Grupo de nudes no WhatsApp tem até corrente de oração e fake news

Confira tudo que vimos e o que queremos 'desver' nos 10 dias que o repórter Daniel Silveira passou em grupos de nudes no WhatsApp e Facebook

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  • Daniel Silveira

Publicado em 19 de abril de 2018 às 10:39

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arte: Morgana Miranda/CORREIO

Pintos, bundas e vídeos de sexo explícito chegam a qualquer hora do dia. Mas também tem gifs animados, bichinhos de estimação e imagens fofas de ‘bom dia’, daquelas que as tias mandam no grupo de zap da família. Sim: algumas montagens circulam igualzinho nesses ambientes tão diferentes.

Até o fechamento deste texto, foram quase 2000 imagens. A maioria eram fotos, vídeos e gifs com nudes. Mas um número significativo eram mensagens religiosas, de auto-ajuda, correntes, prints de notícias... As famigeradas fake news não respeitam nem os grupos de nudes. 

Em dez dias nesses grupos no WhatsApp e no Facebook, vi muitos corpos nus e seminus sem cabeça. É que a grande maioria das pessoas, ao mandar imagens suas, evita mostrar o rosto. Via de regra, se tem rosto, as intimidades são escondidas. Deve ser medo de vazar. Só os mais desinibidos botam a cara no sol. Montagem baseada em obras de Pierre GBonnard, Edgar Degas, Fernando Botero, Kitagawa Utamaro, Paul Gauguin, Revista Life e Albrecht Dürer (Arte: Morgana Miranda/CORREIO) Cadastre seu e-mail e receba novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, tecnologia, pets, decoração, bem-estar e as melhores coisas de Salvador e da Bahia:

Entrei no primeiro grupo segunda-feira passada. Pedi a um amigo que faz parte de um que me incluísse. Tem 109 participantes, sendo que 30 são administradores, ou seja, podem inserir e retirar membros. Diferentemente da enxurrada de fotos e vídeos que imaginei que veria, o grupo estava bem parado. Algumas pessoas trocando ‘olás’ e ‘boas tardes’. Me apresentei com um ‘oi’ tímido e esperei. Horas esperando e nada. Até a noite, quando, de repente, os grupos ficam bem animados.

Usei um nome falso e não enviei foto para nenhum dos 22 grupos em que transitei nesses dias (juro, amor!). O maior deles tinha 255 participantes, um a menos que o limite do aplicativo. Entrei na maioria por links-convite, que chegam sem parar no zap e no Face, onde também são comuns grupos secretos para troca de imagens sexuais. É um buraco sem fundo. Ou vários. Todo dia chovem links para garantir que ninguém fique sem receber ou mandar a sua nude diária.Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração e pets: Há grupos voltados para públicos bem específicos. Tem de um tudo: fetichistas, admiradores de homens mais velhos ou mais novos, garotos de programa, casais querendo suingue, bissexuais, homens casados, gordinhos, sarados e por aí vai. Se você entrar em todos, vai ter mais grupos que contatos na agenda.

O entra e sai (de participantes) é frenético. Tem gente de vários estados e até de outros países. O dono de uma nude que te empolgou pela manhã pode nem estar lá à noite. Às vezes, uma pessoa nova entra, manda foto, diz que que o “PV está livre”, código para chamadas em conversa privada e, logo em seguida, sai do grupo. Isso em menos de um minuto.  Montagem baseada em obras de Pierre GBonnard, Edgar Degas, Fernando Botero, Kitagawa Utamaro, Paul Gauguin, Revista Life e Albrecht Dürer (Arte: Morgana Miranda/CORREIO) Quase tudo é permitido e alguns grupos colocam as regras de convívio na descrição. Costumam ser proibidas as mensagens de política, imagens de mulheres e pornografia infantil. 

