Macacos não driblam

Jolivaldo Freitas é jornalista e escritor

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  • Jolivaldo Freitas

Publicado em 24 de novembro de 2017 às 04:40

- Atualizado há um ano

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“Macaco”. Fiquei pasmo com o insulto racial proferido pelo adversário e denunciado pelo jogador Renê Júnior do Bahia. O agressor foi seu colega de futebol Santiago Trêllez, do Vitória. Quedei-me tão transtornado quanto o jogador que, quieto no meio do campo, só fazia chorar sem nenhuma outra iniciativa que não fosse se lamentar. Era uma cena que se torna muito comum em campos do Brasil e exterior.

O bizarro de tudo é que a atitude o jogador do Vitória é a mesma de boa parte dos brasileiros – nem vou falar da raça branca – que se diz de cor parda, que esquecendo seu passado vocifera frases e espalha gestos racistas. O jogador colombiano se esqueceu na hora do ódio que é negro, filho de negro. Para ele macacos são os outros. Por causa da comoção que a cena filmada causou, ele pediu desculpas, o René Júnior aceitou, mas o estrago estava feito e esquecer jamais. Isso não se deleta.

O negro vem sendo hostilizado nos campos pelo mundo todo. O talentoso Daniel Alves, do PSG e companheiro de Neymar, considerado o melhor zagueiro do mundo, foi chamado de macaco por diversas vezes na Espanha. Pelé disse em entrevista recente que foi chamado de “macaquito” num jogo do Santos na Argentina e que o time levou um tempo até entender o que estava se passando. Depois foram muitas as vezes que o marcador na falta de talento para evitar suas jogadas tentou intimidar com atitudes racistas. São muitos os casos, como o do goleiro Aranha que sofreu insultos num jogo contra o Grêmio.

Pesquisa recente mostra que no universo futebolístico nacional, cuja imagem de excelência foi originada dos pés de grandes jogadores negros como Didi, Leônidas, Baiacu, Paulo César Caju, Coutinho, Apolinário (Popó) do Ypiranga e tantos outros, não existe espaço para técnicos negros e principalmente presidentes negros. Técnico aparece um ou outro como Luxemburgo, tivemos Didi que dirigiu até seleções como a do Peru ou Andrada que foi o primeiro técnico campeão em um grande time, o Flamengo, em 2009.  Caso raro foi o do pernambucano Gentil Cardoso que foi treinador de grandes equipes como Vasco, Flamengo, Corinthians, Náutico e até dirigiu a Seleção Brasileira no Campeonato Sul-Americano de 1959.

Pesquisa feita por um importante site de futebol mostra que no Brasil o negro faz o espetáculo dentro do campo, mas não pode comandar os destinos de um grande clube de futebol ou entidade gestora. A corrupta CBF é um exemplo. Os cargos dos negros nos clubes são aqueles chamados de baixo clero. Geralmente assistentes. E olha que o futebol é o setor no país onde o negro mais se destaca e é admirado.

Interessante é que, nos primórdios do futebol, lá em 1904, o Brasil viu um negro como presidente de clube grande. O Vasco escolheu Cândido José de Araújo para comandar o clube e ele ainda chegou a ser reeleito e ganhou títulos até em regatas. Aqui na Bahia, temos um caso interessante que é o Ednaldo Rodrigues. Ele dirige a Federação Baiana de Futebol, sendo o único negro numa plêiade de 24 federações pelo Brasil. A Bahia ainda é o estado com o maior número de negros do país. E todos driblando o destino, o racismo e as más-línguas. Macaco é a mãe. Desculpe.