Esgoto jorrado no mar do Rio Vermelho é suficiente para encher 300 piscinas olímpicas

Durante 42 horas, foram 5 mil litros de efluentes por segundo despejados no mar

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  • Alexandro Mota

Publicado em 26 de março de 2016 às 10:56

- Atualizado há um ano

Acostumado a receber flores, alfazema e as redes dos pescadores, o mar do Rio Vermelho  passou 42 horas recebendo esgoto sem tratamento. Segundo estimativa do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão fiscalizador do governo do estado, 5 mil litros de efluentes foram lançados na praia por segundo. Ao todo foram 756 mil metros cúbicos ou 756 milhões de litros de água, o suficiente para encher mais de 302 piscinas olímpicas ou o equivalente a sete Diques do Tororó.Tudo isso foi lançado no mar da noite de quarta-feira, quando um ônibus atingiu o poste que leva energia para a estação de condicionamento da Embasa, no Lucaia, até as 14h de ontem, quando a Coelba concluiu o serviço e garantiu a retomada do fornecimento para a estação. A recomendação é que os banhistas evitem banho de mar nas praias do Rio Vermelho, Amaralina e Ondina até domingo.A Embasa evita falar em números do prejuízo ambiental e pondera que, por conta do feriado e da cidade vazia, o volume de esgoto é atípico. A empresa informa que a capacidade do sistema - prejudicado pela falta de energia - que trata o esgoto e bombeia para o emissário Submarino do Rio Vermelho é de 8,3 mil litros por segundo.Em 42 horas cinco mil litros de esgoto por segundo foram parar mar (Foto: Marina Silva/CORREIO)“O importante agora é que o sistema já voltou a funcionar e vamos acompanhar as condições do mar”, avaliou o superintendente de esgotamento da Embasa em Salvador e Região Metropolitana, Júlio Mota.A contaminação da praia não ficou restrita ao Rio Vermelho. “Quando (o efluente) sai na costa, ele tende a ficar na costa, mas, com o vento, ele pode dispersar um pouco mais. No geral, vai no sentido Sul (Rio Vermelho-Ondina)”, explica o coordenador de monitoramento do Inema, Eduardo Topázio. Ontem, não era mais possível ver a água turva que marcava a contaminação na água em alto-mar (apenas próximo da foz com o Rio Lucaia, ao lado da Colônia de Pescadores e do antigo Mercado do Peixe). Apesar dos riscos, houve quem ignorasse o perigo e tomando banho de mar. Segundo especialistas, o contato com essa água pode provocar doenças de transmissão fecal-oral, como hepatite A, salmonelose, além da leptospirose. AnálisePara o coordenador do Inema, as bactérias da rede de esgoto sobrevivem em contato com o sol e com a água do mar de 90 minutos a duas horas. “Por precaução, consideramos sempre mais 48 horas além desse tempo”. O Inema está fazendo coletas de amostras da água para análise. Até terça-feira deve-se ter um resultado preliminar da contaminação. “Independentemente do resultado do laboratório, é evidente que houve contaminação”, afirma Topázio. O Inema é o órgão que apura as responsabilidades e aplica sanções. “As condições indicam uma fatalidade. Vamos apurar se há algum problema de operação e se a Embasa tomou todas as medidas necessárias para reduzir os impactos”, afirmou.

O vice-presidente da Associação Nacional de Engenheiros Ambientais e titular da associação baiana da classe, Victor Vieira, explica que a recuperação das condições ambientais depende de inúmeros fatores, entre eles, a chuva, que pode ajudar. “O processo de autodepuração é rápido, mas não podemos esperar que a chuva resolva um problema que a gente causa com sistemas ineficientes”, afirmou. O Instituto Climatempo prevê pancadas de chuva à tarde e à noite de hoje, amanhã e segunda-feira.De acordo com o especialista, por já ter uma vida marinha prejudicada antes desse desastre, o principal impacto pode ser na saúde pública e nas condições de banho. Com a dispersão do esgoto doméstico lançado na água, parte do material orgânico deve sedimentar no fundo do mar.ConsequênciasA turista paulista Claudia Gancia, 39 anos, vem com frequência à capital baiana e resolveu trazer uma amiga para conhecer a cidade e, em especial, o Rio Vermelho. “O bairro está mais bonito, mas não entendi esse fedor e essa água suja”, comentou, durante visita ao antigo Mercado do Peixe. No local, acontece o espetáculo A Paixão de Cristo e o cheiro incomodou quem foi ver as apresentações, anteontem. Na Colônia Z1, núcleo Mariquita, os barcos mais uma vez não saíram para o mar. Pescadores chegaram a ter que comprar peixe em outros locais para revender, para reduzir os prejuízos. Ao chegar na colônia, o pescador Lailson Barbosa de Jesus, 47 anos, desistiu de sair. “Um técnico estava aqui colhendo água e disse para ninguém se arriscar a colocar o pé nessa água, que tinha pelo menos uns três tipos de bactérias aí”, contou. O volume de esgoto foi tão forte que a barreira de areia que existe próximo da colônia e de um restaurante cedeu. Como o CORREIO mostrou ontem, o sistema  comprometido com a falta de energia corresponde a 60% de todo o esgoto tratado pela Embasa na cidade. O emissário, para onde o esgoto após tratado é enviado, atende às áreas do entorno da Baía de Todos os Santos e, na vertente atlântica de Salvador, da Barra até Armação. Ele fica a 2,35 km da costa e a uma profundidade de 27 metros. Segundo a Embasa, 99% dos efluentes lançados no mar são água e 1% sólido,  dividido em carga orgânica e patogênicos (que podem transmitir doenças).

Trabalho de reposição de poste só foi concluído às 14h de ontemA conclusão do serviço de reposição do poste para restabelecimento da energia elétrica, que estava prevista para o final da noite de anteontem, só ocorreu ontem, por volta das 14h, segundo a Embasa. O tempo que levou para a reposição do poste e transferência do cabeamento para o novo leva em conta o trabalho cuidadoso para evitar que haja um novo acidente.  

“O poste que quebrou fica no meio de uma linha onde não tem amarração. Nesse trecho tem cruzamentos e estamos trabalhando acima de uma linha que está ligada. Estamos trabalhando na interligação de oito postes”, detalhou o encarregado de montagem elétrica Silvestre Souza Nascimento, da empresa AT Construções, a serviço da Coelba. Os serviços de reposição começaram apenas às 2h da madrugada de anteontem, após o resgate do motorista das ferragens e da perícia.[[saiba_mais]]