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Malu Fontes
Publicado em 20 de novembro de 2017 às 07:11
- Atualizado há um ano
No Brasil, a cada vez que um homem mata uma mulher com quem mantinha algum tipo de relação amorosa emergem reações de assombro que se dividem basicamente em dois tipos: a reação daqueles que responsabilizam a vítima e insinuam que ela contribuiu para a própria morte de algum modo, ou por provocar os instintos violentos do assassino ou por não ter percebido seu talento homicida, e a mais comum, a reação das pessoas que, acreditando estarem condenando o culpado, o chamam de insano, doente, psicopata e monstro. Culpar uma mulher assassinada por quem frequentemente dizia que a amava ou por quem não admitiu que ela não o quisesse é matá-la duas vezes. Mas, nesses casos, os acusadores são apenas irreversivelmente ignorantes e tendem a morrer abraçados às suas lógicas tortas. São do tipo “coitados, não sabem o que dizem”. Infelizmente, podem não saber o que dizem, mas sabem muito bem o que fazem e nunca serão defensores da vulnerabilidade das mulheres diante da força física de homens violentos dispostos a machucá-las e matá-las. E quem é capaz de bater em mulheres é, potencialmente, um assassino delas. Basta pesar um pouco mais a mão em seus atos habituais de violência. Manicômios Já a categoria do coro popular que se manifesta diante desses assassinatos gritando “monstro”, geralmente é formada por pessoas que, de fato, enxergam o absurdo e o inaceitável que é um homem matar uma mulher pelas razões que sempre vemos citadas nesses episódios. No entanto, embora com a maior boa vontade em protestar contra esses assassinos, as pessoas que os reduzem à condição de monstros, psicopatas e doentes, no fundo contribuem para desresponsabilizá-los do crime. O raciocínio é elementar. Se alguém pertence ao universo dos monstros e dos doentes é porque é desprovido de racionalidade e habita o mundo psíquico daqueles que não têm consciência do que é certo ou errado nem da intensidade da dor do outro. Quem mata alheio à sua vontade pertence ao universo da psiquiatria forense e dos manicômios judiciários. Esses matadores de mulheres que vemos todos os dias na imprensa, com raríssimas exceções, não são doentes mentais. São homens violentos, machões ruins e casos de polícia e de cadeia. Os apresentadores de TV costumam exibir imagens desses assassinos e repetir coisas como: esse sujeito não é humano. Esse é um clichê que não leva à reflexão alguma sobre a violência masculina cotidiana contra seus ditos objetos de afeto e desejo sexual. Não passa de uma frase fácil que faz parecer que eles são anormais, raros e que pertencem a outra espécie. Não é verdade. Desumanizá-los equivale, paradoxalmente, a nos convencer a situar sua violência na esfera da loucura e da insanidade e, portanto, defender para eles julgamentos e sentenças diferentes do que é aplicado aos homicidas comuns. Paralelepípedo Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, somente de janeiro a setembro desse ano 38 mulheres foram mortas por feminicídio na Bahia. Podem seguramente multiplicar muitas vezes esse número para chegarmos a um número próximo do real, pois grande parte dos casos de mulheres mortas por seus ex-companheiros, ex-namorados, atuais ou interessados em relacionar-se com são tipificados pela polícia como homicídios comuns. Mateus Brito, que matou a jornalista Daniela Bispo com golpes de paralelepípedo na cabeça é um monstro doente e seu crime foi um homicídio comum? Não é e não foi. Ele não é doente mental e o que a levou à morte foi sua condição feminina. Um advogado a essa altura está lutando na Justiça para que o “monstro” saia da cadeia e venha levar aqui fora uma vida normal.