Impacto global das bordas florestais

Por Deborah Faria*

Publicado em 1 de novembro de 2017 às 16:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: divulgação)

As espécies estão sendo perdidas pela borda; é o que conclui a mais recente pesquisa publicada na revista Nature, uma das mais importantes revistas científicas do mundo. O estudo, cuja título pode ser traduzido como “Criação de bordas florestais tem um impacto global em vertebrados florestais”, foi desenvolvido por dezenas de pesquisadores ao redor do mundo, incluindo esta articulista e o prof. José Carlos Morante-Filho, ambos do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação (LEAC) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

Em mais de 70% das florestas que restam no mundo a borda, ou seja, a zona de contato entre a floresta e uma área modificada no entorno, está a menos 1 km de distância. O problema é que, quando comparada as porções mais interiores do remanescente florestal estas faixas da borda são mais degradadas, apresentando modificações na sua estrutura física e microclimática, o chamado “efeito de borda”. Ou seja, a floresta na borda é qualitativamente diferente, e inferior, à região de interior de um fragmento florestal.

Este efeito de borda é um fenômeno bastante conhecido na literatura científica, porém, o que este estudo revela de maneira bastante clara é a contribuição deste efeito para a perda da biodiversidade global. A partir da mais completa base de dados, incluindo 1673 espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios em vários tipos de floresta ao redor do planeta, o estudo revelou que a borda é de fato responsável por 85% da variação na abundância geral destas espécies.Mais precisamente, observamos que nas bordas há uma redução de 11%, 30%, 41% e 57% na abundância de espécies de aves, répteis, anfíbios e mamíferos, respectivamente.As espécies mais sensíveis e, portanto, dependentes de ambientes florestais mais preservados, são mais abundantes apenas entre 200-400 metros para o interior do fragmento, destaca o estudo.Este resultado é bastante preocupante quando observamos que 20% das florestas do planeta estão a menos de 100 m de uma faixa de borda, e 50% delas a menos de 500 metros. Quando falamos de Mata Atlântica, por exemplo, sabemos que mais de 80% dos fragmentos são menores do que 50 ha, e quase metade da floresta que resta nesse Bioma está a menos de 100 metros da borda. É uma tragédia anunciada.

Outra informação relevante que o estudo traz é que, entre os grupos estudados, o tamanho corpóreo explica a maior vulnerabilidade das espécies a faixa de borda, sendo que as tendências de tamanho – pequeno ou grande – variam entre estes grupos. As espécies menores de anfíbios, e os répteis e mamíferos terrestres de maior porte foram os que apresentaram maior redução na abundância, embora no caso das aves esta característica não tenha sido determinante.

“Provavelmente muitas espécies de aves de interior de floresta são afetadas pela borda, porém essa sensibilidade dependerá de alguns traços ecológicos”, afirma José Carlos Morante-Filho. O pesquisador ressalta ainda que espécies de pequeno tamanho corpóreo e que vivem no subosque da floresta, como algumas aves insetívoras e frugívoras, são dependentes de características especificas da vegetação que só existe no interior de fragmentos florestais.A participação de pesquisadores da UESC neste estudo revela também um grande amadurecimento institucional dos laboratórios.Entre 2010-2015 a UESC coordenou a Rede Sisbiota de Pesquisa em Paisagens Antrópicas, um projeto financiado pelo CNPq e que possibilitou um avanço enorme do nosso conhecimento acerca dos impactos do desmatamento na dinâmica da floresta remanescente no Sul da Bahia.

Estes dados fazem parte hoje do Biofrag (biofrag.wordpress.com/), uma base de dados que reúne informações sobre a abundância de espécies em fragmentos de floresta em diferentes biomas ao redor do mundo. Os resultados publicados neste artigo da revista Nature trazem, portanto, uma contribuição desta base de dados para a compreensão dos efeitos das ações humanas na biodiversidade.

Para maior conhecimento, segue o endereço do artigo publicado na Nature:http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature24457.html

*Deborah Faria, coautora do artigo da Nature, é professora doutora e coordenadora do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação (LEAC) www.appliedecologylab.org da Universidade Estadual de Santa Cruz  (UESC) - [email protected]