'É preciso entender por que a mulher se mantém nessa situação de violência', diz presidente do STF na Bahia

Cármen Lúcia participou da Jornada Maria da Penha

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  • Da Redação

Publicado em 18 de agosto de 2017 às 12:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: EBC/Divulgação

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, afirmou na manhã desta sexta-feira (18), em Salvador, que é preciso discutir a situação que envolve a violência doméstica. Atualmente, a Bahia tem 26,7 mil processos de violência contra a mulher em seis varas de atendimento. Hoje, a ministra participa da inauguração de uma nova vara, que funcionará na Unijorge (Avenida Paralela).  Cármen Lúcia discursou na abertura da Jornada Maria da Penha (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) "É preciso entender por que a mulher se mantém nessa situação de violência e o homem que cometeu essa violência também precisa de ajuda, de um tratamento", destacou a ministra em ato que abriu as atividades da XI Jornada Maria da Penha, que pela primeira vez acontece fora de Brasília. 

A presidente do STF participou da solenidade de abertura da semana no auditório do edifício-sede, no Centro Administrativo da Bahia. "A violência é sempre injusta. A violência é a falha de justiça. A paz ou a violência em casa não fica nos limites da casa. Até porque há muita violência entre pessoas que nem casa tem. A violência ultrapassa a porta de casa. Uma pessoa que tem uma convivência com seus amigos de forma harmoniosa, não age com violência com ninguém", destacou a presidente do STF. "Quando se tem tamanha violência contra as mulheres estamos construindo uma sociedade que ficará como a herança da pouca margem da civilidade", Cármen Lúcia, presidente do STF A ministra falou ainda que cresceu em uma cidade do interior e seguia os conselhos da mãe de que sempre que lhe acontecesse algo era para chamar um adulto. "Hoje se diz para as crianças que não aceitem nada dos adultos. O outro se tornou inimigo. Uma sociedade de inimigo é uma sociedade sem chance de dar certo. Vivemos em sociedade pra termos respeito, dignidade", argumentou a ministra. 

Ainda de acordo com ela, o objetivo não é incentivar o ódio aos homens. “Não é porque eu odeie homem. Pelo contrário, adoro homens!”, declarou a ministra. 

Justiça restaurativa A nova vara que foi inaugurada em Salvador foi batizada de 3ª Vara de Justiça pela Paz em Casa e que vai atuar como justiça restaurativa. A unidade vem para desafogar as outras duas varas já existentes na capital que acumulam 10,8 mil processos juntas. De janeiro a julho deste ano, foram 3,2 mil processos recebidos.

A juíza Marta Moreira, que vai assumir a unidade, explicou que a nova modalidade da Justiça se preocupa com nuances além da questão jurídica e possíveis medidas punitivas para os agressores.

“A Justiça Restaurativa vem pra cuidar também da pessoa. Nós analisamos os traços que se apresentam nas situações e verificar se dentro daquela situação apresentada ou a pessoa mostra o caminho que para gente possa trabalhar e resgatar aquela pessoa, não só a relação, mas dignidade de cada um, sensibilidade além de tudo”, explica.

Apesar da expectativa de desafogar as Varas já existentes, a juíza lembra que as demandas são crescentes. “É claro que toda unidade jurisdicional que é implantada visa desafogar o serviço, mas a sociedade apresenta um volume de trabalho muito grande”, diz. 

A juíza ressaltou ainda que a unidade tem caráter multidisciplinar. “Então a busca de alternativas para solucionar esses conflitos que não seja só uma aplicação de pena que passe pelo magistrado. Vamos trabalhar com psicólogos, mediadores. Vamos desdobrar os casos, mas a visão jurídica vai se estar sempre presente. O objetivo é ampliar o trabalho. A cada caso vai ser uma forma de tratamento”, afirma.

A desembargadora Nágila Brito, responsável pela Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia, afirmou que não há motivos para se preocupar com a mudança de nome da Vara, porque os serviços serão ampliados, mas as punições não vão ser amenizadas. “A Justiça Restaurativa não quer dizer que vai ser conciliação. O processo vai continuar e vai ter uma sentença. O que vamos fazer é fornecer à mulher mais um instrumento que a ajude a combater a violência”, explicou. 

Nágila ressaltou ainda que a mudança do nome da Vara (antes Vara de Violência Doméstica e Domiciliar) é uma forma nova de encarar os processos. “Se a gente diz que uma Vara é de violência, estamos naturalizando essa violência, quando, o que a gente quer, é naturalizar a paz”, ressalta a desembargadora que sugeriu a mudança de nome.

Ligação com a Bahia A cantora Mariene de Castro participou da solenidade e cantou o Hino ao Dois de Julho. Mariene recebeu elogios da ministra. "Tudo que a Bahia representa, a Bahia oferece o que o Brasil tem de melhor que é a sua arte. Eu fiquei muito feliz, imaginei que teria o hino do Senhor do Bonfim para que possamos nos sentir sempre irmanados", disse a ministra. Atendendo ao pedido da ministra, Mariene cantou o hino ao Senhor do Bonfim. 

Mineira da cidade de Montes Claros, próxima à fronteira com a Bahia, a ministra contou que sempre se sente à vontade quando vem ao estado. “Sempre que chego à Bahia, me sinto em casa, ninguém precisa insistir que eu venha. Eu venho sempre. Sou de Minas, de uma cidade do Norte, e lá nos chamavam de baianeiros”, contou. Mariene de Castro se emocionou ao abraçar a ministra Cármen Lúcia (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Maria da Penha Durante o evento, o governador Rui Costa anunciou que até o final do ano 12 unidades da Ronda Maria da Penha vão estar funcionando no estado. “Vamos levar para as cidades que têm o índice de violência contra a mulher acima da média. Nos últimos anos tivemos uma redução dos números de casos, mas o número absoluto ainda é grande”, afirmou. De acordo com o governador, em 2009 os casos de lesão corporal contra a mulher chegaram a 25 mil. A projeção para 2017 é de 14 mil casos. 

“Eu diria que o sistema judiciário e o executivo estão se aprimorando e ampliando nessa parceira. Nós caminhamos para a instalação de 12 unidades Maria da Penha no estado, e já temos 15 delegacias especializadas da mulher, com maior incidência e ocorrência de violência contra mulher”, disse.

Essa é a primeira vez que a XI Jornada Maria da Penha acontece fora de Brasília. O encontro tem como temas principais a inclusão das ações da Justiça Restaurativa no combate à violência doméstica e a assistência às vítimas e parentes que passam por esses dramas.