'É como tirar o nome de uma pessoa', diz moradora sobre mudança do Centro de Convenções

Protesto pediu permanência do equipamento no Stiep

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  • Amanda Palma

Publicado em 24 de setembro de 2017 às 13:45

- Atualizado há um ano

“É como tirar o nome de uma pessoa, tirar a sua identidade”. Foi desse jeito que a contadora Elenize Velame definiu a mudança do Centro de Convenções da Bahia (CCB) para o Parque de Exposições. Ela integra a Associação SOS Centro de Convenções e participou do 'abraçaço' que aconteceu na manhã deste domingo (24), na frente do equipamento. O objetivo era chamar atenção do governo sobre os prejuízos causados pela transferência do equipamento.

Moradora da região há 35 anos, Elenize lembra de quando chegou ao lugar habitado por poucas casas e somente dois edifícios residenciais. “Quando eu vim pra cá, o Centro de Convenções era um menino de quatro anos. Ao longo desses 35 anos, a gente viu os bairros crescendo ao redor dele. Aí na Baixa Fria, mesmo, era um areal. Ele foi o chamariz para os bairros surgirem”, disse.

Além disso, o CCB é uma referência para quem mora no bairro. “Sempre quando me perguntam onde eu moro, sempre digo que é perto do Centro de Convenções. Toda a comunidade ao redor tem ele como referência, e muitas pessoas foram moldando sua vida por ele”, completou Elenize, citando as pessoas que moram próximo ao equipamento e trabalhavam como ambulantes em dias de eventos. Moradores, representantes do trade turístico e ex-funcionários participaram de ato (Foto: Betto Jr/CORREIO) O ato de protesto foi promovido pelo trade turístico e começou por volta das 9h30. De mãos dadas, os manifestantes fizeram um abraço simbólico em volta do CCB e soltaram balões brancos, ao som do hino nacional. Antes, um minibolo com uma vela serviu para cantar os parabéns pelo um ano de desmoronamento de parte da fachada do centro. 

A dona do Salvador Mar Hotel, que fica perto do CCB, Lígia Uchôa, também participou do ato. Desde que assumiu a gestão do hotel, há pouco mais de 1 ano, viu a oportunidade do negócio próspero ir a baixo. “A gente veio porque sabíamos que o Centro de Convenções ia ser entregue em setembro, mas não aconteceu. Já tive que demitir 10 funcionários e provavelmente vou ter que demitir mais quatro”, contou.

Quase vazio, neste domingo o hotel tinha 34 dos 69 leitos ocupados. “Isso porque teve a maratona ontem e o passeio ciclístico”, explicou. Lígia nunca viu a piscina do hotel ficar cheia. “A piscina fica sempre vazia. Em um ano, não tivemos 40% dos leitos ocupados. Se o CCB tivesse ativo, a gente teria 80% de ocupação diária”, afirma.

Segurança Moradores da região também reclamam da falta de segurança que atinge a região após o fechamento do CCB e, principalmente, após o desmoronamento. O CORREIO já flagrou diversas cenas de roubo de peças e partes da estrutura dentro do equipamento. Algumas pessoas chegaram a ser presas, mas os furtos continuaram na área.

Hoje, durante o protesto, uma viatura da Polícia Militar acompanhou a movimentação. Dentro da estrutura, seguranças cuidavam do patrimônio. “Completou 1 ano e nada foi feito. Virou um centro de convenções de bandidos e traficantes, de roubos constantes”, diz a pedagoga Dorileide de Oliveira, que mora há 13 anos no Costa Azul. Participantes da manifestação deram as mãos para 'abraçar' o CCB (Foto: Betto Jr/CORREIO) Depois do desmoronamento, os assaltos na região aumentaram. “A gente precisava preservar também o nosso patrimônio”, completa Dorileide. Ela lembrou também que toda a região acaba sendo desvalorizada com a transferência do CCB para o Parque de Exposições.

