Finanças na sala de aula: escolas ensinam pais e alunos a lidar melhor com o dinheiro

Colégios adotam programa de educação financeira para envolver a família nas questões de consumo e reduzir inadimplência

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  • Priscila Natividade

Publicado em 19 de fevereiro de 2018 às 06:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

Com a volta às aulas, um conteúdo diferente passou a fazer parte da grade de disciplinas de, pelos menos, 13 escolas baianas. Com direito até a um porquinho para começar a poupar, os colégios passaram a adotar o ensino de educação financeira no currículo escolar. As aulas, porém, não estão limitadas só aos alunos. Os pais também vão ter cursos de finanças pessoais, onde são abordados temas como noções básicas de economia, taxas de juros, investimentos, impostos e consumo consciente.

“A família que se compromete com as suas finanças pessoais também vai se comprometer com o investimento que está fazendo na escola. Ao interferir nesse conceito que o jovem e a criança têm sobre o dinheiro, vamos chegar aos pais”, afirma o proprietário do Colégio Império do Saber, Luís Machado.

A escola, que está localizada no bairro de São Caetano, além de levar conhecimento, a médio prazo, espera reduzir pela metade os índices de inadimplência na instituição. Ano passado, o índice de inadimplência fechou em 14%. “Nossa percepção veio muito por conta da crise no país. Os pais aceitaram bem a novidade. A escola investiu neste programa para fortalecer tanto as relações como os resultados”, acrescenta.

As aulas de Educação Financeira também se tornaram obrigatórias no Colégio Dom, na Paralela. Para a supervisora responsável pelas escolas da rede, Maisete Jane Oliveira, o “lucro” é para todo mundo. “A educação financeira vai estar presente de forma multidisciplinar, em áreas como matemática e ciências, por exemplo. Os alunos vão aprender a lidar com o valor das coisas e os pais, com sua planilha e seu orçamento. Consequentemente, isso vai ajudar muito na queda da inadimplência”, avalia.

Entre as atividades, os alunos do Dom vão apontar um sonho coletivo e, durante o ano, juntar o dinheiro necessário para realizá-lo. “As turmas de Educação Infantil e do Fundamental I estarão envolvidas no projeto em que todos vão guardar o dinheiro no porquinho. O objetivo é mostrar que é possível realizar esse sonho e, ao mesmo tempo, chamar a atenção da família para a importância de uma poupança”, explica.

Disciplina

A comerciante Cláudia Leite sabe bem o esforço que faz para manter o orçamento no lugar diante de uma crise. Há um pouco mais de um ano, ela e a família saiu do Espírito Santo, depois que a situação financeira apertou por lá. “Fizemos uma grande manobra justamente por conta da crise. Trabalhava com transporte escolar, mas muitos pais abriram mão do serviço para reduzir as despesas. Fechamos os olhos e viemos para Salvador”, conta. 

Mãe de dois alunos do Colégio Império do Saber, Cláudia e a família abriram um mercado. “Foi preciso mudar de profissão e do lugar que morávamos só para nos adequarmos financeiramente a um novo padrão de vida”. 

As aulas de educação financeira na mesma escola onde Valmilson Júnior e Carina estudam está ajudando ela a entender melhor o orçamento da família. “Quando vi a possibilidade de ter acesso a educação financeira já ligamos tudo: a gestão do nosso negócio, as finanças lá de casa e os ganhos na relação de nossos filhos com o dinheiro”. 

Aluna aplicada que é, Cláudia conta que o curso tem até dever de casa. “A próxima aula acontece ainda este mês. Tenho que anotar todos os gastos. Tudo mesmo. A gente sua muito para pagar a mensalidade da escola. É  fundamental que a família e a escola trabalhem juntos e um ajude o outro”, completa. 

Para o educador financeiro da Dsop, Roger Oliveira, a crise aumentou a preocupação das famílias com as finanças pessoais, o que acabou aumentando a aceitação do conteúdo nas escolas. “As pessoas começaram a dar uma importância muito mais relevante ao tema, quando infelizmente a crise bateu em nossa porta, trazendo diversos problemas de ordem financeira”.  

O maior desafio  é massificar o tema em outras escolas, como aponta o especialista. “Os problemas com dinheiro impactam na vida de toda a família. Geram mais endividamentos e empréstimos, demissões para obter rescisão, depressão, separações. É necessário focar a abordagem no como fazer e de que forma fazer”, acrescenta. 

No Colégio Império do Saber, o programa trata de temas como poupança, economia doméstica e consciência de consumo (Foto: Marina Silva/ CORREIO)  

ESCOLAS BAIANAS COM EDUCAÇÃO FINANCEIRA

. Colégio Emmanuel Kant,  no Iapi

. Colégio Logo,  no Imbuí

. Colégio Dom,  na Paralela e na unidade Jequié

. Colégio Miró,  na Barra

. Colégio Impacto,  na Fazenda Pitangueiras em Lauro de Freitas

. Talkeducation  em Açu da Torre, Mata de São João

. Colégio Paralela,  na Paralela

. Colégio Império do Saber  em São Caetano 

. Escola Gênesis  nas unidades de Stella Maris e do Costa Azul

. Centro Educacional Maria José, em Pernambués

. Escola Rubem Alves  na Kalilândia, em Feira de Santana

. Colégio Educarte no bairro Vaquejada, em Serrinha 

CONSUMO E FINANÇAS: HABILIDADES SÃO OBRIGATÓRIAS 

Educação financeira e educação para o consumo se tornaram habilidades obrigatórias entre os componentes curriculares. A classificação está presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece referências para os currículos escolares no país para os próximos anos. 

Na BNCC é indicada a abordagem de conceitos básicos de economia e finanças, como taxas de juros, inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e impostos, além do uso consciente de recursos naturais, como a energia elétrica, entre outros conceitos. 

No Brasil, a educação financeira vem conquistando espaço como política educacional há oito anos, a partir da publicação do Decreto nº 7.397, de 22 dezembro de 2010, que instituiu a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). 

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) distribui, gratuitamente, no site www.vidaedinheiro.gov.br, informações que as escolas podem utilizar no processo de introdução da educação financeira. A presidente do grupo de apoio pedagógico do Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef) e assessora técnica da Secretaria de Educação Básica do MEC, Sandra Tiné, destaca a importância da inserção do tema no currículo desde o início da vida escolar. 

“São coisas que devem ser trabalhadas desde o início da escolarização, ainda na fase infantil. Se olharmos as últimas pesquisas, vamos ver que ainda somos um país de pessoas superendividadas e isso compromete o desenvolvimento da nação. Queremos e precisamos ser um país de poupadores”, pontua a presidente do comitê, Sandra Tiné. 

O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, também defende a iniciativa. “A disseminação da educação financeira gera empoderamento, já que os brasileiros passam a administrar seus recursos de forma consciente e sustentável. Essas mudanças não dependem da utilização de planilhas e calculadoras, mas sim, de novos hábitos e comportamentos relacionados ao dinheiro”, destaca Reinaldo Domingos.