Lázaro Ramos envolvido em duas estreias de teatro neste fim de semana

Ator fala com o CORREIO sobre peça que estreia em Salvador e outra que chega ao Rio de Janeiro

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  • Roberto Midlej

Publicado em 4 de novembro de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Raquel Cunha/Globo

Lázaro Ramos está em um dos momentos mais prolíficos de sua carreira. Depois de estrelar mais uma temporada da série Mister Brau, na Globo, o ator baiano de 39 anos continua se dedicando ao programa de entrevistas Espelho, no Canal Brasil, que chega a seu 12º ano seguido.

Além disso, comemora o sucesso do livro Na Minha Pele. Lançada em junho pela Companhia das Letras, a publicação reúne uma série de textos de Lázaro sobre temas como ações afirmativas, gênero, família e empoderamento.

E a carreira de escritor de Lazinho - seu apelido entre amigos - também é dirigida às crianças: depois de lançar o Caderno de Rimas de João, ele já tem pronto O Caderno sem Rimas de Maria, que será lançado em breve. Os dois livros são a base da peça Caderno de Rimas do João e Sem Rimas da Maria, que estreia amanhã no Teatro Vila Velha.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, estreou ontem a peça O Jornal, que tem direção de Lázaro e de Kiko Mascarenhas. A montagem é baseada num caso real de um tabloide de Uganda, que “denunciou” 100 homossexuais. Naquele país, ser gay é considerado crime.

E ainda tem mais: em dezembro, estreia na Globo o programa Lazinho com Você, apresentado por ele. A atração é baseada em conteúdo colaborativo, a partir de sugestões de internautas.

Você tem alguma motivação para escrever estes textos especialmente para as crianças? O que acha do público infantil?  Eu acho o público infantil um grande desafio sempre. E é isso que me faz escrever tanto pra crianças: é um diálogo muito sincero e preenchido de ludicidade e eu particularmente gosto de acrescentar humor a isso, para falar de temas importantes para a criança, seja auto-estima, seja a valorização das diferenças, seja a amizade. E, para mim, escrever para a criança significa cumprir um pouco aquilo que a arte me ofereceu na vida, que é tentar trazer reflexões e transformações positivas no mundo através da arte.Ver o mundo com diversidade é estimular as crianças a entenderem a diversidade como um valor positivo Você disse, em uma entrevista à  Folha de S. Paulo, que faltam heróis negros para as crianças. As história que você cria trazem estes heróis? Hoje, um pai mais atento consegue encontrar uma literatura de qualidade que fala sobre diversidade. Há até editoras especializadas nisso, como a editora Mazza e a Pallas, pela qual lanço meus livros infantis, que também tem um grande catálogo. E é importante, para criança de qualquer etnia, que ela se veja representada nas histórias. Ver o mundo com diversidade é estimular as crianças a entenderem a diversidade como um valor positivo.

Você, mesmo longe da Bahia, manifesta interesse em manter-se próximo daqui, por meio de suas criações. Por que? Porque a Bahia não sai de mim. Meu universo criativo é baiano. Meus amores e minhas amizades são baianas e eu sou baiano em todos os momentos da minha vida. No meu jeito de criar, principalmente. É o que me estimula, o que me alimenta. E eu me considero ator do Bando de Teatro Olodum. Não estou em atividade nele, mas serei ator do Bando até o fim dos meus dias, porque é o que define um pouco o tipo de ator que quero ser, o tipo de assunto que quero levar para a cena e o tipo de representação que eu gostaria de fazer.Meu universo criativo é baiano. Meus amores e minhas amizades são baianas e eu sou baiano em todos os momentos da minha vidaVocê diz que, embora passada em Uganda, a peça O Jornal remete muito ao Brasil. Por quê? O Jornal é um alerta. Em Uganda, há uma lei que criminaliza a homossexualidade e a gente vê muitas expressões de desrespeito, intolerância e violência contra a comunidade gay. E a gente trazer um alerta como esta peça é muito importante para a gente ver que a gente não precisa chegar na barbárie para compreender que é possível sim conviver com as diferentes orientações sexuais. 

O Jornal aborda questões de sexualidade e estreia num momento em que uma onda conservadora cresce no país. É uma coincidência ou foi uma escolha proposital? O texto “nos encontrou” há um ano e meio e remete um pouco à dramaturgia do Topo da Montanha (outra peça dirigida por Lázaro), que consegue com uma carpintaria teatral sofisticada falar de assuntos delicados. Acho que a peça é bem vinda neste momento, mas acho que revela um tipo de contribuição que o teatro tem feito no mundo, que fala destas questões, ainda assim entretendo, provocando e acolhendo pra que a gente não faça apenas o diagnóstico. A gente tem como propósito acolher as pessoas quando elas chegarem ao teatro.

Você está se aprimorando como diretor no teatro. Como avalia a sua experiência na direção teatral e qual o prazer que tem em dirigir? Eu adoro dirigir e a cada dia que passa, mais eu gosto. Acho que é a tendência na minha vida. Aprendo muito com a direção e acho que estou aprendendo a criar até uma identidade. Acho que é meu caminho natural e é muito engraçado isto porque estar dirigindo é como se eu estivesse voltando para casa. Minha matriz artística é o teatro e sempre será e, ao dirigir, me sinto como no Teatro Vila Velha, quando eu tinha 15 anos, começando a fazer teatro e vendo o mundo de uma outra maneira. Marcos Guian e Danilo Ferreira, da peça O Jornal (divulgação) Você acha que os negros estão, aos poucos, se vendo representados na mídia brasileira como merecem? Sempre fujo destas respostas generalistas, como “os negros estão aos poucos sendo representados”. Primeiro, acho que nós, negros, somos muitas coisas. Cada um entende o tamanho da representatividade de uma maneira e qual representatividade cada um quer. Eu acho que hoje em dia, na minha opinião, na minha experiência como homem e artista negro eu vejo alguns focos de esperança. Esses focos de esperança - que ainda não são suficientes -, eu vejo em jovens que entraram nas universidades e se colocam e trazem outras visões de mundo. Eu vejo numa juventude que está em busca do seu caminho e que se afirma através da estética e das palavras. Vejo através de pessoas de outra geração que se sentem acolhidas para falar de questões que às vezes foram silenciadas durante muito tempo e isso eu acho muito positivo, apesar de saber que o desafio é muito grande e muita coisa precisa ser construída para a gente viver no país que a gente sonha.