Febre amarela: 2,6 milhões de baianos ainda precisam ser vacinados

Metade deles são de Salvador; ao todo, só 10% das cidades bateram meta

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

A meta de imunizar contra a febre amarela 95% da população geral em cada um dos 105 municípios baianos com recomendação do Ministério da Saúde ainda não foi atingida. Em toda a Bahia, 2,6 milhões de pessoas ainda precisam ser vacinadas - metade delas está em Salvador: 1,3 milhão.

Do total de municípios com a recomendação, apenas 11 atingiram a meta - cerca de 10%. O prazo se encerra em março deste ano. Os dados foram informados nesta quarta-feira (17) pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) ao CORREIO e levam em consideração os últimos dez anos, até setembro de 2017.

A coordenadora de Imunização da pasta, Vânia Rebouças, explica que a Bahia expandiu a área de recomendação em 2017, que antes era de 45 cidades - todas do Extremo-Oeste -, para 105, incluindo aquelas próximas de onde foram achados macacos contaminados. Ela garante que as vacinas foram encaminhadas aos municípios.

Mesmo assim, Vânia destaca a importância de mobilização dos cidadãos. “A busca pelo aumento da cobertura é contínua, mas, infelizmente, temos uma demanda pequena da população em épocas que não se fale da doença”, diz. Movimento em posto de saúde de Salvador nesta terça Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Em Salvador, por exemplo, onde 50,7% da população foi vacinada, o problema não é falta de vacina. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) garante que tem doses suficientes para 1,338 milhão de pessoas ainda não imunizadas.

O Ministério da Saúde afirmou que recomenda que os estados e municípios mantenham a cobertura em 95%, mas não é uma obrigação e, por isso, não há punição quando a meta não é atingida. “Por isso, a importância dos gestores estarem sempre atentos a buscar a população e conscientizá-las da importância da vacinação”, diz.

Destaques negativos São Miguel das Matas, no Centro-Sul, com 27,5% de população vacinada, São Gonçalo dos Campos, no Centro-Norte, com 34,1%, e São Felipe, no Recôncavo, com 36,3% são destaques negativos. 

Segundo Rosângela Lima, secretária de Saúde de São Miguel das Matas, os dados apresentados pela Sesab estão desatualizados, já que, só em 2017, 1,3 mil pessoas foram imunizadas na cidade - com população de 12.092 habitantes, segundo o IBGE. 

“Vivemos em uma região com bastante mata, onde é comum ter primatas. Também temos muitas fazendas de cacau. Como o mico é uma ameça para a colheita, alguns fazendeiros colocaram veneno. Os animais foram achados mortos e isso gerou uma procura grande à vacina”, explica.

A morte de macacos também levou milhares de pessoas aos postos de São Gonçalo dos Campos. De acordo com a coordenadora de Imunização Epidemiológica de lá, Fabiana Porto, 12 primatas foram encontrados mortos entre janeiro e março do ano passado.

Dois deles morreram de febre amarela e o município iniciou uma campanha de vacinação. “Todas as doses que recebemos, em torno de 4 mil, foram distribuídas”, afirma.

Já a secretária de Saúde de São Felipe, Deise Barbosa, disse desconhecer a meta de 95% e afirma que a cidade tem 500 doses, “o que vem sendo suficiente para atender a procura, mesmo com o aumento pela busca nessa semana”.

Entre os poucos municípios que ultrapassaram a meta, estão Jaborandi, Catolândia e Coribe - no Extremo-Oeste e com menos de 15 mil habitantes, segundo o IBGE.

Jaborandi é campeã: o índice da cidade é de 122,5% - com uma população de 8.714. O coordenador de vigilância epidemiológica de lá, Édio Borges, explica que agentes de endemias vão de residência em residência orientar a população. Os 22,5% excedentes são de turistas e de moradores de municípios vizinhos.

Procura nos postos De volta a Salvador, as opções de locais para se imunizar contra a febre amarela não são poucas, mas a procura cresceu bastante após a confirmação da morte, no último final de semana, de um morador de São Paulo que estava internado com febre amarela no Hospital Couto Maia. Desde o último dia 8 (396 doses aplicadas) até anteontem (5.778 doses), o aumento foi de 691%, segundo a SMS. Ao todo, 126 postos de saúde oferecem a vacina na capital baiana.

