Justiça para Xangô: prefeitura tomba hoje a Pedra de Xangô, em Cajazeiras

Tombamento é resultado de luta de oito anos dos terreiros de candomblé de Cajazeiras

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  • Thais Borges

Publicado em 4 de maio de 2017 às 05:30

- Atualizado há um ano

Pedra de Xangô passou por limpeza ontem(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)Orixá da justiça, Xangô é rei e onipresente. Em Salvador, ele tem um de seus palácios. É a Pedra de Xangô, em Cajazeiras 10. Só que o monumento sagrado – um dos principais símbolos das religiões de matriz africana na cidade – não vem sendo tratado como deveria. Por isso, o sonho de muita gente, como da ialorixá Iara de Oxum, era ver a Pedra de Xangô ser preservada pelo restante da sociedade. 

“Há oito anos, lutamos por isso, com a criação da Associação Parque das Águas e com a Caminhada da Pedra de Xangô, que teve a primeira edição em 2010. Antes, isso aqui era tudo mata fechada, mas começaram a vir moradores, invasões e muito descaso”, lembra Mãe Iara, uma das vozes mais ressoantes no processo de tombamento da Pedra. Agora, o anseio de Mãe Iara e de tantos outros adeptos do candomblé deve receber uma resposta: hoje, às 14h30, a Pedra de Xangô será oficialmente tombada pelo município. 

Segundo a prefeitura, o processo de tombamento foi aberto a partir das solicitações de entidades como a Associação Pássaros das Águas, presidida por Mãe Iara, e a Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia, além da Câmara Municipal. A Pedra de Xangô é o terceiro bem tombado pelo município - antes, foram o terreiro Vodun Zo e o Cristo da Barra. 

“A Pedra de Xangô é um grande marco de resistência do bairro de Cajazeiras e da comunidade negra de Salvador. Ela tem uma importância muito grande porque ali era um quilombo e ela se transformou numa grande referência para as religiões afro-brasileiras. É um monumento importantíssimo que corre o risco de ser destruído para a especulação imobiliária”, opina o presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro. A entidade é a responsável pelo tombamento. Mãe Iara de Oxum liderou rituais de preparação para o tombamento(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)SalvaguardarDesde o ano passado, com o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU), a região de 17 hectares onde fica a Pedra de Xangô foi oficializada como Área de Proteção Ambiental (APA). Além disso, de acordo com a prefeitura, a Secretaria Municipal de Cidade Sustentável e Inovação (Secis) está desenvolvendo um projeto para a construção de um parque, que será chamado Rede Pedra de Xangô.

A ideia é que o espaço receba anfiteatro, ciclovia, espaço reservado para cultos e cerimônias religiosas. Segundo a prefeitura, no entanto, não há prazo para que esse projeto seja concluído - eles reforçam que nada será instalado sem a aprovação da comunidade.

Apesar dessas iniciativas, faltava um reconhecimento maior para aquela que é um símbolo da resistência das religiões de matriz africana por aqui e no mundo. Para as casas de candomblé ligadas à Pedra de Xangô, isso só será possível agora, com o tombamento.

“Isso representa uma salvaguarda. Significa saber, por exemplo, que nunca vão implodi-la. Significa que os poderes públicos vão ter que preservar”, explica a ialorixá Mãe Iara, com lágrimas nos olhos. Ritual do ossé, a limpeza espiritual, também foi feito ontem(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)OsséSacerdotisa do terreiro Ilê T’Omím Kíósísé Ayó, em Cajazeiras 11, Mãe Iara liderou, ontem, a limpeza e a preparação do monumento sagrado, ao lado dos  filhos de santo.

Era o ossé, ritual de limpeza espiritual que promovem na Pedra de Xangô. Ontem à tarde, eles usavam um carro-pipa para ajudar. “É igual a fazer uma festa em casa. Você vai receber gente em casa se estiver tudo sujo? Essa lavagem  faz parte do ossé também”, diz.

Para o agbagigan do Terreiro do Bogum, Everaldo Duarte, o título também é um reconhecimento do trabalho feito pelo povo de santo, por parte do poder público. Ele também acredita que, sem atuação das casas de candomblé, a explosão imobiliária poderia ter destruído o monumento sagrado - a própria construção da Avenida Assis Valente, que deixou a Pedra às margens da via, seria uma prova disso. “Uma vez tomada essa decisão, acreditamos que a preservação seja muito mais fácil de se manter”, afirma.

Com a criação do Parque Rede Pedra de Xangô, passará a existir um conselho para cuidar do local. Segundo a prefeitura, a função do conselho será organizar e definir regras de ocupação e uso do parque. A ideia é que a entidade conte com representantes da sociedade civil, do poder público e do setor privado.

“O tombamento não é o fim de um processo, é o início. A comunidade vai estar mais fortalecida para cuidar da Pedra, para começar o processo de transformação. Da mesma forma (o Memorial) Irmã Dulce hoje é um ponto de convergência. A gente pode transformar num ponto de atração de turismo religioso como o Dique, a Praça da Bíblia”, diz o presidente da FGM, Fernando Guerreiro.