Heroína, vítima ou culpada?

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  • Horacio Hastenreiter Filho

Publicado em 25 de outubro de 2017 às 15:37

- Atualizado há um ano

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A classe média brasileira, em regra, coloca-se, simultaneamente, na condição de heroína e vítima em relação aos problemas enfrentados pelo país. Em sua avaliação, exerce as profissões mais relevantes da sociedade, empreende, paga, proporcionalmente, mais impostos que as demais classes e, como contrapartida, não tem nenhum serviço importante provido pelo governo. Gasta com escolas particulares e planos de saúde, não tem segurança e reclama, coberta de razão, da incipiência da infraestrutura e da má qualidade do transporte público.  Vê o sistema como distorcido e perverso, mostrando-se indignada e crítica em relação à realidade enfrentada. Observando-se, no entanto, o alvo da sua indignação, deixa transparecer seletividade e enviesamento. Senão vejamos:

1) O lojista que possui o seu empreendimento em um dos enormes shopping-centers espalhados pelo país queixa-se das margens de lucro reduzidas, mas, quando persegue ampliá-las, reivindica a redução dos direitos trabalhistas dos seus funcionários, sem se voltar contra os volumosos custos de ocupação cobrados pelos shoppings, os quais, muitas vezes, superam 50% do lucro agregado;

2) Como contribuintes, clamam contra os R$ 30 bilhões anuais destinados ao Programa Bolsa Família, mas não mostram qualquer indignação com as centenas de bilhões de reais de frustração de receita, devida ao perdão fiscal concedido às grandes empresas e ao setor rural do país, o qual, no ano corrente, supera os orçamentos conjuntos da saúde e da educação;

3) Concebem a regularização fundiária e as desapropriações destinadas à promoção da reforma agrária como medidas absurdas, mas dão de ombros para a recente legalização da grilagem de terras públicas concedida pela Câmara;

4) Evocam a inexorabilidade da reforma previdenciária, justificando-se pelo déficit anual de R$ 150 bilhões do seguro social, os quais beneficiam 30 milhões de segurados, mas são insensíveis ao indesejável título de campeão mundial de juros e os mais de R$ 400 bilhões desembolsados pelo país para pagamento de despesas com essa rubrica, apenas em 2016, os quais beneficiam, tão somente, um número reduzido de rentistas.

A contraposição entre o justo sentimento de desconforto experimentado pela classe média brasileira e a forma como costuma manifestar o seu desalento permitem evocar a imagem de um alpinista solitário e amedrontado com a possibilidade de uma eminente avalanche, mas que não consegue desgrudar os olhos do sopé da montanha. Incapaz de reconhecer a base da rocha tão somente como destino indesejável, a toma como a própria ameaça, despercebendo e ignorando a subjugação da avalanche pela absoluta incapacidade de erguer a cabeça.

Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor e diretor da Escola de Administração da Ufba