Faltou fiscalização para evitar naufrágio da Cavalo Marinho, diz Ministério do Trabalho

Auditores listaram 10 erros que contribuíram para acidente que deixou 19 mortos

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  • Gil Santos

Publicado em 19 de março de 2018 às 13:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

Um relatório elaborado pela Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRT/BA), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre o acidente com a lancha Cavalo Marinho I apontou que vários órgãos são responsáveis, direta ou indiretamente, pela tragédia. Segundo os auditores da SRT, a empresa dona da lancha deixou de cumprir alguns pontos do contrato, e os órgãos competentes não fiscalizaram.

Segundo o documento, apresentado nesta segunda-feira (19) pela Superintendência, 10 condições contribuíram para o naufrágio e outras duas agravaram o acidente (confira abaixo). Um dos pontos aponta que a embarcação apresentava apenas uma saída para os passageiros que estavam no convés inferior - o que dificultou a fuga das vítimas.

Entre as razões apontadas pelo relatório para o naufrágio, que completa sete meses no próximo sábado (24), são a falta de dragagem e desobstrução do canal marítimo de acesso ao atracadouro da praia de Mar Grande, que impossibilitaram a renovação da frota. O coordenador regional de inspeção do trabalho portuário e aquaviário da SRT, Palmério Queiróz, afirmou que a modernização da frota ficou condicionada a esse serviço.

"As empresas argumentam que não podem fazer a troca das lanchas por embarcações maiores e mais seguras porque o atracadouro de Mar Grande não comporta essas embarcações. O edital diz que o governo deveria fazer a dragagem e desobstrução do canal, mas isso não foi cumprido, ou seja, nem um nem o outro cumpriram o contrato", afirmou Queiróz.

O acidente aconteceu no início da manhã do dia 24 de agosto de 2017. A embarcação Cavalo Marinho I partiu do Terminal de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, com destino ao Terminal Náutico de Salvador, mas naufragou minutos depois de deixar o porto. A lancha levava 120 pessoas, sendo 116 passageiros e quatro tripulantes - 19 pessoas morreram.

Empresa Os auditores disseram que a CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I, cometeu quatro erros que contribuíram para o acidente. O primeiro deles foi realizar alterações que afetaram a navegabilidade da embarcação, com a implantação de lastros de pedra na lancha. O segundo foi não informar à Marinha as alterações realizadas.

O relatório diz que o terceiro erro foi não investir em novas embarcações, como oferecer cabines protegidas contra chuva, vento, e respingos de onda. Segundo os auditores, apesar de estarem desobrigadas a investir em novos equipamentos, como catamarãs, por exemplo, por conta da falta de dragagem e desobstrução não realizada pelo governo do estado, isso não isenta a empresa de fazer as outras mudanças.

Por fim, o documento diz que a concessionária não disponibiliza informações de condições meteorológicas para os comandantes das embarcações, e que transfere para a eles a responsabilidade por decidir ou não fazer a travessia.

Fiscalização Segundo o relatório, os pontos que foram descumpridos pela concessionária estavam previstos em contrato, mas não foram fiscalizados. Queiróz atribui a responsabilidade por essa fiscalização a Agerba (agência estadual que regula o serviço), a Marinha e ao Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Os auditores enfatizaram quatro pontos: utilização de lancha precária na travessia, dificuldade na avaliação das condições meteorológicas, navegação em condições adversas, e limitação de acesso ao canal da praia de Mar Grande.

A SRT apontou também dois fatores que não contribuíram diretamente para o naufrágio, mas que agravaram as consequências do acidente. O primeiro foi a falta de treinamento dos tripulantes e a demora na chegada do resgate após o naufrágio. Segundo Queiróz, o treinamento deveria acontecer mensalmente, e a responsabilidade nesse caso é compartilhada.

"A divulgação de informações aos passageiros e o treinamento de tripulantes é atribuição da Marinha, mas a Agerba, no próprio edital, exige que as embarcações cumpram todas as determinações da Marinha. Então, ela também poderia observar se essas determinações estavam sendo cumpridas", afirmou.