“Além dos hotéis que estão fechando, nossos imóveis também ficam mais desvalorizados e ninguém aqui quer isso”, afirma a pedagoga, que ainda lembra do barulho forte que ouviu na noite em que parte da fachada desabou. “Foi assustador”.

Tristeza Ex-funcionária do CCB, Gildene Larsen viu o equipamento ir se desgastando com o tempo. “Trabalhei por 37 anos aqui. Me dá dó, me dá pena ver como ele está. Isso aí foi descaso, falta de manutenção mesmo”, diz. Apesar de não trabalhar mais, ela também discorda da mudança de lugar. “Essa localização aqui é ideal, perto da Orla, perto do aeroporto, próximo de tudo. Não tem por que sair daqui”, opinou a aposentada.

O aposentado Rosivaldo Barreto, 66, que também trabalhou no equipamento, contou que também estava sofrendo com a situação. “É uma tristeza ver o que está acontecendo aqui. Você vê os hotéis fechando as portas e isso é uma vergonha para o turismo da Bahia, está destruindo a imagem do estado”, lamentou o aposentado. “Eu vim para defender o patrimônio que não é só meu. Parece que não estão pensando as consequências do que vai acontecer”, disse. 

Diálogo O presidente do Conselho Baiano de Turismo (CBTur), Roberto Durán, ressaltou que o trade sempre esteve aberto para dialogar com o governo sobre o CCB. “Nós sempre tivemos abertos ao diálogo. Esse não é um problema só dos empresários, mas da população de Salvador como um todo”, afirmou.

O prejuízo anual estimado com o fechamento do CCB é de R$ 220 milhões apenas no setor de hospedagem, explicou Sílvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (FeBHa). “O governo vem com ideias de cima para baixo e cada vez que a gente vai contra, surge algo. Só pensa em construir novos hotéis, mas tem dois hotéis novos ali que não estão nem com a capacidade máxima. Ninguém percebe que essa ideia é um desencontro total”, disse Pessoa.

Apesar da mobilização, o governador Rui Costa garantiu, em entrevista ao CORREIO, que o CCB não vai continuar mais na antiga sede. “A decisão está tomada.  A condição melhor para o Centro de Convenções é no Comércio, mas até agora não temos decisão das áreas possíveis e nós iniciamos o processo para levar ao Parque de Exposições”, afirmou o governador, durante solenidade de entrega de casas do Parque São Bartolomeu, neste domingo.

O governador destacou que questões naturais como o salitre favorecem que o CCB saia de vez do Stiep. “Aquela área do Stiep é uma área desde quando foi construída que ali é de forte salitre. Ou seja, aquela área é a maior concentração de salitre na Bahia e uma das maiores do Brasil. Ali não tem condições técnicas e viáveis de ter o equipamento e não foi só o Centro de Convenções. Aquele shopping que já existiu ali (Aeroclube) foi à falência e mostrou que não se sustenta pelo nível de salinidade e o Estado não vai construir mais nada ali.  Qualquer construção tem que ser como residências. Nós vamos desmontar e licitar. Se houver tempo, será no Comércio. Caso contrário, será no Parque Exposições”, reafirmou. 

Zona Especial Presente no ato, o secretário municipal de Turismo, Cláudio Tinoco, explicou que o CCB está em uma Zona Urbana Especial, conforme previsto na Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos), assim como o Parque de Exposições e a Arena Fonte Nova. Ao todo, são 13 áreas da cidade que se enquadram nesse modelo.

Segundo Tinoco, o zoneamento classifica a área como uma região que precisa de atenção especial. “Isso significa que essa intenção do governo do estado de construir um Centro de Convenções em outra área da cidade e dar esse espaço [no Stiep] dar uma outra destinação, vai estar condicionada a uma autorização e licenciamento da prefeitura. Essa decisão vai passar por essa análise e por isso sempre pleiteamos que houvesse transparência”, explicou.