Desconectados: quatro em cada 10 lares baianos não tem acesso à internet

Preço do serviço é apontado com um dos motivos para a desconexão

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  • Nilson Marinho

Publicado em 22 de fevereiro de 2018 às 07:17

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

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Nem dá para acreditar que, na Bahia, de acordo com um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado nesta quarta-feira (22), essa matéria, provavelmente, não deve entrar em pelo menos quatro em cada 10 lares que não possuem acesso à internet - a não ser que você, leitor, seja o nosso assinante da versão impressa. Já em um em quatro domicílios não há nem telefone fixo, tampouco móvel. São os desconectados. 

Quem quiser encontrar o amolador Emanuel Domingos, 78 anos, que vá a seu encontro, entre a Rua do Areal de Cima e a do Mingau, no 2 de Julho, onde fica seu comércio. Para bater um papo ou antecipar uma visita só tête-à-tête mesmo, cara a cara. Se preferir pode fazer uma ligação, certamente ele vai atender o "tijolão", que não tem acesso à internet, ressalto. Perfil nas redes sociais? Vá amolar outro, porque Emanuel não tem computador e nem sinal de wi-fi. Falta não faz, garante ele. 

"O meu é desse aqui, ó, do simples. Esses outros, mais modernos, descarregam rápido. Mas ele anda muito devagar, quase nem funciona. Computador eu não tenho, quando eu preciso resolver alguma coisa só na lan house, mas, também, não sinto falta", afirma Domigos.

Altos preços Para os pesquisadores do IBGE, aqueles que responderam não ter acesso à internet colocaram a culpa nos altos preços dos serviços oferecidos pelos provedores. Essa foi a justificativa de 708 mil lares baianos, o que representa 30% dos motivos para a falta de conexão. Já em todo o país, a razão da maioria foi por pura falta de interesse (34,8%).

Voltando novamente para Bahia, a falta de interesse por aqui foi a segunda razão mais citada por 28,7% dos entrevistados. A mesma pesquisa revela que em pouco mais de um em cada cinco residências que não possuem conexão a razão é porque os moradores não sabem navegar pela web (20,7%). 

Para o pesquisador em cibercultura da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), André Lemos, os preços e os serviços oferecidos pelas empresas estão longe de ser satisfatórios. Mas o que reflete tais dados, segundo ele, é o custo-benefício dos pacotes que, na região Nordeste, costumam ser piores comparados, por exemplo, com a Sudeste. 

Os altos preços acentuam a desigualdade no acesso à rede de computadores, embora muitos ainda possam pagar por dados móveis, como o 3G. "Por outro lado, quem não tem conexão, internet em casa, pode usar, por exemplo, a partir do telefone celular, pelo 3G que, mesmo assim, não é um bom serviço. Mas esse consumo também reflete uma desigualdade porque muitos não podem pagar", acredita o pesquisador. 

Já para Mariana Viveiros, analista de informações do IBGE, o número de pesssoas que reclamam dos altos preços dos serviços pode ter relação com uma pesquisa também realizada pelo órgão, em 2016. "A pesquisa realizada apontou que a Bahia é o 4° estado com os menores salários, então, acredito, não deve ser porque, de fato, são caros, mas porque como ganhamos menos, temos a percepção de que esse valor é elevado", acredita a analista. 

Desconectada Lá na casa da recepcionista Ivana Reis, 34, wi-fi só do vizinho, sorte que a vizinha é sua irmã, nesse caso não tem problema roubar o sinal. Pena que há um mês levaram de assalto o único aparelho móvel da casa. Ela também não tem computador e nem aparelho fixo.  Foto: Marina Silva/CORREIO Quando quer conferir os likes e os bochichos da rede só pelo computador do trabalho, na Rua do Rosário, Politeama ou em uma lan house a poucos metros de lá. Ivana diz não sentir falta de andar desconectada, também não tem previsão de quando terá um novo aparelho por temer que "o ladrão leve de novo". Àlias, os preços dos pacotes que incluem internet, TV a cabo e telefone fixo, para ela não são atrativos. 

"Eu fechei com alguns planos, mas eu contratava o serviço por um valor e a fatura chegava com um outro, foi assim com duas empresas. O meu celular? É o terceiro que os ladrões levam. Penso em comprar, sim, se Deus me ajudar. Mas primeiro vai ser o do meu filho que tem 16 anos e reclama que tem vergonha porque todos os amiguinhos tem um celular e ele não", conta a recepcionista.  

Na lan house onde ela costuma navegar, a atendente Laís Nery, 24, diz que, por lá, a maioria dos seus clientes também não possuem acesso à internet em casa. Muitos também dizem não ter afinidade com a rede, aí fica a cargo dela ajudar os marinheiros de primeira viagem. "Ainda temos muitos clientes que só vem acesso à internet. Claro, o nosso maior lucro é com outros serviços, impressão, cópia, mas tem aqueles que só vem para ver besteiras, ficar nas redes sociais", conta Lais.

Ranking O número de residências sem aparelhos fixos e móveis, como o da recepcionista, faz com que a Bahia seja o 4° estado com o menor número de aparelhos em domicílios. Por aqui, 10,2% dos 5,2 milhões de domicílios - ou 529 mil residências - não contam com a presença dos aparelhos de ligação. A Bahia empata com o Acre e ultrapassa os estados do Maranhão (16,6%), Pará (13,3) e Amazonas (11,4%).

No Brasil, 5,4% dos domicílios - ou 3,8 milhões - não tinham telefone (fixo ou móvel), percentual que era próximo do zero no Distrito Federal (0,9%). Ainda falando do Brasil, um em cada três domicílios tinham ao menos telefone fixo (33,6%), enquanto na Bahia, esse tipo de telefone existia apenas em 17,3% dos das casas, ou seja, em 82,7% das residências baianas - 4,3 milhões - não havia telefone fixo em 2016.

As proporções, ainda de acordo com a pesquisa, praticamente se inverteram no estado quando se tratava de telefones celulares: 88,4% dos domicílios baianos - 4,6 milhões em números absolutos- tinham ao menos um aparelho de celular, enquanto 11,6% não tinham. 

Internet para todos É capaz que na próxima pesquisa do IBGE esses números possam mudar. Isso porque no dia 29 de janeiro, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, apresentou a prefeitos baianos um plano de levar banda larga para escolas, hospitais e localidades sem conectividade, se estendendo também para todo o país. 

Em Salvador, Kassab lembrou que, para participar do programa, os municípios devem se habilitar e assinar um convênio com o governo federal. A partir daí, antenas serão instaladas gratuitamente nas regiões sem conectividade apontadas pelas prefeituras para distribuir banda larga num raio de 2 km.

"Essa banda larga vai trazer agricultura de precisão para áreas rurais sem conectividade, melhorando a eficiência da produção rural. E estamos preparados para levar conectividade a qualquer canto do Brasil. Não é que estamos preparados para que isso aconteça daqui a dois, três ou quatro anos. Estamos preparados para que aconteça em breve", disse Kassab. Segundo ele, as antenas serão instaladas por uma empresa, que terá capacidade para realizar "dezenas" de instalações por dia. À prefeitura caberá a segurança da antena.

Kassab lembrou que a banda larga do programa Internet para Todos vem do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) da Telebras, lançado ao espaço em maio de 2017, um investimento de R$ 3 bilhões do governo federal. Após o lançamento, o MCTIC passou a assinar um conjunto de convênios para usar a capacidade do satélite.

O primeiro foi assinado com o Ministério da Defesa para que 30% da capacidade do satélite sejam usadas pelas Forças Armadas no monitoramento das fronteiras brasileiras, coibindo o tráfico de drogas e o contrabando. O segundo convênio, segundo o ministro, foi firmado pelo MCTIC e a Telebras com o Ministério da Educação para levar banda larga para as escolas públicas. "Só no ano de 2018, o MEC já contratou e pagou antecipadamente para instalar banda larga em 7 mil pontos. Com isso, vamos melhorar o sistema de educação."

Kassab acrescentou que um terceiro convênio será firmado com o Ministério da Saúde para levar Internet para 15 mil pontos em hospitais e postos de saúde. "Você imagina o que é um equipamento de saúde com conectividade? Até o diagnóstico pode ser feito remotamente", explicou. Além dos convênios com os ministérios, o MCTIC também abriu prazo para que provedores de SCM se inscrevam para oferecer o serviço de banda larga em diversos municípios remotos no país.