O relatório foi produzido pelo coordenador regional de inspeção do trabalho portuário e aquaviário da SRT, Palmério Queiróz, e o coordenador de investigação de acidentes, Anastácio Gonçalves Filho. Durante quatro meses eles ouviram sobreviventes e testemunhas do acidente, além de analisar documentos produzidos por outros órgãos.

Citados Em nota, a Marinha do Brasil informou que irá se manifestar após ter acesso ao relatório da SRT/BA.

Já o MP-BA, em nota, disse que "a precariedade, inadequação, insegurança e os altos valores do serviço de transporte hidroviário de passageiros realizado entre Mar Grande e Salvador foram objeto de apurações realizadas pela instituição desde 2006". Duas ações civis públicas sobre a questão foram propostas à Justiça, nos anos de 2007 e 2014, pela promotora de Justiça Joseane Suzart. "É completamente improcedente a informação de que não houve fiscalização por parte do Ministério Público do Estado da Bahia em relação ao serviço mencionado", destaca o MP-BA (confira íntegra da nota abaixo).

Procurada, Agerba ainda não se posicionou sobre o documento. O CORREIO ainda não conseguiu contato com a empresa CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I e de outras embarcações que fazem a travessia entre Salvador e Mar Grande.

Já a SRT informou que o relatório elaborado pelos auditores será encaminhado para os órgãos competentes nos próximos dias. Ele não é um documento conclusivo sobre a investigação. 

A Marinha elaborou um laudo técnico do caso e divulgou o resultado em janeiro. O documento apontou três responsáveis pela tragédia: o engenheiro técnico e o dono da empresa, por negligência, além do comandante da embarcação, por imprudência. Além disso, foi indicado que a embarcação não tinha condições de navegabilidade e que havia lastros (pesos) soltos no convés. 

Nesta segunda-feira (19), o delegado Ricardo Amorim, titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz), afirmou, ao CORREIO, que já avaliou o laudo da Marinha, divulgado em janeiro, e concluiu o relatório final da investigação policial. Ele não quis, contudo, adiantar as conclusões do inquérito conduzido pela Polícia Civil, que deve ser enviado à Justiça ainda esta semana.

Segundo a Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRT/BA), contribuíram para o acidente: 1. Convés com apenas uma via de escape 2. Falta de dragagem e desobstrução 3. Alterações na lancha que afetaram a navegabilidade 4. Não informar a autoridade marítima sobre as alterações 5. Não investir em novas embarcações 6. Falta de informações de condições meteorológicas 7. Utilização de lancha precária 8. Dificuldade de avaliação das condições do tempo 9. Nevagação em condições adversas 10. Limitação de acesso ao canal da praia de Mar Grande

Fatores relacionados ao acidente  11. Falta de treinamento e demora do resgate 12. Falta de informações de segurança para os passageiros

Confira, na íntegra, resposta do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA):"O Ministério Público do Estado da Bahia informa que a precariedade, inadequação, insegurança e os altos valores do serviço de transporte hidroviário de passageiros realizado entre Mar Grande e Salvador foram objeto de apurações realizadas pela instituição desde 2006. Duas ações civis públicas sobre a questão foram propostas à Justiça, nos anos de 2007 e 2014, pela promotora de Justiça Joseane Suzart. Na primeira, o MP alertou sobre as inúmeras irregularidades no transporte de passageiros pelas embarcações, que colocavam em risco, diariamente, a segurança de centenas de pessoas, e, na segunda ação, em 2014, foi solicitada a reforma dos terminais e das embarcações, a renovação dos coletes salva-vidas e outras medidas que assegurassem a saúde e segurança dos usuários. Após a tragédia, o Ministério Público fez um pedido de tutela cautelar de urgência para suspensão do serviço, em 29 de agosto de 2017, e ajuizou uma nova ação civil pública, em 6 de outubro de 2017, requerendo a cassação do serviço prestado pelas empresas que realizam a travessia Salvador-Mar Grande. Portanto, é completamente improcedente a informação de que não houve fiscalização por parte do Ministério Público do Estado da Bahia em relação ao serviço mencionado".