Frans Krajcberg deixa importante obra que funde arte e militância

Artista usou sua obra para mostrar as interferências humanas na natureza, suas destruições e consequências

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 15 de novembro de 2017 às 22:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

O grito da natureza foi ainda mais alto nesta quarta-feira (15). É que ela perdeu um dos seus maiores defensores: o artista plástico, pintor, escultor e fotógrafo Frans Krajcberg, que morreu aos 96 anos, no Rio de Janeiro, com um quadro de saúde frágil por conta de uma infecção generalizada.

O ativista de origem polonesa ficou conhecido internacionalmente por sua obra que usa troncos e raízes de árvores calcinadas. Sobrevivente da segunda guerra, se defrontou com a face  mais obscura do ser humano: a violência. Sua família, de origem judia, foi morta em campos de extermínio nazistas. Desde que chegou ao Brasil, em 1948, lutava contra a destruição de florestas.

O corpo de Krajcberg será cremado nesta quinta-feira (16) no Rio e suas cinzas serão levadas até Nova Viçosa, no Sul da Bahia. Ele morou em São Paulo, Rio  e, na década de 60, se dividiu entre a capital carioca  e Paris. Mas foi em Nova Viçosa que encontrou seu refúgio para a vida.

No Sítio Natura, onde morou por 45 anos, mantinha seu ateliê. Apesar de reclamar da indiferença local em relação ao seu trabalho, era encantado pela cidade. “Eu pensei: ‘Meu Deus, quanta riqueza que tem, movimento que tem, que a arte ignora. Eu fico aqui”, contou no documentário O Grito da Natureza.

Legado Baiano desde 2008 – quando recebeu o título de Cidadão Baiano – Krajcberg plantou mais de 10 mil mudas de espécies nativas e construiu um museu particular, onde guardava seu acervo. “Ele acreditava que aqui poderíamos apresentar um novo modelo de sociedade, pelas diferenças culturais que temos na nossa matriz”, relata o diretor do Museu de Arte da Bahia (MAB), Pedro Arcanjo. Para ele, a obra de Krajcberg é símbolo da capacidade que a natureza tem de se regenerar e renascer:  “Seu grande legado é que precisamos  interromper esse ciclo de destruição”.

[[publicidade]] Mesmo com problemas de saúde, o artista  viajava para fotografar as áreas atingidas por incêndios criminosos. Denunciou as queimadas no Paraná, a exploração dos minérios em Minas Gerais e o desmatamento na Amazônia. “Vocês não sabem o que está acontecendo na Amazônia; é um massacre, precisamos interromper esse ciclo”, disse. Sua arte e militância em prol da natureza emocionou muita gente. “Ele é uma lenda. Um dos mais importantes artistas do mundo. Um exemplo de brasileiro, de baiano comprometido  com o futuro. A arte dele é destinada à transformação. Traz sempre a questão: ‘Vocês vão deixar isso acontecer?’. Sua arte é um grito ao mundo. O livro Queimadas, por exemplo, é fortíssimo. Fui agraciado com sua presença e isso me fazia crer que valia a pena estar vivo. Sua causa nunca acabará”, diz o filósofo José Antônio Saja, que trabalhou na edição dos livros Queimadas e Natureza e fez a direção de arte da exposição em comemoração aos 90 anos do artista, no Palacete das Artes, em 2011. 

[[galeria]] Segundo Saja, muita gente dizia que Krajcberg era uma pessoa difícil. “Comigo foi o contrário. Ele tinha um rigor, uma potência, mas era delicado. Era um homem indignado com todo tipo de brutalidade. Se isolava para fugir do ser humano e das brutalidades que cometemos. Essa foi a forma de protesto dele. Encontrou refúgio na beleza da natureza”, complementa Saja, que é crítico de arte.

Para o diretor do Palacete das Artes, Murilo Ribeiro, as obras de Krajcberg revelam o verdadeiro tamanho do homem, a sua insignificância diante da grandiosidade do nosso planeta, denunciando a irresponsabilidade e o imediatismo quando se trata de cuidar da Terra.

“Tenho profunda admiração e carinho por ele. Era um amigo querido, com uma obra fantástica, que tinha  uma dedicação imensa. Ele era uma figura engraçada. Introspectivo, mas sincero, firme e  expressava afetos”, conta Ribeiro, que é artista plástico e fez a direção de arte da exposição de 90 anos do artista. “Ele era um realizador que tinha um apego à vida. Gostava de levantar para ver o sol nascer e o pôr do sol. A data que mais gostava era seu aniversário. Lembro dele dançando com Christiane Torloni, que era apaixonada por ele”.

O governador Rui Costa decretou um dia de luto oficial. Em nota, disse que a morte do artista significa uma grande perda para a Bahia e para o mundo. “Esculpiu, impressionou e sensibilizou a todos. Tudo o que ele construiu continua preservado para esta e para novas gerações”, comentou. O prefeito ACM Neto ressaltou que o artista contribuiu para toda a humanidade. “Escolheu a Bahia para viver e construir uma obra que serviu e serve de lição para todos que amam a natureza”.