No início foi massa constatar a variedade de corpos que tem no mundo. Mas tem um momento em que tudo fica meio parecido. Poses, mensagens e respostas se repetem. Para quem quer se aventurar, ficam as dicas: ter memória no celular para aquele monte de arquivo e um bom pacote de dados. Ou deixe para baixar tudo no wi-fi. Se for abrir algo em público, lembre-se de usar fones de ouvidos. Ah, e divirta-se!

Outros olhares “Entrei num grupo com pessoas aqui de Salvador no ano passado, mas como ficavam marcando encontros grupais, achei que não era a minha praia e saí”, conta o estudante Júlio (nome fictício). “Um amigo me colocou em outros dois logo depois”, lembra. Ele foi quem me inseriu no primeiro grupo de minha odisseia. Um dos conselhos foi não mostrar o rosto. “Corre o risco das pessoas compartilharem”, me previniu. 

Também frequentador de grupos de nudes, o designer Wesley Miranda conta que no Facebook é comum ter como regra principal a postagem indireta. “Você publica a foto em um lugar e posta o link no grupo”, conta. Ele diz que quem desobedece a norma costuma ser banido. Montagem baseada em obras de Pierre GBonnard, Edgar Degas, Fernando Botero, Kitagawa Utamaro, Paul Gauguin, Revista Life e Albrecht Dürer (Arte: Morgana Miranda/CORREIO) “Já encontrei várias pessoas que eu queria ver a nude e que acabou postando, então não precisei mais pedir”, diz o designer. Ele ainda lembra que facilmente um post vira bate-papo no Messenger ou WhatsApp. “Muita gente adiciona outras pessoas e trocam outras nudes além do que foi postado. Com certeza rolam exclusivas para os contatinhos”, se diverte.

O psicólogo Gilmaro Nogueira aponta que esses grupos são uma marca da contemporaneidade. “Um dos aspectos disso é o imediatismo, as pessoas selecionam muito mais por uma foto que pelo perfil psicológico”, explica. Por isso a prática de “mandar nudes” seria um facilitador. “Elas vão selecionando qual ângulo e qual parte do corpo podem mostrar”, comenta. Para ele, isso gera outra questão de nossa sociedade atual. “O corpo passa ser estilo de vida, tem mais valor do que o caráter. Alguns filósofos chegam a dizer que a gente se relaciona como consumidor”, pontua. E isso teria implicações boas e ruins. “Possibilita que pessoas tenham mais experiências, mas não chega a ser uma revolução porque os padrões que existem socialmente são reafirmados”, revela. 

Uma preocupação nos grupos de nudes é com menores de 18 anos. Segundo Wesley, no Facebook, eles são banidos. E no WhatsApp não são permitidos. “Mas em grupos de muitas pessoas, às vezes não dá para saber quem é”, aponta.

O cuidado é necessário, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera pornografia infantil qualquer conteúdo sexual envolvendo menores de 18 anos, segundo Rodrigo Nemj, diretor do SaferNet Brasil, associação com foco na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil. “Menores não têm a mesma dimensão de liberdade sexual que um adulto, é crime produzir, distribuir, compartilhar e ter posse desse conteúdo”, conta. De acordo com Yago Daltro Ferraro Almeida, professor de Direito Penal e Processo Penal, a legislação prevê pena de de reclusão, de um a quatro anos, além de multa. “A preocupação da Lei é proteger o crescimento físico, mental e emocional das crianças e adolescentes, além de evitar disseminação da pornografia infantil”, afirma.

É necessário prestar atenção também para não compartilhar imagens de pessoas sem autorização.  “Qualquer conteúdo íntimo de terceiros precisa de consentimento e é comum nesses grupos circular também vídeos que vazaram como pornografia de vingança”, lembra Rodrigo. “Toda publicação desse tipo sem autorização das pessoas envolvidas na imagem é violação da intimidade”, diz. Yago completa: “a pessoa pode ser condenada a pagar indenização por danos materiais (despesas com tratamentos médicos e psicológicos da vítima, por exemplo) e morais, além disso, o autor pode ser enquadrado em crime de difamação ou injúria, previstos nos artigos 139 e 140, do Código Penal, respectivamente”, finaliza.