não, viu? Ele abusa das cores e dos traços, tudo pintado à mão, lá mesmo, em minutos.  Da imensa Casa Preto Velho às pequenas bancas de frutas, dá para ver os traços de Ailton por toda parte. Quando peço desculpas pelo atraso, ele responde de pronto: “Pega nada não, sou da quebrada”. 

Suas obras também estão em outra região emblemática da cidade, o Curuzu, na Liberdade, onde mora e é conhecido como ‘rasta’. Num passeio pela ladeira que dá nome à área, ele grita várias vezes: “Eu que fiz, viu?”, enquanto aponta para as fachadas de estabelecimentos diversos. Em menos de um minuto, faz isso oito vezes. Com as mãos sujas de tinta e carregando três plaquinhas, o rapaz mostra que de inexperiente não tem nada. Só parece.

Por trás da aparência de menino há um homem de 38 anos - 25 deles trabalhando como artista plástico, 15 tocando na banda do Ilê Aiyê, 10 praticando surf amador e cinco pintando placas e muros na maior feira livre de Salvador. “Rapaz, eu amo esse lugar. Ele tem uma atmosfera, uma energia. Tem coisas que você só vai ver aqui”, garante, enquanto gesticula animadamente com as mãos.

Apaixonado por cores, especialmente pelo verde, Ailton gosta de espalhar arte pelos muros das periferias. “Meu trabalho é na favela, minha parada está lá. Vá na Suburbana, chegue na Liberdade”, relata. Aliás, foi pichando nas ruas que tudo começou. Na adolescência, se juntou com amigos e montou um grupo de grafiteiros. “Não tinha propósito, era tudo pela adrenalina”, conta. Os rolés renderam dois anos de prisão.

Nos trabalhos, mensagens para os jovens. “Quero alertar a galera sobre essa onda de facção. Sou um testemunho vivo. Já fui recrutado, tinha tudo parar estar andando por aí com arma na cintura. Já perdi inúmeros amigos”, conta ele, que criou um projeto social chamado Corredor Cultural, cujo principal objetivo é pintar os muros do Curuzu com material reciclado.

Música As mãos inquietas costumam trocar pincel e tintas por tambores. Ailton é percussionista e, além da Band’Ayiê, já tocou com artistas como o pagodeiro Edcity e o músico e vereador Igor Kannário. Desse último, guarda boas lembranças: “Kannário me pagou foi R$ 7 mil para trabalhar 5 dias de Carnaval, minha filha”. Na bagagem, viagens para diversas capitais do Brasil e até para a África, junto com o Ilê Ayiê, onde ele mais se emocionou. “Foi incrível, a gente foi fazer uma turnê no Senegal”, conta. O amor foi tanto que inspirou a banda do próprio Ailton.

Afastado profissionalmente do Ilê - apesar de frequentar religiosamente os ensaios e não perder um dia sequer do bloco no Carnaval -, o rasta se dedica ao grupo África Hits, junto com os irmãos. “É uma pegada pro lado do pop, sacou?”, explica, cheio de propriedade.

Família Filho de pais casados há mais de 50 anos, ele está solteiro e tem duas filhas - Talita, de 16, e Brenda, de 14. A relação é de amizade: “A gente bate o maior papo, sai pra curtir junto”, relata, enquanto rói as unhas sem parar. Essa, inclusive, é uma das suas manias. A outra é não ficar no escuro em hipótese alguma - ele tem pavor. Altura? Também não gosta. “Eu sou chorão pra caramba, tudo eu choro. Tenho ciúme de amigo, não gosto quando saem comigo e depois já estão saindo com outros, fico bravo”, conta, aos risos.

Sobre o futuro, planeja viajar e estudar. “Quero fazer faculdade, aprender mais sobre a minha arte. Também quero surfar no Havaí, eu gosto de andar. O mundo é muito grande, entendeu?”. Enquanto isso não acontece, segue trabalhando. “Faço grafite, decoro ambientes, quarto infantil, pinto casa, geladeira, faço quadros... Só chamar, pegou a visão?”.