Malu Fontes: os dias não são assim

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  • Malu Fontes

Publicado em 10 de julho de 2017 às 10:43

- Atualizado há um ano

Na cabeça de jornalistas, filiados a partidos, políticos, ativistas, apaniguados em cargos de confiança em gabinetes Brasil afora, graças apenas ao Q.I., ou seja, ao famoso "quem indica", e na de uma parcela pequena de leitores, ouvintes e telespectadores aficionados por notícias políticas, a impressão parece ser a de que absolutamente tudo no país, agora, se resume à cobertura dos escândalos políticos. Para esses grupos, é como se vivêssemos, há longos meses, sob uma realidade paralela em que todos os brasileiros devem estar falando exclusivamente de Dilma, Lula, Temer e do que virá Pós-Temer.Sim, o cenário político e econômico do país está puxado, mas sua face mais palpável e discutida pela população que não faz parte dos grupos acima é o desemprego de 14 milhões de brasileiros e a falta de perspectiva de que voltem a ter um emprego em breve. Mas a realidade da coisa é que, embora todos os dias jornais e telejornais pareçam repetir a edição do dia anterior, mudando apenas o nome do investigado ou preso, na vida das ruas e dentro de cada lar brasileiro, os dias não são assim. Enquanto esse nicho de pessoas respira informação política e discute todos os dias variações do mesmo tema, se Temer cai, se fica, se articula, se o delator B suplantou, em detalhes sórdidos, o delator A, e o C e D farão as delações dos dois primeiros parecer versinhos da galinha pintadinha, as camadas mais pobres tendem a estar alheias a isso tudo e cada vez mais dão de ombros.Quantos de nós não temos ouvido recentemente, de pessoas que têm o repertório bem próximo ao nosso, frases como: "eu não suporto mais ver telejornal, jornal. Estou saturado da mesma coisa todo dia". Agora imaginemos a maioria das pessoas que não tem tempo para ver telejornal e muito menos dinheiro para comprar jornal e que nas redes sociais preferem compartilhar as fotos dos filhos, do corpão no biquíni, ou da selfie na Fonte Nova. Embora "os dias" do Jornal Nacional e da 1ª página dos jornais impressos e on line existam, nesses termos políticos, no dia a dia, os nossos dias não são esses. Os nossos dias não são assim.ManicureHá pouco tempo, conversava com uma amiga sobre como as faixas mais pobres da população percebem esses escândalos políticos todos, assimilados no boca a boca, e não através do jornalismo, mas aos pedaços e cheios de ruídos, como o famoso telefone sem fio, em que a conversa começa de um jeito e chega ao ouvinte final de forma completamente transformada. Diante de uma pergunta feita por ela a uma manicure, a resposta foi como um soco no estômago, de tão concreta, do tipo que impede contra-argumento.Tentarei reproduzi-la, na medida do possível: "A vida inteira os políticos foram assim. Só estão lá para roubar, só lembram dos pobres quando precisam do nosso voto. A única coisa que tenho certeza é que isso de Lava Jato, se um vai preso, se não vai, não vai mudar nada na minha vida. Eu nasci pobre, continuo pobre e, se um ou 10 forem presos, eu vou continuar sendo manicure. Por isso, o que eu faço é aproveitar a vida, dançar, dar risada e tomar minha cervejinha. Eles vão continuar fazendo a mesma coisa que sempre fizeram". Como diria a personagem de Chico Anísio: é mentira, Terta?Desde que a Operação Lava Jato começou a convidar um monte de gente importante para ir algemada para Curitiba, no avesso do avesso das periferias, nos grotões do Brasil profundo e pobre, quase todo mundo continua sem saber quem é Eduardo Cunha, Palocci, Vaccari, Joesley Batista, Lúcio Funaro ou Léo Pinheiro. Durante e depois disso tudo, centenas de pessoas sem nome continuam sendo assassinadas semanalmente nas periferias, as filas da saúde pública continuam sendo corredores da morte disfarçados, a educação pública continua um faz de conta, os pratos dos pobres continuam sempre meio vazios.