Inovar para crescer: pequenos negócios mostram a força na retomada pós-pandemia

Pequenos negócios geram mais de 80% dos empregos e mostram como estão movimentando a economia

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 29 de maio de 2023 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

Pequenas, potentes, resilientes, empregadores... Desde a pandemia, os pequenos negócios vêm se destacando quando se trata de retomar a economia, afinal, eles conseguem gerar renda para os empreendedores e empregos para terceiros, movimentando a cadeia produtiva nacional e local. 

De acordo com um levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com base nos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), nos dois primeiros meses desse ano, as médias e pequenas empresas(MPEs) foram responsáveis por gerar 83% dos postos de trabalho no País. 

No ano passado, a participação das micro e pequenas empresas mostrou que, a cada 10 postos de trabalho gerados no Brasil, oito foram gerados por essas pequenas notáveis. O acumulado do ano ultrapassou 2 milhões de novas vagas, das quais quase 1,6 milhão foram nos pequenos negócios: cerca de 78,4% do total. Em 2021, a presença das MPEs gerou um total de 77% das oportunidades.

O Empregos e Soluções conversou com empreendedores (alguns participaram até de outras reportagens realizadas no auge das medidas sanitárias) que mostraram como conseguiram sobreviver ao período mais agudo da crise e como reinventaram suas iniciativas, garantindo a manutenção dos negócios e possibilitando a geração de trabalho para pessoas do entorno.  Jussara Prado precisou ser muito resiliente para ver seu planos serem refeitos diversas vezes até encontrar um modelo disruptivos de oferecer escritórios em co-working (Foto: Divulgação) Jussara Prado - Innova

"Meus pais eram comerciantes e, desde pequena, fui respirando esse universo, com sua liberdade e desafios! Quando adolescente, eu e uma amiga (Jordana), decidimos fazer doces para vender e complementar nossa renda. Trabalhávamos na parte da tarde e, pela manhã,  fazíamos brigadeiros e bombons recheados.

Criamos a Jô & Ju Doces. Decidi fazer o curso de administração. Na faculdade, conheci um empreendedor apaixonado pelo que fazia, que me convidou para trabalhar com ele. Era uma indústria de móveis para escritórios, um mercado que nada conhecia, mais a paixão pelo negócio e a clareza do que ele almejava com o negócio, mais uma vez, despertou em mim a faísca do empreendedorismo. 

Comecei a trabalhar Eduardo como recepcionista, logo me tornei sua assessora pessoal, e colei nele, aprendendo tudo sobre os produtos, a proposta da empresa, os valores, e as possibilidades. Fui me apaixonando pela área, aprendi que era muito mais do que vender cadeiras, vender móveis, era vender soluções para as necessidades do cliente, transformando os ambientes de trabalho, com produtos com ergonomia e designer, o que impactava totalmente no dia a dia dos colaboradores, aumentando a produtividade e automaticamente os ganhos da empresa.

Em dois anos, peguei a gerência regional da Bahia e Espírito Santo, isso em 2009, e fiquei nessa função até 2016. Conquistei grandes, contas, que em sua maioria me trouxeram grandes amigos. Em 2016, decidi sair e, junto com meu esposo Marcelo, decidimos criar nosso próprio negócio, e aí nasceu a Innova. Um negócio criado baseado em nossas experiências, conhecimento e crenças. 

Provocada por tudo isso, e pela escolha do mundo que queria apresentar para os meus filhos, nasceu, em 2019, o desejo de expansão da Innova, um projeto que traduzia minhas inquietações e onde eu poderia ser protagonista na mudança que meu coração exigia. Assim, em outubro daquele mesmo ano, nasce em meu coração e mente o projeto da Innova Coworking Salvador, um projeto grande, ousado e disruptivo e com base na minha experiência de mais de 13 anos trabalhando com projetos corporativos, acompanhando as transformações dos ambientes de trabalho, me fazia acreditar que estaríamos desenvolvendo um modelo único no mundo. 

