E se a neutralidade da rede acabar no Brasil?

Se isso ocorrer no Brasil, as operadoras poderão cobrar à parte por acesso a sites como YouTube ou Netflix

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  • Roberto Midlej

Publicado em 16 de janeiro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda

Já imaginou se você tivesse que assinar um pacote de sites da mesma forma que paga por um pacote de TV por assinatura? Por uma mensalidade de R$ 100 pela sua banda larga, teria acesso, por exemplo, ao Facebook e a sites de notícia. Mas, se quisesse ter acesso ao YouTube ou à Netflix, teria que pagar R$ 150.

Essa cobrança diferenciada é a maior consequência que a queda da neutralidade da rede, ocorrida no mês passado nos EUA, deverá trazer para os usuários americanos. E é isso que muitos internautas brasileiros temem que ocorra também por aqui, caso as operadoras, com seu lobby forte, consigam derrubar a neutralidade no Brasil.

Segundo a Coalizão Global pela Neutralidade de Rede, entidade que reúne especialistas e ativistas de dezenas de países, neutralidade da rede é “o princípio segundo o qual o tráfego da internet deve ser tratado igualmente, sem discriminação, restrição ou interferência independentemente do emissor, recipiente, tipo ou conteúdo, de forma que a liberdade dos usuários de internet não seja restringida pelo favorecimento ou desfavorecimento de transmissões do tráfego”.

Marco Civil A neutralidade que vivemos assegura que as operadoras não podem bloquear sites ou dificultar o acesso a determinados conteúdos. Esse dispositivo garante ainda que todos os sites devem ser navegados à mesma velocidade. Por exemplo, se você tem um contrato de 50mb/s com sua operadora, essa velocidade deve ser a mesma tanto para o YouTube como para acessar o seu email ou sua rede social.

Com o fim da neutralidade, o YouTube pode pagar aos provedores para que o acesso aos vídeos daquele site sejam priorizados. Aí, quando você for acessar seu email, vai demorar muito mais para baixar aquele documento urgente que recebeu em sua caixa. No Brasil, a neutralidade da rede é garantida pelo Marco Civil da Internet (2014). Segundo a advogada Ana Paula de Moraes, 45 anos, especializada em direito digital, o Marco Civil é uma espécie de constituição da internet, que assegura, além da neutralidade, outros importantes itens, como a privacidade do usuário. “Já houve 56 tentativas de alterar o Marco Civil e a maioria delas era relativa ao limite de dados. Isso mostra mais uma vez o lobby das empresas de telecomunicação, que, sorrateiramente, tentam mexer na neutralidade”, afirma Ana Paula.

A reportagem procurou dois provedores de acesso, que não se manifestaram sobre a neutralidade: a NET não respondeu às perguntas enviadas por email e a Oi informou que caberia à Sinditele (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular) responder. Essa última, no entanto, afirmou que não se manifesta sobre o assunto no momento.

Ana Paula acredita que, mesmo com a queda da neutralidade nos EUA, a chance de ocorrer um “efeito cascata” no Brasil é pequena. “Para isso acontecer, o Marco Civil precisaria ser parcialmente anulado e é muito difícil que isso ocorra. Além disso, o Ministério Público possui núcleos específicos que tratam de assuntos relacionados à internet. Acrescento ainda que o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) é muito forte”, defende a advogada.

Há entre a legislação brasileira e a americana uma diferença que dificulta a queda da neutralidade por aqui: enquanto nos EUA a internet é considerada apenas um serviço de telecomunicação, aqui o acesso à rede é considerado “essencial ao exercício da cidadania”.

A seguir, entrevista com Ana Paula de Moraes, advogada especializada em direito digital Ana Paula de Moraes, advogada Foto: Marina Silva/CORREIO Como a senhora define a neutralidade da rede? É um dos princípios estabelecidos pelo Marco Civil brasileiro, que garante ao consumidor que as operadoras de banda larga não priorizem um conteúdo em detrimento de outro. Com a neutralidade, a operadora cobra de acordo com a velocidade contratada e não de acordo com o conteúdo contratado.

Que outras garantias o Marco Civil oferece ao usuário? Garante a inviolabilidade da intimidade, o sigilo do fluxo de comunicação. As prestadoras não podem vender seus dados de maneira nenhuma. E é isso o que tem mais valor na internet. Mas a neutralidade não tem relação com essa garantia de sigilo. Mesmo sem neutralidade, o sigilo fica garantido.As empresas de telecomunicação apontam alguma vantagem com o fim da neutralidade? As teles argumentam que a quebra da neutralidade seria positiva para alguns usuários. Afirmam que alguns consumidores sairiam ganhando, porque há usuários que pagam por um pacote completo, mas não o usam. Segundo as teles, quem acessa pouco passaria a pagar menos e quem usa mais pagaria mais. Mas é um argumento discriminatório, que contraria o Marco Civil, que não faz essa diferenciação.

Veja vídeo de Felipe Castanhari sobre neutralidade da rede: