Folhas sagradas: loja no Pelô dá espaço a produtos de matriz africana

O estabelecimento comercializa plantas medicinais e litúrgicas cultivadas em terreiros de Candomblé

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  • Da Redação

Publicado em 28 de dezembro de 2017 às 18:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

"Vamos tirar Senhor do Bonfim das velas e colocar Oxalá". É pensando em ocupar espaços que o babalorixá Alcides Carvalho pretende coordenar a botica do projeto Rede de Hortos de Plantas Medicinais e Litúrgicas (Rhol), uma loja que comercializa produtos de matriz africana, principalmente plantas cultivadas em terreiros de Candomblé de Salvador, Região Metropolitana e Itaparica. O estabelecimento foi inaugurado na manhã desta quinta-feira (28) na Rua João de Deus, no Pelourinho.

A loja é lançada após dois anos de projeto, que foi apoiado por um edital do governo do estado que financiava ideias socioculturais com temática africana. Foram disponibilizados ao Rhol R$ 720 mil para investimento no programa, que capacitou, através de oficinas de cultivo e plantio com biólogos, agrônomos e farmacêuticos, membros de 15 terreiros de Candomblé da capital baiana, Lauro de Freitas, Camaçari, Dias D'Ávila e Itaparica. Eles cultivam e vendem diferentes espécies de plantas medicinais e litúrgicas - utilizadas na atividade religiosa.

"A gente quer que, democraticamente, de forma fundamentada na economia solidária, você possa produzir, comercializar e não ser explorado. É uma versão avessa ao sistema capitalista", afirmou Alcides, que atua como coordenador executivo da Rhol. Esse tipo de economia funciona como um sistema de produção e distribuição de produtos de forma conjunta, em uma autogestão, organizada em forma de associação. (Foto: Betto Jr./CORREIO) Um dos membros dos terreiros participantes do projeto é o Tata Mutá Imê, do terreiro Mutalambo ye Kaiongo, em Cajazeiras. Para ele, participar do projeto significa trabalhar a própria identidade no Candomblé. "Esse é o principal. Isso faz com que reaprendamos todo um processo antigo de costumes. Como trabalhar as plantas, hora de colher, cortá-las. É fantástico!", explica. 

Economia solidária Além das plantas, alguns dos produtos comercializados na loja são sabonetes, caixas e pratos decorados, vestimentas para uso dentro de terreiro, entre outros. Tudo vendido com base nos preceitos da economia solidária. Os contribuintes pagam mensalmente R$50 para hospedar os produtos no estabelecimento, além de ceder 10% do valor ganho com a peça vendida.

"É algo construído diretamente pelas comunidades. Isso ajuda a perpetuar os saberes tradicionais, além de ser um gerador de renda pra essas comunidades. É muito importante trazer isso pra rua, pras pessoas conhecerem o trabalho desenvolvido aqui", opina o comerciante Renato Carneiro, 47 anos. (Foto: Betto Jr./CORREIO) Preços Todos os produtos vendidos no estabelecimento têm uma variação no preço, de acordo com o tamanho ou espécie, no caso das plantas. Uma muda de planta custa a partir de R$ 5 e chegam até R$ 8, caso seja uma espécie "incomum", como fedegoso, usada para tratamento de febre ou doenças do fígado; patexulí, normalmente usada como antídoto para picada de cobra; ou penicilina, para tratamento doenças digestivas. "Aqui, as plantas são cuidadas cada uma, tudo certinho, diferente de uma feira que você já compra tudo carregado", comenta Tata Mutá Imê, aos risos.

Máscaras de orixás em madeira variam entre R$50 e R$100. Uma caixa de MDF decorada varia de R$15 e pode chegar a R$100. Também é vendido na loja o chamado "roupa de ração", vestimenta utilizada pelos membros de terreiros de Candomblé no dia-a-dia. Essa peça pode custar até R$180 no Rhol.

Para ajudar na compra desses produtos, o visitante é oritenado pelos próprios gestores do negócio sobre a função e importância de cada peça. "A loja dá espaço a quem não tem saída de suas vendas. A ideia é reunir em um único lugar todos esses produtos necessários para o Candomblé. Será um ponto de referência", acredita a Makota - assistente do líder da casa - do terreiro Unzo Mean Dandalunda Tmbenci Neto, em Ilhéus, e gestora do Rhol, Luciana Souza. (Foto: Betto Jr./CORREIO) * É integrante da 12ª turma do Correio de Futuro, orientado pela chefe de reportagem Perla Ribeiro