A pandemia começou quando pegamos a chave da nova sede. Tudo apontava para a desistência, mas mantivemos o otimismo, afinal era projeto de vida, então reunimos nosso time e mostrei que aquele projeto nos ajudaria a passar por tudo e nos manteria conectados. O tempo passou, fragilizei, tive medo, dúvidas, nosso fluxo de caixa caiu e não parecia existir luz para o fim da pandemia. Em julho de 2020, retomamos e, uma semana após a nossa retomada, vivemos um acidente gravíssimo. Foram quatro meses de obra e entrega da equipe INNOVA e da Bland Construtora. Escolhemos cada detalhe, colocando amor, respeito, fé, dendê e pão de queijo.

Em novembro de 2020, inauguramos e sustentamos esse negócio até hoje, a economia em nosso país voltou a girar, mas sabemos que isso ainda caminha a passos lentos. A INNOVA coworking passa a ser um produto e posicionamos nossa empresa como INNOVA COLLAB - HUB DE PROPÓSITOS, o primeiro do mundo focado em inspirar, desenvolver, implementar e fortalecer ambientes de trabalho positivos, seguros, saudáveis e acessíveis para todos. Somos, hoje, uma comunidade, reunindo pessoas, profissionais diversos, alinhados com nossos valores e propósito, para juntos oferecermos soluções 360° para as organizações públicas e privadas, pautadas no desenvolvimento da inteligência Humana, Emocional, Psicológica, Física, Financeira e Social para dominarmos a inteligência artificial.

Nos tornamos casa do LIDE, da AJE, ABRH-BA, Vale do Dendê, entre outras importantes organizações do nosso ecossistema. Fizemos mais de 70 rodas de conversa simples e complexas sobre questões da vida, do mundo dos negócios, cultura, política, posicionamento, inovação, arte, sagrado feminino, arquétipos, arquitetura, saúde, beleza, educação e bem-estar, estudo de livros, entre outros. Convidamos e inspiramos os empresários a se movimentarem, a desenvolverem a cultura da colaboração". Fábio e Karina reclamam da ausência de políticas públicas capazes de dar suporte ao crescimento dos pequenos negócios em larga escala e de forma sistemática (Foto: Acervo pessoal) Fábio Vidal e Ana Karina Dortas – Vidal Artesanais

Começamos de forma caseira, sem definição do que realmente seria a empresa até porque tínhamos outras fontes de trabalho e o negócio da gastronomia não era primordial naquele momento. Fazíamos produtos com a proposta do "comida de verdade", onde prezávamos pelo respeito aos insumos, que tinham que ser de total qualidade, mesmo com custo elevado em relação ao que temos no nosso mercado varejista. De início, presenteávamos amigos e parentes até que as pessoas começaram a perguntar o motivo de não vendermos os produtos que traziam memórias afetivas. 

Em 2016, com a crise da indústria, onde trabalhava, fomos obrigados a começar a transformar nosso hobby em fonte de renda e assim fizemos. Tínhamos especialização em produtos de charcutaria e daí veio o primeiro desafio de, praticamente, ensinar o soteropolitano a comer carne suína e desmistificar uma série de mitos sobre a gordura suína, por exemplo, que é monoinsaturada e, portanto, pode ser fervida até 300 vezes que não traz problemas a saúde. Com a pandemia, achávamos que iriamos perder tudo, que o negócio não iria sustentar só com delivery, mas tivemos a surpresa e o aprendizado, pois, com as pessoas em casa, o consumo cresceu com um aumento considerável nas vendas nessa época. Em 2021, mudamos de local e abrimos duas cozinhas, uma climatizada de acordo com as normas do Ministério da Agricultura e uma cozinha normal quente, para molhos e comidas prontas.

Foi e tem sido muito produtivo, com maior infraestrutura para trabalhar, maior segurança alimentar, maior controle dos processos, mas nem tudo são flores, enfrentamos até hoje o maior problema com aumentos abusivos de insumos, carnes, impostos pesados... e isso atravanca o crescimento. Falta de incentivo para que haja um crescimento natural com o trabalho, para que os produtos possam ter preços competitivos. 

Nesse processo, aprendemos a ter paciência com o ciclo de vendas, saber dosar os estoques para que não tivéssemos perdas excessivas, organizar gastos e não se deslumbrar com o crescimento da marca, afinal, isso é uma coisa diferente de dinheiro na conta!!! Enquanto a Vidal cresceu também tivemos a oportunidade de fazer parceria com outros empreendedores, que comercializavam seus produtos e serviços, usando a nossa estrutura de entrega gratuitamente, afinal, era uma forma de fortalecer a economia. Nesse processo, também conseguimos colaborar com a geração de renda de alguns profissionais responsáveis pela logística das entregas, antes mesmo da pandemia até.   Sandra trocou o comércio de roupas pela venda de pães e massas. Enquanto investe no negócio, abre a possibilidade de empregar uma cadeia de prestadores de serviços (Foto: Divulgação) Sandra Regina Avozani - Avozani Pane & Pasta 

Há 10 anos, eu tinha uma loja de roupas femininas, em Piatã, quando em fevereiro de 2020, junto com a pandemia, veio a necessidade do lockdown. Com o comercio fechado, as pessoas assustadas, com futuro incerto... era necessário estabelecer novas diretrizes com possibilidades de ganhos financeiros, já que a loja era o único sustento. Alimentos e medicação eram as únicas coisas que vendiam e com o fechamento total, estávamos à deriva. 

Somos uma família de ascendência italiana, então, a comida era a única saída. Fazer pães já fazia parte do nosso cotidiano desde a infância. Foi aí que surgiu a ideia da comercialização. Primeiro para os amigos, vizinhos e assim fomos crescendo. Durante dois anos de restrições, os pães passaram a ser a principal fonte financeira. Aliado a isso, a abertura das vendas on line das marketing places inviabilizou os mercado de rua. Acredito que o comércio on line continuará crescendo e que, pequenas empresas - porta de rua - estão fadadas ao fechamento caso não haja uma adequação ao novo mercado que surge. Costumo dizer que a economia é um grande carnaval e os trios elétricos são a demanda dos clientes. A concorrência com artigos mais baratos na internet é maior desafio dos pequenos comerciantes, pois, nem sempre, o cliente busca qualidade.

Sou muito teimosa, mas acho a que a tomada de decisão oportuna, é necessária. Essa história de "não largar o osso" pode quebrar um negócio. O propósito de qualquer negócio é gerar lucros com responsabilidade social. Nossa maior preocupação é contribuir para uma alimentação saudável em meio a milhares de fast-foods e unir famílias e amigos em torno da mesa. Luciana Moura descobriu a solidariedade e a parceria com outras empreendedoras como uma forma de fortalecer os negócios e os ânimos enquanto espera por novos tempos (Foto: Divulgação) Luciana Moura - Dona Domitilla

Em 2018, a proposta inicial era a produção de geleias artesanais com sabores exclusivos e que causassem curiosidade por suas combinações exóticas. Os sabores faziam o cliente a pensar ‘fora da caixa’ e ver a geleia como um produto para ser consumido não só no café da manhã, mas em churrascos, acompanhando peixes, sanduíches. Eu queria surpreender e a ideia deu certo, pois era novidade em Salvador!

Aos poucos fui conquistando um público fiel e com o passar do tempo, resolvi ampliar o cardápio, pois sabia que precisaria me reinventar diariamente e, além das geleias, comecei a produção de molhos e antepastos, alguns tradicionais, como o molho pesto e caponata de berinjela, mas sempre seguindo a ideia de desenvolver produtos exclusivos da Dona Domitilla com combinações diferenciadas.  

A pandemia foi um período de muitas incertezas e eu sabia que precisaria fazer algumas mudanças na minha marca. A primeira foi buscar cursos, consultorias e mentorias que me orientassem com as redes sociais. Elas foram fundamentais nesse período! Busquei falar com o meu público de uma forma acolhedora e positiva e, ao mesmo tempo, oferecer os produtos como uma forma de buscar alegria e prazer no meio do caos. Em seguida, fui buscar formas eficientes para que o meu produto chegasse ao meu cliente. Contratei um motoboy para levar os produtos de forma segura e o ingresso nas grandes plataformas de delivery de alimentos foi importantíssimo para captar clientes novos, já que não teria tão cedo as feiras de rua, que eram o que me aproximava de novos prováveis clientes.  

