Indústrias sustentáveis e lucrativas

Empresas baianas ou com atuação no estado têm sucesso ao adotar práticas ecologicamente corretas como diferencial competitivo

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  • Murilo Gitel

Publicado em 24 de setembro de 2017 às 05:55

- Atualizado há um ano

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A luz do sol que nasce no município baiano de São Gonçalo dos Campos (a 108 km de Salvador) reflete no telhado branco instalado na fábrica do Grupo Boticário e não permite que o calor chegue ao ambiente interno do centro de distribuição da empresa em São Gonçalo do Campos, o que reduz o consumo de energia pelos aparelhos de ar condicionado. Esse é apenas um exemplo de inovação ambiental que tem sido adotado por empresas de diferentes portes, cujo foco é a sustentabilidade.

Pesquisar e desenvolver produtos capazes de minimizar e reverter os impactos ambientais, desde o processo de produção até o descarte final de materiais, é o principal objetivo da chamada “inovação ambiental” (do inglês environmental innovation). Um caso clássico é o projeto Água Viva, fruto de uma parceria da Braskem com a Cetrel. Até a sua implantação em 2012, os efluentes das indústrias do Polo Industrial de Camaçari eram direcionados para o Centro de Inovação e Tecnologia Ambiental (Cetrel), que os tratava e despejava no emissário submarino, realizando assim o descarte.

Com o Água Viva, os efluentes, mais a água da chuva, são separados de acordo com o tipo e qualidade. Funciona assim: após o processo, uma máquina reenvia o material ao centro do projeto, onde ele é tratado e reenviado ao Polo para uso na bacia de resfriamento das indústrias. Dessa forma, as empresas esperam reduzir entre quatro e sete bilhões de litros de água por ano.

Maior empreendimento de reaproveitamento de água na indústria baiana, o projeto, que promete reutilizar cerca de 10% da água consumida pelas indústrias do Polo, foi orçado em R$ 20 milhões em obras, equipamentos e tubulações. Além disso, promove a redução da energia elétrica usada para bombeamento e na produção de insumos básicos, fundamentais para o funcionamento das indústrias do Polo.

Somente em 2014 a Braskem consumiu 11,4 bilhões de litros de água de reuso, proveniente de esgoto doméstico, água de chuva ou efluente industrial tratado. O aporte realizado desde a criação da companhia, em 2002, resultou em uma economia acumulada da ordem de R$ 154 milhões na redução de custos com tratamento de efluentes líquidos e na demanda pelo recurso hídrico. “A empresa tem na eficiência hídrica um de seus objetivos prioritários de atuação”, afirma o diretor de Desenvolvimento Sustentável, Jorge Soto.

Em 2013, o Água Viva foi um dos cinco destaques no Ranking Benchmarking Brasil, anunciado em São Paulo. O programa foi um dos principais programas avaliados entre mais de 150 especialistas de 17 países que integraram a banca examinadora. A iniciativa rendeu ao Centro de Inovação e Tecnologia Ambiental, localizado na Cetrel, o primeiro lugar do Prêmio Finep 2013 na categoria Inovação Sustentável da Região Nordeste.

No âmbito da indústria, iniciativas como essa são incentivadas por entidades como o Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofic), que representa cerca de 90 empresas do Polo. “O Cofic tem como propósito promover o desenvolvimento sustentável do Polo Industrial de Camaçari e sua área de influência regional, estimulando suas associadas em relação à práticas de sustentabilidade (utilização de recursos renováveis, relacionamento com as comunidades, economia de energia, entre outras)”, exemplifica o superintendente de Desenvolvimento e Comunicação do Cofic, Érico Oliveira.

O Projeto Água Viva, da Braskem e da Cetrel, promete reutilizar 10% da água utilizada pelas indústrias do Polo (foto: Divulgação) Meta

Outro destaque entre as grandes empresas quando o assunto é gestão sustentável da água é a Ambev, dona de marcas como Skol, Brahma e Antarctica. A companhia destinou nos últimos cinco anos mais de R$ 150 milhões para projetos ambientais em suas unidades. Com a ajuda desse investimento, ainda em 2015, a cervejaria bateu a meta global estabelecida para 2017 de usar ao máximo 3,2 litros de água para cada litro de bebida envasado. No último ano, a redução chegou a 3,04 litros. Para efeito de comparação em 2002 eram utilizados mais de 5 litros.

“Como a água é a principal matéria-prima do nosso negócio temos investido muito em eficiência hídrica, o que inclui ações voltadas à preservação das bacias hidrográficas brasileiras [Projeto Bacias]”, destaca a gerente nacional de Sustentabilidade da Ambev, Andréa Matsui.

Depois do processo de lavagem das garrafas, a água das cervejarias da Ambev é reutilizada na higienização das caixas. “Importante deixar claro que a água que compõe as cervejas, a chamada ‘água nobre’ não passa por qualquer processo de reutilização”, esclarece Matsui.

