'Ele me desafiou dentro da minha casa', diz piloto de avião atacado por urubu

Instrutor de aviação, Matheus Guerra já participou de investigação interna para apurar acidente aéreo envolvendo um urubu. 'Embate' ocorreu em apartamento no Caminho das Árvores

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  • Tailane Muniz

Publicado em 17 de agosto de 2017 às 16:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
O urubu nervosinho na janela de um dos apartamentos do edifício Porto Sol, ontem por Foto: Argemiro Garcia

Formado em uma escola de aviação há cinco anos, o piloto Matheus Guerra, 26 anos, soma em sua carreira 126 horas de voo. Embora tenha certa experiência no ar, foi na terra - mais precisamente na cozinha de sua casa, no bairro do Caminho das Árvores, em Salvador - que ele ficou frente a frente com uma das principais pedras no sapato de qualquer piloto: um urubu."Ele me desafiou dentro da minha casa. Eu mandava sair, mas ele veio atrás de mim e me atacou como se eu fosse carniça", lembra Matheus, que ficou ferido no antebraço esquerdo após ter seu apartamento invadido pela ave, na manhã desta quarta-feira (16).  O rapaz procurou uma clínica particular para tratar do ferimento, mas foi encaminhado para o Hospital Couto Maia, na Cidade Baixa, onde tomou a vacina antitetânica. Parcialmente recuperado do ataque, que lhe rendeu uma lesão em um nervo da mão e três dias de atestado médico, Matheus analisa que o incidente, bastante curioso, pode não ter passado de uma mensagem subliminar.

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Recado  Praticante do candomblé, o piloto acreditou tanto na possibilidade que até já marcou uma consulta com seu pai de santo. "Eu já liguei e mandei ele preparar o banho de pipoca e o ifá [espécie de oráculo africano] para jogar os búzios, me mostrar se é algum sinal. São 14 andares e ele escolheu justo a minha janela. Ainda chegou a voltar à tarde", conta, aos risos.

A segunda visita do animal, porém, não teve maiores sustos. "Era por volta de 14h, mas [o urubu] ficou no 6º andar, em cima da estrutura de ar-condicionado da vizinha, não mexeu com ninguém", lembra ele, que se arriscou a afirmar que o imponente invasor se trata de uma 'urubua'.

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"Eu acho que é uma fêmea tentando proteger a cria, pelo jeito raivoso que se comportou. O normal é que eles não queiram se aproximar de humanos. Cheguei a pensar que ele pode ter entrado na noite anterior e colocado um ovo em algum lugar, já que a janela estava aberta. Mas procurei e não encontrei", relata Matheus, acrescentando que passou horas pesquisando sobre como pensam - e agem - os urubus. 

A visita Era por volta de 7h quando a campanhia do rapaz tocou. Matheus, que mora no 8º andar do edifício Porto Sol, no Condomínio Residencial Iguatemi, sequer teve tempo de atender a porta. 

Ao chegar na cozinha, se deparou com a ave que, de imediato, já partiu pra cima do piloto."Veio atrás de mim, possesso, como se ele é que fosse o dono da casa. Chegou a me alcançar no banheiro, agarrou meu braço", diz ele, mostrando o ferimento. O piloto só conseguiu se livrar do animal após jogar um pano de chão sobre o invasor que, após se debater por todo apartamento, saiu voando pela janela da sala. "Era feio, nojento, havia várias moscas voando entorno dele e muita poeira. Meu braço ficou um nojo, uma baba marrom nojenta", lembra.  A marca da 'guerra' entre Matheus e o urubu: com o antebraço perfurado, foi parar no Hospital Couto Maia (Foto: Marina Silva/CORREIO) Do lado de fora do apartamento - e Matheus só descobriu isso depois do ataque - era um vizinho tentanto alertá-lo sobre a presença do bicho na janela. E antes que alguém comece a considerar que havia na casa resto de comida exposta, alimentos estragados ou, até mesmo, que o rapaz não tivesse tomado banho, o piloto garante: "Estava tudo limpo, nada que possa explicar isso. Tinha acabado de acordar para ir para o trabalho", pontua. 

O piloto mora no prédio há oito anos e garante que nunca viu o bicho rondando o local. Instrutor de voo em uma escola de aviação, Matheus contou que fez questão de relatar o episódio aos seus alunos, já que os urubus são "um perigo iminente para todo piloto". A janela da cozinha de Matheus, no 8º andar: urubu invadiu e partiu pra cima do morador (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ligue a seta Ao CORREIO, Matheus explicou que na aviação existe um procedimento padrão para evitar choque entre aeronaves e urubus. "Aqui em Salvador, na aproximação final, ou visual, para fazer a apresentação na pista de instrução e voos regionais, o procedimento padrão ao se aproximar da cabeceira 17 [pista secundária utilizada em voos regionais e locais] é parar na rotatória [imaginária] da entrada da Estrada do Cia Aeroporto, próximo ao Barradão".

Conforme o piloto, o local registra grande incidência de urubus, muito por conta do antigo aterro sanitário. "Eles existem, mas estão distantes de um contato tão próximo. O correto é esperar e ver se está livre do tráfego de aves. Olhar para os lados, especialmente para o lado em que você vai iniciar a curva. Pode ser uma espera padrão para a esquerda ou para a direita", completa.

Em caso de avistar o animal, o cuidado deve ser redobrado. "A gente tem que ligar a seta e se ligar, senão ele vem que nem um motoboy e passa arrastando tudo", brinca ele, ponderando que um choque com um urubu pode, de fato, causar um grande estrago na aeronave. "Há risco até de destruir a hélice do avião, então é perigoso".

Acidente aéreo com urubu "Não bastou colidir no ar, eles te perseguem até na folga". A frase foi enviada, pelo WhatsApp, por um amigo de Matheus e faz referência a um acidente ocorrido em 2011, quando uma aeronave pilotada pelo instrutor do rapaz foi invadida por um urubu.

"Eu não estava lá, mas participei da investigação do acidente. Quem pilotava era um alemão, meu instrutor na época. Estava voando com um aluno na curva final [próximo da pista de pouso] aqui de Salvador. Ele [urubu] entrou pelo plex [para-brisa] da aeronave, destruindo tudo. Acabou dilacerando o pescoço do aluno, que ficou internado por um mês", revela."O instrutor de voo teve muita habilidade de pousar a aeronave sem o plex, porque fica um vácuo e acaba entrando muito vento pelo espaço", explica Matheus, sobre o incidente anterior envolvendo outro (?) urubu. O visitante surpresa não voltou a dar as caras mas, caso apareça, garante Matheus: não vai ser maltratado. "É só não me atacar de novo. Como bom piloto que sou, admiro muito o voo, inclusive das aves, jamais faria um mal", diz.

Quer dizer, não 'voltou a dar as caras' vírgula! O geólogo Argemiro Garcia flagrou o bicho rondando o prédio, no início da tarde desta quinta (17). "Meu pai (fotógrafo amador de aves) acabou de me ligar. Saindo pra trabalhar, ele viu o urubu na quadra do condomínio em cima da tabela de basquete", contou a jornalista Gabriela de Paula, que mandou a foto do flagrante (ver abaixo). Te cuida, Matheus... É guerra! Segundo seu Argemiro, fotógrafo amador de aves, o urubu ainda está à solta (Foto: Argemiro Garcia)