Não gosto e pronto

Oscar Paris é jornalista

  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2018 às 03:05

- Atualizado há um ano

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Tentei ficar de fora do debate. Afinal, bom gosto é que nem cabelo. Tem gente que simplesmente não tem. Mas não dá pra segurar. BaianaSystem, Aiace Félix, Sérgio Passos, Rafael Pondé... Nossa, são tantos os nomes emergentes e de qualidade na cena musical da Bahia que fica impossível citá-los sem esquecer de pelo menos uma dezena de virtuoses batalhando pela sobrevivência na terra da felicidade. Mas quem faz a cabeça das rádios, jornais e TVs da terrinha? Quem ganha os holofotes e cachês polpudos para fazer a soterópolis tirar o pé do chão? Os de sempre, seus descendentes ou aqueles que tocados pela vara de condão da grande mídia ganharam, de mão beijada, notoriedade espontânea.

Em termos de Brasil a musa da hora, numa sequência que já teve Claudia Leitte, Paula Fernandes e Maria Gadu, só para citar as mais mais, é a senhorita Anita. Nada contra, até gosto do rebolado. Me faz lembrar outra celebridade instantânea e que até hoje vive do mesmo mote que Anita. A bunda. Sim Anita é a Gretchen do século XXI, com um pouquinho mais de produção. Nas cinco vezes em que assisti Anita em programas de televisão contei até cinco e...pimba. A bunda da moça tomou conta da tela. Voz que é bom, necas de pitibiribas.

A outra pérola é Pablo Vittar. Acho elegante, forte e necessário um transgênero ocupar espaço, representar uma minoria, etc e tal. Mas me pergunto: o que mesmo esta pessoa faz? É um performance, transformista, dançarino, animador??? Deve ser tudo isso junto, mas cantar que é bom, tá difícil. Repito: Pablo é essencial neste momento em que o falso moralismo, o preconceito e o fundamentalismo estão em alta. Mas, pelo amor de Deus, não me presenteiem com ingressos para um show somente pirotécnico. Prefiro fogos de artifício.

Pensei, sinceramente, que passada a febre amarela do sertanejo, do pagode de uma nota só (aquele que assassinou o cavaquinho) e das corruptelas derivadas do axé, teríamos espaço para trabalhos, digamos, mais palatáveis. Mas pelo contrário. A indústria do entretenimento instantâneo é pródiga em promover fenômenos relâmpagos, descartáveis e, geralmente, de qualidade questionável.

Tem público para tudo? Certamente. Mas será que essa galera que consome esse tipo de barulho tem o mesmo prazer, aprendizado e poder de discernimento dos que curtiram, cantaram e dançaram ao som de Caetano, Gil, Raul Seixas, Novos Baianos, Tom Zé, Caymmi, Ney Matogrosso, Gal, Betânia, Ederaldo Gentil, etc, etc.???  Para minha geração, a música desses caras e minas soava como hino diante das encruzilhadas da vida. Foram eles que deram a cara a tapa no enfrentamento da opressão, da ditadura e do falso moralismo. Muito por causa deles que hoje podemos assumir quem somos. Ainda que exista muita estrada para caminhar, já podemos gritar para o mundo que somos rastafáris, gays, transgêneros, socialistas, anarquistas e o escambau.

Mas o que vale hoje em dia é o entretenimento de emergência, o espetáculo fugaz, sacudir o esqueleto e jogar as mãos pra cima. Isso explica porque artistas de peso como Lazzo Matumbi, Gereba e tantos outros aparecem discretamente aqui e acolá. A indústria do pega, mata e come não tem interesse em investir em projetos viscerais e com selo de qualidade comprovada. Por isso também entendo porque um talento como Jorge Papapá optou pela caneta, em detrimento ao instrumento. É que a poesia nua e crua tem o poder de sair do papel para fazer história. Nos decibéis que pululam da caixa de som, a vida simplesmente passa, sem deixar marcas indeléveis. Exceto se for um tímpano furado.

Oscar Paris é jornalista