A busca no Complexo Municipal Dr. Clementino Fraga, nos Barris, só começou a aumentar nos últimos dias, segundo confirmaram funcionários do local. A estudante Evelyn Midiã, 24 anos, foi uma das que ligaram o sinal amarelo após a morte no Couto Maia. No entanto, ela já havia sido imunizada no ano passado. Ao chegar no complexo, foi informada de que não precisava tomar uma nova dose do medicamento. A estudante Evelyn Midiã já tinha se vacinado, e não precisou de nova agulhada (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) A SMS informou, ainda, que a vacina é administrada em dose única, ou seja, quem já se vacinou em algum momento da vida fica protegido contra a doença sem a necessidade de uma dose de reforço.

A dona de casa Jussiara Neves, 32, tem uma preocupação: por morar em uma área próxima a um resquício de mata atlântica, na Barra, em Salvador, ela resolveu, na manhã desta terça-feira (16), procurar a mesma unidade de saúde para tomar a vacina. O medo da dona de casa é que os macacos, animais que costumam passear pelo quintal dela, possam transmitir a doença.

"Nós ficamos preocupados porque próximo a nossa casa tem uma área verde. Então, aproveitamos para vir tomar a vacina, já que durante a campanha de vacinação, os postos ficam cheios", disse a dona de casa.

Apesar da preocupação de Jussiara com os macacos, é importante dizer que não são os primatas os responsáveis por transmitir a doença - quem o faz são os mosquitos Aedes aegypti, que também transmitem a dengue, zika e chikungunya. Memso infectados, os macacos não são capazes de repassar a doença, mas são sentinelas - ou seja, servem de indicativo de alerta para a doença. A dona de casa Jussiara Neves após ser imunizada (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Viagem O aposentado João Teixeira, 72 anos, está prestes a viajar para o interior de São Paulo. Ele está com um pé atrás, já que o paciente que estava internado no Couto Maia chegou na cidade de Itaberaba, na Chapada Diamantina, vindo da cidade de Taboão da Serra, São Paulo, apresentando os sintomas. "Nós ficamos muito preocupados. Eu, por exemplo, vou viajar para o interior de São Paulo, para a cidade de Taubaté (SP)", conta o aposentado, que foi para casa sem a vacina.É que, de acordo com a SMS, a vacina é contraindicada para idosos acima de 60 anos, crianças menores de seis meses, gestantes, mulheres que amamentam crianças de até seis meses, pacientes em tratamento de câncer e pessoas imunodeprimidas.

Para estes grupos, a orientação é que a pessoa busque ajuda médica, cujo profissional de saúde avaliará o benefício e o risco da vacinação, levando em conta a possibilidade de eventos adversos.

A vacinação acontece de segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 8h às 17h, em todas 126 salas de vacina da rede municipal. A orientação é que o usuário esteja portando o cartão SUS e a caderneta de vacinação.

Transmissão Todos os casos de febre amarela que ocorreram no Brasil nos últimos anos são da variedade silvestre, segundo explica Aparecida Araújo, coordenadora da vigilância epidemiológica da Sesab. “É a mesma doença, são os mesmos sintomas, o que diferencia é a forma de contaminação”, esclarece. No Brasil, não há casos de febre amarela urbana desde a década de 1940.

Enquanto os casos silvestres são transmitidos pela espécie Haemagogus, os urbanos são transmitidos pela Aedes Aegypti. Na febre amarela silvestre, a fêmea do mosquito vai se alimentar do sangue de macacos ou de humanos. Se um deles estiver contaminado, o inseto passa a atuar como vetor de transmissão.“Os macacos são tão vítimas como nós. Quando eles começam a morrer, isso é um sinal de alerta para a gente”, destaca Aparecida, acrescentando que estes animais não transmitem febre amarela para humanos. Segundo a especialista, a razão para a qual as pessoas não devem tocar em primatas mortos é que seu óbito pode ter sido resultado de outras doenças, como raiva, por exemplo, que é fatal e contagiosa. Ela ressalta ainda que matar macacos é um crime ambiental.O risco de contaminação por febre amarela é muito maior quando o vetor de transmissão é o Aedes, já que o mosquito está espalhado por todo o país.