Um dos focos da companhia na área de sustentabilidade está no acesso à água potável. A partir deste mês, duas redes de supermercado de Salvador passarão a comercializar a água mineral AMA, que tem 100% do lucro revertido a projetos de acesso à água potável. As vendas do produto já ajudaram comunidades de três cidades no interior do Ceará. Os municípios de Aiuaba, Jaguaruana e Capistrano receberam financiamento para obras de perfuração de poços e para a construção de micro usinas de energia solar que diminuem consideravelmente o custo de distribuição.

“Já iniciamos os diálogos com organizações da Bahia a fim de beneficiar também comunidades do Semiárido baiano em breve, bem como os demais estados que sofrem com a seca”, adiantou Matsui ao CORREIO Sustentabilidade.

A Ambev informou por meio da assessoria de imprensa que reaproveita mais de 99% dos seus subprodutos. O bagaço do malte e o fermento residual, por exemplo, viram ração animal, enquanto a terra infusória que seria descartada é utilizada como matéria-prima na fabricação de tijolos. Já o lodo proveniente das estações de tratamento de efluentes é transformado em adubo orgânico.

Na área de resíduos, a gerente de Sustentabilidade ressalta que cerca 40% das garrafas do Guaraná Antarctica são produzidas atualmente com material PET reciclado. “Além disso, quase 25% do volume de embalagens de bebidas que temos no mercado são retornáveis. Nos bares o retorno sempre foi alto, agora, o nosso foco está nos supermercados”, acrescenta.

Andrea Matsui é gerente nacional de sustentabilidade da Ambev (foto: Divulgação)

Exemplo

Mas se engana quem supõe que a inovação ambiental é restrita a grandes empresas. A Camisas Polo, pequena indústria situada no condomínio Bahia Têxtil, no bairro Uruguai, conta com mais de 40 ações ancoradas nos pilares da sustentabilidade, a exemplo da utilização de energia solar, sistema de reaproveitamento de água da chuva nos banheiros, embalagens biodegradáveis e sensores de presença.

“O nosso trabalho na área de sustentabilidade é cada vez mais consistente. A inovação ambiental é essencial em momentos como o atual, de turbulência econômica”, destaca o sócio-diretor da empresa, Hari Hartmann.

Primeira indústria de pequeno porte do Brasil autossuficiente em energia solar – os 98 painéis instalados ainda geram energia excedente – a Camisas Polo produz três linhas de camisas ecológicas (Ecoline, Ecofibra e 100), compostas por materiais como poliéster de garrafa PET, fibras de PET recicladas, desfibramento de retalhos e algodão orgânico.

“Costumo dizer que nossos clientes adquirem camisas verdes. Verdes de sustentabilidade. A empresa está focada, cuidando das boas práticas ambientais”, garante Hartmann. O empresário conta que antes da implantação do sistema de energia solar chegava a pagar uma média de R$ 2.500 a R$ 3 mil mensais à Coelba, valor que foi reduzido a zero nos últimos meses. “Gerei mais energia do que consumi, o que resultou em 100% de economia. Em agosto o nosso excedente chegou a 600 kw/h”. Investir em sustentabilidade também refletiu no faturamento da empresa. “Crescemos entre 10% e 15% em 2016, no comparativo com 2015, além de 15% nos primeiros meses deste ano, e já estamos exportando para Angola”, comemora.

A preocupação com as práticas ambientalmente corretas gerou, além de ganhos econômicos, reconhecimento. No final de agosto, a Camisas Polo conquistou o Selo Verde Ouro, uma certificação socioambiental concedida pela Ecolmeia, organização sem fins lucrativos com sede em São Paulo que desde 2008 reconhece empresas e organizações cujos processos produtivos e o modelo de gestão estão alinhados com a valorização do ser humano e a sustentabilidade ambiental.

Campo sustentável

A inovação ambiental pode estar presente em qualquer setor da economia, mesmo o agronegócio, muitas vezes visto como vilão pelos ambientalistas mais ferrenhos. Na região Oeste do estado, a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) estimula os produtores rurais a adotarem práticas ambientalmente corretas na produção. “Temos fomentado a adoção de boas práticas agrícolas em todo o processo produtivo, incluindo, é claro, o cumprimento da legislação ambiental vigente”, ressalta a diretora de Meio Ambiente da Aiba, Alessandra Chaves.

No município de Luís Eduardo Magalhães, por exemplo, o agricultor Luiz Pradella demonstra que ser sustentável dá lucro. Ele pratica a produção de grãos (milho e soja) através do Sistema de Plantio Direto (SPD), técnica que favorece a infiltração e o armazenamento de água – inclusive recarregando aquíferos, como o Urucaia, o segundo maior do País e que representa uma importante fonte hídrica para o Rio São Francisco. “Os ganhos para a sociedade e para o meio ambiente são muitos. Além da economia que o produtor obtém operacionalmente e na compra de fertilizantes, as práticas de manejo de solo contribuem para o aumento da produtividade e também beneficiam o meio ambiente, pois esse sistema sequestra carbono e melhora a ampliação da conservação do solo e da água”, explica Pradella.