Glamour, esporte, cultura e política marcam 100 anos do Clube Bahiano de Tênis

Concorrendo ao Prêmio Jabuti na categoria fotojornalismo, livro recupera história do clube, que se confunde com a da própria cidade

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  • Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2017 às 09:17

- Atualizado há um ano

1930. Noite de Réveillon. Quando os bailes de gala eram as atrações mais concorridas na virada do ano, o Clube Bahiano de Tênis sediava a principal festa da cidade, onde homens trajavam seus alinhados smokings e as mulheres não abriam mão dos vestidos sofisticados e das melhores joias. Tudo regado a muita música, comida, bebida e glamour.Membros da alta sociedade se reuniam durante jantares e bailes de gala que conferiram prestígio ao Bahiano em suas primeiras décadas de existência (Foto: Reprodução)Mas, naquele tempo, as exigências para frequentar o local - que chegou a sediar por anos o Réveillon oficial do estado, com a presença do governador - iam além dos trajes sofisticados e da riqueza. Era preciso, antes de tudo, ser sócio. Nascido de uma reunião de uma dúzia de jovens filhos da aristocracia, a história do clube se confunde com a da cidade. É parte dessa relação que é contada no livro Clube Bahiano de Tênis - 100 Anos de Histórias, de Lutas e Glórias, cujo lançamento acontece quinta, às 19h, no Mirante da Arena Fonte Nova. Na noite de hoje, o clube centenário ganha sessão especial na Câmara Municipal de Salvador, às 19h.Grandioso, o projeto idealizado pelo atual presidente do Clube, Gian Biglia, e executado pelo publicitário Mauro Rossi ao lado do jornalista Pablo Reis, reúne mais de 600 fotografias e é fruto de mais de 700 entrevistas. O trabalho concorre ao 59º Prêmio Jabuti, na categoria fotojornalismo. De sexta até o fim do mês, uma exposição fotográfica com os registros presentes no livro estará aberta ao público na Perini da Graça, cujo terreno pertence ao Bahiano.A charmosa sede do Clube Bahiano de Tênis nos anos de 1920; a foto foi cedida pelo Club Athletico Paulistano, que encontrou registros em seu acervo pouco antes de o livro ser finalizado; em agosto, obra será lançada em SP (Foto: Reprodução)Edificado na Graça, um dos bairros mais importantes da capital pela centralidade política e geográfica, o Bahiano de Tênis foi fundado em 1916, quando Salvador atravessava um período de grandes transformações urbanas conduzidas pelo então governador José Joaquim Seabra, que construiu as avenidas Contorno e Sete de Setembro.“Os 100 anos do Bahiano mostram uma epopeia de glória, glamour, dinheiro, de homens visionários que iniciaram uma dinastia marcada por grandes feitos esportivos, mas, sobretudo, sociais, políticos e econômicos”, resume Reis.De famíliaApesar de ter sido criado com foco exclusivo no tênis, o Bahiano aderiu a outras modalidades esportivas e atividades culturais. Sua relevância cresceu à medida que as grandes festas e encontros sociais passaram a substituir os recatados concertos e saraus domiciliares. Segundo Reis, família é a senha para entender a trajetória do clube, erguido no berço da aristocracia local. Fundadores e sócios do Clube Bahiano de Tênis posam com raquetes de tênis, esporte que impulsionou a adoção de outras modalidades, anos mais tarde (Foto: Reprodução)“O local era um playground, onde, após os deveres escolares, íamos encontrar amigos, praticar esportes e exercitar uma convivência social muito saudável, sempre sob os olhares vigilantes de Waldir, nosso amigo e protetor”, conta a escritora Eliana Dumet em um dos textos do prefácio.O Waldir que ela cita é Waldir Pinho, funcionário que serviu por quase 70 anos ao Bahiano e que ajudou a fazer uma lista com todas as pessoas que deveriam ser ouvidas no livro. “Por conta do amor que ele sempre devotou ao clube e pelo fato de ser uma memória viva, a gente entendeu de imediato que precisava extrair o máximo de informações daquele senhor de 90 anos, que não aparentava ter a idade que tinha”, comenta Pablo Reis, que conheceu seu Waldir quando era repórter do CORREIO. “Fiz um perfil dele como guardião do Bahiano, porque, por muito tempo, ele trabalhou na portaria e chegou a barrar Baby Pignatary, um playboy milionário, durante o Carnaval de 1959”, lembra.O Rei do Baião lançou, no salão nobre do bangalô, em 1953, a música Xote das Meninas; na foto, ele é rodeado por crianças (Foto: Reprodução)O Aristocrático, como o Bahiano ficou conhecido, foi tema de uma música de Gil, cujos versos garantem que houve um tempo em que lá “preto não entrava nem pela porta da cozinha”.  Mulato de olhos verdes, Waldir sempre contestou a informação e garantiu que o que existiu foi uma questão de “qualidade social”: se fosse um Catarino, Correia Ribeiro ou Gordilho, tinha passe livre. Saído de uma família humilde, Waldir conviveu por anos com os mais imponentes sobrenomes do estado.VocaçõesA vocação esportiva do Bahiano de Tênis estava em consonância com um ideal de saúde ligado às atividades físicas que até então não existia na sociedade. Judô, tiro, vôlei, basquete, futebol...Foi em um Réveillon, na virada de 1930 para 1931, que o E.C. Bahia foi fundado por ex-jogadores do Clube Bahiano de Tênis e da Associação Atlética da Bahia. A relação do Bahiano com o E.C. Vitória também é forte: por vezes, a sede do alvinegro chegou a servir de sede informal para o Leão da Barra.Ao longo das décadas, as noites de Ano-Novo no Bahiano foram perdendo o brilho e outras datas tradicionais ganharam maior destaque, como o baile do 2 de Julho e os de Carnaval. Foi lá que surgiram os primeiros ensaios de Verão da cidade e também os blocos que reconfiguraram o Carnaval de rua de Salvador que,  até então, estavam ligados a uma tradição mais popular.Em 1952, o então presidente do Brasil visitou o Bahiano, e chegou a ser fotografado sendo entrevistado pelo jornalista Jorge Calmon nas dependências do clube (Foto: Reprodução)No livro, toda a história do clube e da cidade acontece de forma não cronológica, mas separada por grandes eixos temáticos.  É assim que a situação de pré-falência a que chegou o clube nos anos 2000 é contada antes da centésima página. Em 2006, o Bahiano tinha dívidas ajuizadas em torno de R$ 19 milhões. Eram débitos fiscais, trabalhistas e, sobretudo, do Imposto Predial e Territorial Urbano.Devido a isso, foi negociada a instalação da Perini na antiga sede social, além da venda de um terreno de 5,4 mil metros quadrados para a construção de um prédio residencial. O dinheiro obtido com as negociações amortizou as dívidas e deu uma sobrevida ao clube, que hoje tenta voltar à sua vocação original com o incentivo aos esportes. “A resposta mais óbvia é de que os clubes sociais estavam fadados a desparecer com o crescimento dos condomínios residenciais. Não foi só o Bahiano que passou por esse processo, mas o Português, o Espanhol, a Associação Atlética... Só que essa é uma resposta limitada. O contexto do Bahiano envolve as mudanças sociais, resume Pablo.