Hoje, a Dona Domitilla continua atuando bastante com delivery e sempre buscando pontos de vendas para levar os produtos para novos clientes. Confesso que as feiras de rua, que foram o pontapé inicial para a minha forma de empreender, hoje em dia são selecionadas com muito cuidado e atenção. O investimento em feiras normalmente é muito alto e nem sempre compensa. Percebi que existem outras alternativas de venda que são mais vantajosas não só para a marca, mas para o próprio cliente. 

O maior desafio atualmente é a compra de alguns produtos fundamentais para a produção. Durante a pandemia, por exemplo, o único distribuidor de potes de vidro de Salvador fechou e, com isso, o custo aumentou bastante. Tento me organizar para ter sempre estoque deste material, mas envolve um investimento financeiro muito alto.

Eu tenho conseguido realizar o sonho de ver os meus produtos em prateleiras de lojas, o que facilita muito a chegada de novos clientes. Isto para mim hoje em dia é muito gratificante. Quero muito mais e vou precisar continuar a minha captação de novos pontos de venda, mas, na vida de empreendedora, aprendi que tenho que dar um passo de cada vez para chegar lá! 

Ao longo da minha caminhada empreendedora eu conheci muitas mulheres incríveis, com marcas que oferecem produtos variados, de alta qualidade e estamos sempre conectadas, buscando parcerias interessantes para unir e fortalecer as nossas marcas. Campanhas, sorteios, desenvolvimento produtos em parceria é sempre um bom caminho para crescer junto de outras pessoas talentosas. Hoje, eu tenho o entendimento que a forma que eu posso movimentar a economia é sempre priorizar a compra de pequenas empreendedoras, indicar ao meu ciclo de amigos e familiares e consumir de forma real produtos artesanais, feitos a mão por pessoas que, assim como eu, vivem das suas criações.  Enquanto não consegue preencher todos os turnos da Escola Ebam com cursos, Graziela Bandeira loca o espaço para conseguir driblar as dificuldades advindas do período (Foto: Divulgação) Graziela Bandeira – EBAM

Proposta inédita na época, a nossa escola de empreendedorismo oferece cursos presenciais de Moda, Arte e Gastronomia em um espaço único de saber e de trocas de experiências. Nossos cursos trazem uma mistura perfeita entre teoria e prática, com profissionais atuantes no mercado, que unem competências teóricas e domínio das práticas, gerando certificados para agregar valor ao currículo do aluno.

No entanto, a pandemia teve um grande impacto em nosso negócio, já que nossa escola ficou fechada por 11 meses. Como oferecemos cursos totalmente presenciais, isso afetou muito a nossa rotina e o retorno ainda está sendo gradativo. Para nos mantermos financeiramente, alugamos a cozinha para uma empresa produzir e assim conseguimos manter nossas contas em dia.

Atualmente, estamos focados em divulgar nossos cursos, com bastante conteúdo sobre moda, arte e gastronomia, para percebermos o que nosso público deseja e retomar as aulas presenciais. Um dos maiores desafios enfrentados atualmente é retomar os cursos em três turnos, como era antes da pandemia. Atualmente, a escola só está funcionando em um turno.

Ao olhar para trás, aprendemos diversas lições, como valorizar as pessoas que são importantes, cuidar da saúde mental, ter mais empatia, adaptação às mudanças, aproveitar o presente, viver o hoje e não ter medo de arriscar. Nosso negócio tem colaborado com a economia local, trazendo desenvolvimento para a comunidade e aumentando a demanda de trabalho. Criamos empregos dentro do bairro, com funcionários locais, ajudando a girar a roda da economia.

Esse conteúdo integra o Agenda Bahia, projeto do CORREIO que dialoga com temas relevantes para a sociedade.