Debate nas artes: conservar ou inovar?

Onda de conservadorismo vem impactando meio artístico; CORREIO coletou opiniões

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 18 de outubro de 2017 às 05:31

- Atualizado há um ano

Desde o cancelamento da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, em setembro, no Santander Cultural, em Porto Alegre - o debate sobre a censura na arte não sai de cena. Passou pela polêmica envolvendo a performance La Bête, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, e corre o risco de ganhar novo fôlego com a abertura da exposição Histórias da Sexualidade, na próxima sexta, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), sobre  erotismo e questões de gênero.

Afinal, o que está acontecendo no universo da cultura e das artes: são as expressões que estão ultrapassando os   limites do aceitável ou a sociedade que vive um movimento conservador de censura e intolerância? As opiniões são muitas e estão longe de apontar para um consenso.

Chegado num bom debate, Caetano Veloso surpreendeu a plateia na inauguração da nova sede do Mídia Ninja, na última segunda, em São Paulo, ao afirmar que algum conservadorismo é necessário. “Uma sociedade precisa persistir e para persistir ela tem que ter um aspecto conservador de si mesma. Isso não se manifesta necessariamente em atos reacionários. Não necessariamente todo conservadorismo é reacionário. De todo modo, algum conservadorismo é necessário. Pode não ser desejável mas é necessário”, disse.

E ainda afirmou que há um certo aspecto positivo nas manifestações explicitas das “ forças neoconservadoras” no Brasil e no mundo. “Isso não é ruim. Antigamente, a direita americana usava a expressão maioria silenciosa, que era aquela gente que não faz barulho, mas segura o aspecto conservador da sociedade. Hoje, essas tendências conservadoras não estão silenciosas e é bom porque ficam claras as visões de mundo que estão espalhadas no seio das sociedades”, pontuou Caetano. Performance La Bête, no MAM-SP: polêmica e denúncia no Ministério Público (foto/Humberto Araújo/divulgação) Uma visão, na opinião da escritora e dramaturga Aninha Franco, que corresponde a um comportamento social arraigado e baseado numa educação conservadora. “O brasileiro e o baiano são naturalmente conservadores. O que assistimos hoje é a expressão de milhares de opiniões que estavam represadas e, com o advento das redes sociais, se mostraram com a força de um tsunami”, diz.

Aninha defende que os artistas precisam assumir uma postura mais crítica e combativa.  Mas, ressalta que os investimentos irrisórios em cultura, ciência e educação colocam a intelectualidade brasileira na rabeira do desenvolvimento mundial. “Sem políticas públicas decentes e inteligentes, vamos continuar conservadores, babacas e sem leitura”, provoca, ressaltando a retirada de incentivo do governo federal para o desenvolvimento da ciência e educação.

Resistência criativa O diretor do Museu de Arte da Bahia (MAB), o sociólogo e fotógrafo Pedro Arcanjo da Silva acredita que a postura conservadora nas artes pode desviar a atenção para as questões políticas e econômicas em discussão no Congresso Nacional.

 “Não se pode aceitar a reação conservadora como natural. Não é preciso concordar ou mesmo assistir determinados espetáculos, mas é preciso resistir e, nesse momento, a classe artística e cultural precisa ser ainda mais criativa e brilhante”, diz.

O MAB, destaca Pedro Arcanjo, está desenvolvendo uma série de atividades chamadas de Diálogos Contemporâneos, onde questões como essas estarão no centro do debate. Essas atividades são realizadas numa parceria com a Universidade Federal da Bahia e coordenadas pelo professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e ex-secretário de Cultura do Estado  Albino Rubim. Exposição Queer Museu no Santander: estopim para discussões sobre censura na arte contemporânea (foto/divulgação) Valores - O diretor de teatro e ex-secretário de Cultura do Estado  Marcio Meirelles lembra que desde que o mundo é mundo as artes servem como ferramenta de expressão da humanidade. “Não se trata de conceituar o que é ou o que não é arte, mas entender a razão daquela expressão é o que definirá o objeto como arte”, observa.

 Marcio ressalta que as obras estão no mundo para gerarem indignação, espanto, admiração, mas que elas não podem deixar o espectador imune à experiência. “É fundamental que o apreciador seja atritado pela experiência artística, mesmo que ela vá de encontro às suas preferências e valores”, pontua.

Para Meirelles, se há alguma lição tirada destes últimos acontecimentos, onde a censura esteve presente, é o fato de que a máscara de um povo simpático, gentil, festivo e cordial caiu por terra. “A repercussão desses últimos acontecimentos mostrou a cara de uma sociedade agressiva, violenta, pouco afeita ao diálogo e intolerante”, completa.

O diretor do Teatro Vila Velha é enfático ao afirmar que a sociedade precisa romper a apatia e deixar de se posicionar apenas em questões mais simples. “A classe artística precisa parar de demonizar o mercado, pois se não trabalha com o mercado, ficará sempre dependente do estado e o governo será sempre gerido por grupos políticos”, cutuca Meirelles.

Outro Jesus Com abertura na próxima semana, o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC) também entra no debate, com rodas de conversas e com o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, que traz a atriz e travesti Renata Carvalho interpretando Jesus personificado numa mulher.

 A produção chegou a ter uma apresentação proibida, no mês passado, em um teatro de Jundiaí, em São Paulo, cumprindo decisão da Justiça daquela cidade. “A ideia de uma peça como essa, por exemplo, não é profanar, mas lembrar que as religiões são espaços de amor e não de ódio”, observa Felipe Assis, curador desta edição do FIAC.

Para Felipe Assis, o mais preocupante em situações como a enfrentada pelo espetáculo é que a arte sempre foi o lugar do diálogo e da escuta. “O ódio e a intolerância buscam o silêncio e no silêncio não se dialoga, não se constrói soluções conjuntas”, completa, reforçando a ideia que o crescimento social se dá por meio da possibilidade de conviver com o diferente. “A convivência é conviver com... Não se pode viver achando que é possível suprimir o outro”, completa.