Mil bocas e nenhum ouvido

Silvana Gomes é consultora em Turismo de Eventos e Marketing de Destinos

Publicado em 20 de setembro de 2017 às 07:39

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

O Centro de Convenções da Bahia (CCB) desabou em 23 de setembro de 2016, pouco antes das 21h. Hoje, um ano depois, o que restou do que outrora foi tido como vetor de desenvolvimento econômico para Salvador difere muito do prédio que, por anos, ajudei a encher de congressos, gente e vida.

Captar eventos para o CCB nunca foi tarefa fácil, mas, convenhamos, parti-lo em pedaços foi façanha ainda maior. Apesar dos seus pesares, o CCB  acomodava, amiúde, eventos de três mil, quatro mil pessoas,  e registrou, em 2010, o maior evento científico já sediado em Salvador: o Congresso Mundial de Odontologia, com dez  mil participantes do mundo todo. Eventos assim ativavam por inteiro a vasta cadeia produtiva do turismo, mas até acontecerem, haja labuta, paciência e visão.

Vejamos: em 2004, Salvador foi oficialmente confirmada como sede do Congresso Mundial de Avicultura, evento com mais de quatro mil participantes que gastariam, em média, 300 dólares, por dia, na capital baiana. Captado em 2004, o evento foi programado para oito anos depois! É o que acontece com quem se planeja e enxerga além da folhinha eleitoral. Em 2012, o evento aconteceu, de fato, no Centro de Convenções da Bahia (R.I.P.) e foi sucesso de público, crítica e arrecadação.

Esse é apenas um dos mais de 800 eventos que, ao longo de 11 anos (2002 a 2013) em que trabalhei na captação de eventos técnico-científicos, trouxeram para Salvador mais de 1 milhão de visitantes e movimentaram mais de 828 milhões de dólares em nossa economia. Nessa pisada, conseguimos firmar Salvador como a 3ª melhor cidade brasileira para eventos internacionais e ajudamos, e muito, o Brasil a ser o 1º (e até hoje único) país latino-americano entre os 10 do ranking mundial de eventos internacionais. Resultado do esforço conjunto de muitos para ver o evento acontecer na cidade, mesmo que anos à frente.

Tudo ruiu: Salvador amarga, hoje, a 8ª posição nacional com viés de baixa; o Brasil está longe do Grupo dos 10; o Centro de Convenções, qual Terezinha de Jesus, foi ao chão; e,  no lugar de profissionais comprometidos, vemos inoperância, desleixo e falta de visão. Com míseros cinco eventos internacionais registrados em 2016 - e provavelmente nem isso em 2017 - a cidade regrediu à marca de 1999.

A ruína em que se tornou o CCB não apaga da memória as multidões que ali passaram durante congressos como os mundiais de Serviço Social, o da ONU contra as Drogas e o Crime, e dos congressos brasileiros de Cardiologia, de Dermatologia ou mesmo o Congresso de Ginecologia e Obstetrícia, embora esse último não seja bom lembrar...

O CCB em frangalhos, o abandono da área urbana em todo seu entorno e Salvador alijada do circuito internacional de eventos formam um monumento às avessas que afugenta negócios e desenvolvimento, em vez de atraí-los. É uma ode à incapacidade da cidade em recuperar, nos próximos cinco anos, pra dizer o mínimo, tudo que se perdeu. Mesmo desmantelado, o CCB é uma prova de que captação de eventos com oito anos de antecedência é incompatível com folhinhas que só marcam até quatro anos à frente.

Passado um ano do colapso, enquanto todo um setor agoniza e agonizará por alguns bons anos à frente, seguimos com mil bocas e nenhum ouvido discutindo o melhor lugar para o novo Centro de Convenções da Bahia.